Luz, conflito e harmonização na pintura de Georgina de
Albuquerque: obras de 1920 / 1926. PPGAV/EBA/UFRJ, 2011.
4
Ver SIMIONI, Ana Cavalcanti. O corpo inacessível: as mulheres e o ensino artístico nas academias do século XIX. ArtCultura. UFU,
v. 9, p. 83-97, 2007; NOCHLIN, Linda. Why there be no great women artists?. In: ___________. Art and Sexual Politics. New York: Macmillan
Publishing Co., 2ª ed., 1973.
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com alunas que não se empenhariam e abandonariam os estudos e treinamento assim que se cas-
sassem. Este pensamento vigorava apesar de diversas terem conquistado lugar de destaque como
artistas.
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Ainda que impedidas de ingressarem na Academia, o interesse dessas mulheres pela arte é
indiscutível. A abertura das Exposições Gerais de Belas Artes por Félix Émile Taunay
em 1840
para todos os artistas da corte
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agregando assim as mulheres e possibilitando sua inserção no
circuito artístico acadêmico, atesta a demanda de mulheres interessada em expor suas criações.
Ao consultarmos as exposições anuais, a AIBA percebe-se que a presença de obras expostas por
mulheres é constante e cresce ao longo dos anos.
Essas mulheres serão conhecidas como amadoras. O termo designava aqueles que não pos-
suíam ensino artístico ou ainda aqueles que não passaram pelo crivo severo da AIBA. Apesar de
ser usado para designar qualquer iniciante nas artes, inclusive os homens, o termo se tornou de
certo modo pejorativo às mulheres pois a elas até então, o amadorismo não era somente etapa pas-
sageira, mas condição permanente já que o ingresso na Academia, fato necessário para abandonar
a condição de amadora, não era lhes permitido alcançar.
Algumas delas irão inclusive receber críticas favoráveis, sendo elogiadas e até mesmo pre-
miadas nas Exposições Gerais. É o caso de Abigail de Andrade. A pintora, nascida em Vassouras,
se dirige ao Rio de Janeiro em 1882, então com 18 anos, a fim de aperfeiçoar-se na pintura
7
. Logo
chegando, expõe no Liceu de Artes e Ofícios e em 1884 na 26ª Exposição Geral de Belas Artes,
quando ganha a Primeira Medalha de Ouro
8
.
Como muitas de suas contemporâneas, Abigail se torna aluna do pintor, ilustrador e dese-
nhista Ângelo Agostini e de Insley Pacheco, fotógrafo e pintor. Durante a década de 1880, Abigail
esteve presente nas Exposições Gerais com obras que diferiam daquelas expostas pela maioria das
demais mulheres. Sua temática aproximava-se do Realismo, ao explorá-lo suas obras, demonstra
5
Ver HARRIS, Anne Sutherland; NOCHLIN, Linda. Women Artists: 1550-1950. New York: Los Angeles County Museum of Art,
Alfred Knopf, 1976.
6
As primeiras exposições de artes plásticas no Brasil foram criadas por iniciativa de Jean-Baptiste Debret, em 1829 e 1830, permitida
somente para alunos e professores. Para mais informações sobre as Exposições Gerais de Belas Artes ver LEVY, Carlos Roberto Maciel. Exposi-
ções Gerais da Academia Imperial e da Escola de Belas Artes: catálogo de artistas e obras 1840 a 1884. São Paulo: Pinakotheke, 1990.
7
Para mais informações sobre a vida da pintora, ver OLIVEIRA, Miriam Andreia. Abigail de Andrade: Artista Plástica do Rio de Janeiro
no século XIX. PPGAV/UFRJ, 1993.
8
Abigail ganha premiações também em exposições no Liceu de Artes e Ofícios, do Rio de Janeiro, e em exposições francesas nos últi-
mos anos da década de 1880.
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o domínio técnico da pintura, e se sobressai entre as demais amadoras, sendo possível alocá-la ao
lado de artistas consagrados similares em estilo e em temática.
As poucas obras realizadas pela pintora
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que se tem notícia se enquadram em dois momen-
tos distintos, um interior, onde retrata a vida dentro do lar, com detalhes de mobiliário, objetos
caseiros, e em sua maioria, cenas de mulheres absortas em seu fazer artístico, com telas, desenhos,
pincéis e tintas ao seu redor. Em outro momento, estão as obras que têm seu foco na vida da rua,
nos afazeres domésticos e costumeiros de gente simples que é retratada por Abigail com a mesma
minúcia de suas obras caseiras.
No primeiro momento, a jovem vassourense parece querer afirmar sua figura como mulher e
como pintora, ainda assim, a mulher habitando seu domínio, o lar, o privado, lugar este reservado
à elas pela moral oitocentista. Lugar de suas aulas particulares com seus mestres. Contudo, Abigail
parece não se conter nesse espaço limitado da casa, e volta sua atenção para a rua. Não se pode
afirmar se pintou diretamente seus modelos, ou a partir de que momento a pintora decidiu por essa
temática, pelo distanciamento temporal e histórico, e a falta de documentos e fontes dobre a pinto-
ra
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, mas somente a escolha por esses temas já demonstra a grande ousadia de Abigail.
Em ambos os momentos da produção de Abigail o interesse pelo cotidiano, pelas ações de
gente de verdade, se revela um diferencial dentre as demais artistas mulheres que até então vinham
expondo nas Exposições Gerais, onde predominavam naturezas-mortas, flores, e pequenas paisa-
gens, chamando atenção assim de críticos como Gonzaga Duque e Oscar Guanabarino, contando
também com os elogios de seu mestre Ângelo Agostini
11
.
Na última Exposição Geral do Império, realizada no ano de 1884, Abigail expõe 13 obras,
que foram bem recebidas e comentadas pelos críticos. Oscar Guanabarino, ao citar a devida dife-
renciação de tratamento quando se tratava de amadores, quando fala de Abigail afirma que:
(...) a talentosa artista dispensa perfeitamente qualquer benevolencia e resiste com faci-
lidade a um exame detido, profundo e severo, attentas as condições do meio em que se
expande a sua actividade, e as influencias que, sobre as producções artisticas, exerce o
temperamento de uma moça de muito pouca idade. (GUANABARINO, 1884: 1)
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Se tem notícia de um conjunto de, aproximadamente, 10 obras.
10
Sobre a interpretação de influências e escolha dos artistas ver BAXANDALL, Michael. Padrões de Intenção: A explicação histórica
dos quadros. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
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Agostini chegou a dedicar algumas críticas favoráveis a Abigail inclusive publicando esboços de suas obras na Revista Illustrada,
periódico sob sua direção entre os anos 1876 e 1898.
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Em sua curta trajetória de Abigail
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conquista a critica por sua técnica e sua temática voltada
para o Realismo. O uso das cores associado a temática diferenciada, a aproxima de artista consa-
grados da época, como já citado anteriormente, dentre eles o artista Almeida Junior.
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O artista ituano atuante nas últimas décadas do século, formado na Academia Imperial de
Belas Artes, vai para Europa estudar com grandes mestres, como Cabanel. Retorna ao Brasil e
se consolida como grande retratista, mas, sobretudo, são suas obras voltadas para a realidade do
campo, sua chamada fase caipira que tornam Almeida Junior conhecido e aclamado. Devido a essa
produção, será elogiado pelos Modernistas por afastar-se da rigidez e estrangeirismo acadêmicos
e buscar representar o verdadeiro homem brasileiro.
Ambos, Almeida Junior e Abigail de Andrade, transitam por entre o chamado Realismo, em
terras brasileiras o movimento é tido como inovação, ou até mesmo renovação da tradição acadê-
mica já em decaída, sendo bem recebido pelo público e pela crítica, como mostra Gonzaga-Duque,
que afirma que:
(...) os pequenos quadros de episódios domésticos; (...) as mocinhas rosadas que borri-
fam as violetas, a gravidade elegante da haus-frau que se ocupa nos afazeres da casa,
a representação viva, tocante de impressão e de observação, das cenas domésticas, (...)
toda essa infinita multidão de episódios e de cenas são os assuntos que mais comovem,
mais impressionam ao homem de hoje. (DUQUE apud ESPINDOLA, 2009)
As obras de Abigail e Almeida Junior encontram assim semelhanças temáticas, desenvolvi-
das em torno do contexto acadêmico da Academia no Rio de Janeiro. Contudo, enquanto Almei-
da Junior se estabelecia como pintor requisitado, Abigail, sendo impossibilitada de ingressar no
ensino oficial, permanece na sua condição de amadora, até hoje excluída da historiografia da arte
oitocentistas. Ao analisarmos as obras dos artistas citados, tal situação suscita o questionamento
da validade dessa situação que perdura até os dias presentes.
Observando a obra Estendendo a roupa (ilustração 1) da pintora, vemos uma mulher desem-
penhando seu afazer doméstico de estender a roupa limpa ao sol, no quintal de sua casa. No qua-
dro, vários detalhes são minuciosamente pintados: a casa simples, com o reboco aparente, os filhos
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Abigail de Andrade falece em 1889, de tuberculose.
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José Ferraz de Almeida Junior nasce na cidade de Itu, São Paulo em 1850. Estuda na Academia Imperial de Belas Artes, e sob pa-
trocínio do Imperador, vai à França para aperfeiçoar seus estudos, sendo aluno de Alexander Cabanel. O pintor expõe em vários Salões e ganha
reconhecimento com suas obras que retratam o cotidiano e em especial o caipira.
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ao redor da mãe: o mais novo que brinca com a água que lava a roupa, o mais velho descansa da
tarefa de preparar a lenha para a família. Em qualquer detalhe do quintal dessa casa vêem-se sinais
da simplicidade e da vida difícil dessa família, as roupas quarando no sol, talvez pela quantidade
sendo o sustento da família trabalhando a mãe como lavadeira, objetos que mostram os trabalhos
interrompidos ou por fazer – o regador jogado no canto inferior direito da tela, ou a escada posta no
telhado à esquerda - vida diferente do sobrado branco que desponta entre as arvores, de aparente
arquitetura neoclássica, tão distinta da aparência da casa escolhida por Abigail para retratar. A mu-
lher se encontra no plano mais próximo da tela, e é o elemento que chama mais a atenção na obra,
é o tema central, a mulher que cuida da casa sozinha ao mesmo tempo em que cuida dos filhos, não
se vê a figura masculina presente nem representada nos objetos. Justamente uma mulher, descalça,
simples em suas vestimentas e em seu gesto costumeiro, tão diferente da mulher de tez branca e
vestes impecáveis, idealizadas pelos pintores acadêmicos.
Abigail faz assim a mesma escolha que Almeida Junior, que coloca no centro de suas obras
seres que nada tem haver com os temas mitológicos ou moralizantes. Em obras como Caipira
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