4.2 Abolicionismo
Um movimento mais organizado dos direitos dos animais passa a surgir no
início da década de 1970, quando um grupo de filósofos ativistas da Universidade
de Oxford, que incluem o psicólogo Richard D. Ryder, utilizam o termo especismo
impresso em panfletos. Em 1975, Peter Singer lança o livro Libertação Animal,
considerado a “Bíblia” dos direitos animais e que se baseia no utilitarismo,
ampliando a força do movimento. Nas décadas seguintes, o movimento se expandiu
para uma grande variedade de círculos profissionais, e é defendido por médicos,
psiquiatras, advogados e antigos vivisseccionistas.
Um momento marcante para a comunidade científica foi a Declaração de
Cambridge sobre a Consciência Animal em julho 2012, realizada por um grupo
internacional de pesquisadores na área da neurociência. Segundo a declaração:
"A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo
experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que os animais não
humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de
estados de consciência juntamente como a capacidade de exibir comportamentos
intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não
são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência.
Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras
criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos". [3]
A partir do momento que se sabe que os animais possuem substratos neurais
que os permitem manifestar comportamentos intencionais e possivelmente estados
de consciência, faz-se necessário o questionamento sobre o porquê e como esses
animais são utilizados, bem como o modo como os resultados obtidos a partir de
testes realizados com os mesmos são interpretados.
Segundo
Gary
L.
Francione,
a
vivissecção
é
justificada
pelos
vivisseccionistas pois estes alegam que o seu uso de animais, diferentemente do
uso para comida, caça, entretenimento ou peles é verdadeiramente necessário, ou
seja, só utilizam estes métodos quando não há uma alternativa viável. Assim, a
escolha por se utilizar animais em experimentos é retratada por eles como algo que
envolve uma escolha semelhante àquela com que
nos deparamos ao encontrar a
casa em chamas, e argumentam que devemos salvar o humano com a temida
doença ou os animais que vamos usar no experimento. (Francione, 2013)
Além disso, o status dos animais como propriedade impede qualquer
reconhecimento significativo dos seus interesses, e ao invés de tentarmos equilibrar
nossos interesses com os interesses dos animais, equilibramos o interesse do
proprietário em usar ou tratar o animal de um modo específico com o intere
sse da
propriedade, que neste caso, é o animal. Assim, o resultado desse “conflito de
interesses” estaria sempre predeterminado, mesmo em situações em que o
interesse do humano é trivial e o interesse do animal é fundamental, uma questão
de vida ou morte, literalmente. (Francione, 2013) [1]
Portanto,
no
campo
da
ética,
ainda
prevalece
uma
posição
antropocêntrico-especista, onde o ser humano, por sua condição biológica especial,
na qual nascem a razão e a linguagem, deve ser o fim para o qual tudo o mais
existe [4]. Nesta lógica, todos os animais não humanos teriam seus interesses
discriminados, uma vez que estes concorrem contra os de quaisquer seres
humanos.
5.1 Histórico da proteção animal
Através do
British Cruelty to Animal Act
, em 1876, temos a primeira lei a
regulamentar a prática do vivisseccionismo, sucedendo a Lei Inglesa Anti-crueldade
(
British Anticruelty Act
), aplicável porém apenas para animais domésticos de grande
porte no Reino Unido. As primeiras sociedades protetoras de animais surgiram
também no século XIX na Inglaterra, como a Society for the Prevention of Cruelty to
Animals (1824), assumida em 1840 pela Rainha Victória, e posteriormente surgem
também Sociedade para Proteção dos Animais na França, Alemanha, Bélgica,
Áustria, Holanda e Estados Unidos. [5]
Segundo a constituição Federal de 1988, Art. 225, Parágrafo sétimo, é
incumbência do poder público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma de lei,
as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais à crueldade.
5.2 Legislação no Brasil
Citar lei que era fiscalizada pelo IBAMA
A legislação que regulamenta a experimentação em animais no Brasil
atualmente é a lei 11.784, aprovada em 2008 e conhecida como Lei Arouca, uma
homenagem ao médico sanitarista e autor do projeto de lei Sergio Arouca. A lei
criou o Conselho Nacional de Experimentação Animal (CONCEA), órgão
responsável pelo credenciamento de instituições que realizam experimentos em
animais e pela expedição e cumprimento de normas relativas ao ensino e pesquisa
científica. Compete também ao CONCEA a avaliação e inclusão de métodos
alternativos à experimentação animal.
Para que uma instituição de ensino esteja apta a realizar esse tipo de
pesquisa, é necessário criar uma Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA),
que faz cumprir as
regulamentações dispostas na lei Arouca e outras normas
referentes à utilização de animais para ensino e pesquisa. As CEUAS reportam
periodicamente os procedimentos realizados para o CONCEA, que tem a obrigação
de manter o cadastro atualizado dos procedimentos realizados ou em andamento no
país. [6]
Métodos Alternativos
Em 2017, o CONCEA reconheceu 17 métodos alternativos ao uso de
animais, e estabelece um prazo máximo de 5 anos para que as substituições sejam
implantadas. Os métodos foram validados pelo Centro Brasileiro de Validação de
Métodos Alternativos (Bracvam) e estudos colaborativos internacionais. Os testes
são divididos nas seguintes categorias:
-
potencial de irritação e corrosão da pele,
-
potencial de irritação e corrosão ocular,
-
potencial de fototoxicidade,
-
absorção cutânea,
-
potencial de sensibilização cutânea,
-
toxicidade aguda e genotoxicidade. [7]
Apesar de ser um grande avanço na substituição do modelo animal, pode-se
observar que a maioria dos métodos aplicados estão relacionados ao teste de
produtos cosméticos, produtos que passaram a ser considerados “supérfluos” na
questão da experimentação animal. Assim, pode-se concluir que a inovação e os
esforços da ciência estão muito alinhados com a opinião pública sobre direitos
animais e sobretudo quais fins poderiam justificar os meios.
Além disso, estudos como o [artigo enviado] mostram que é crescente a
preocupação mundial em se minimizar o uso de animais em testes de citotoxidade
de drogas, cosméticos e outras substâncias, substituindo-os por ensaios in-vitro.
Segundo a estratégia nacional de ciência tecnologia e inovação do MCTIC
para a saúde, uma das estratégias é o fortalecimento das competências nacionais
em ensaios pré-clínicos, incluindo métodos alternativos à experimentação animal [ ].
Em 2012, o MCTIC lança a portaria número 491, que institui o Renama (Rede
Nacional de Métodos Alternativos), que tem como um de seus objetivos promover o
desenvolvimento, a validação e a certificação de novos métodos alternativos ao uso
de animais [ Renama 2012 - Portaria do MCTIC ]
5.3 Números no mundo
Segundo pesquisas realizadas pela Understanding Animal Research, cerca
de
3.789.373 animais foram utilizados para pesquisa médica ou veterinária em 2017
no Reino Unido, um número 3,7% menor comparado ao mesmo período no ano
anterior, representando, porém, aumento significativo de procedimentos desde a
metade da década de 90. [8]
Figura X: Total de procedimentos realizados no Reino Unido nas últimas
décadas
Fonte: Annual Statistics of Scientific Procedures on Living Animals Great Britain
2017 [9]
Além disso, estimativas acerca do uso de animais para pesquisa na União
Européia entre 2011 e 2014 mostraram que os números continuam aumentando (de
1.481.521 em 2011 para 12.808.506 em 2014). Dois fatores, no entanto, podem ter
influenciado no número total, sendo eles o fato de que alguns animais passam por
mais de um experimento e também o fato de que animais geneticamente
modificados, que tem uma participação entre 30-50% do número total, passaram
também a entrar no cálculo. [10]
5.4 Cenário Brasileiro
Logo, ainda observa-se que mesmo com uma série de regulamentações para
esse tipo de atividade, no geral, há poucas evidências que mostram algum declínio
no número de animais utilizados.
No Brasil, não há um número certo de animais de
cada espécie utilizados em pesquisa, tornando difícil realizar uma estimativa de
animais utilizados em âmbito nacional.
5.5 Histórico do Biotério na UFABC
Quando e como se iniciaram as atividades
5.6 Números na UFABC
Com o intuito de se obter uma estimativa do impacto das normativas do
CONCEA no número de animais utilizados é possível tomar como base o número de
animais utilizados em pesquisa na UFABC. No gráfico a seguir, podemos observar
o
número de animais que deram entrada no biotério da UFABC:
Figura X: Número de animais utilizados na UFABC
Fonte: Controle feito no biotério da UFABC - Campus SBC
Pode-se observar na figura X um aumento considerável do número de animais
utilizados em experimentos na universidade entre 2014 e 2017, que foram de X para
Y. Como os dados dos últimos meses de 2018 ainda precisam ser atualizados,
estima-se que não haja uma alteração significativa de 2017 para 2018.
Figura X: Comparativo do número de animais utilizados vs permitidos pela CEUA
Fonte: Controle feito no biotério da UFABC - Campus SBC
De acordo com a comparação feita entre o número de animais que é aprovado pela
CEUA da universidade e o número de animais que efetivamente chega nos biotérios
para participarem dos experimentos, pode-se observar que, em linhas gerais,
quanto mais animais são aprovados para serem utilizados, mais animais chegam a
ser efetivamente participantes de experimentos.
Entre os ratos utilizados encontram-se na sua grande maioria as linhagens
“Long Evans” e “Wistar”, e para camundongos, as linhagens “Swiss” e “C57bl/6”.
Além desses animais, sabe-se que existe um laboratório no campus de Santo André
onde serão realizados experimentos com espécies de peixes como o zebrafish. A
previsão para o ano de 2019 é de X animais.
5.5.1 Crítica ao bem-estar animal e ao funcionamento da lei vigente
Críticas apontadas contra a política dos 3Rs) são bastante voltadas à sua
aplicação na prática. Uma delas ressalta o fato de que enquanto existirem e forem
consideradas necessárias as políticas de redução e substituição, dificilmente haverá
a substituição dos métodos. (incluir referência)
Um problema observado na regulamentação dos comitês de ética reside no
simples fato de que são compostos pelos próprios membros que fazem ou
supervisionam pesquisas que envolvem a experimentação. Assim, o sistema perde
credibilidade uma vez que um pesquisador dificilmente barraria sua própria pesquisa
no comitê [4].
Uma das dificuldades encontradas para que as práticas se voltem mais à
métodos alternativos ao uso de animais reside no fato de que utilizamos muitas
vezes uma ótica utilitarista que utiliza de uma equação simples. Nesta o “bem”
proporcionado ao humano beneficiado pelas pesquisas tem um valor maior do que a
dor infligida aos animais sacrificados após as práticas experimentais.
Além disso, a vivissecção é um empreendimento comercial muito grande, e
que tem defensores em vários segmentos da sociedade. Muitas vezes, líderes de
organizações que visam o “bem-estar” animal são vivisseccionistas e muitos dos
políticos estão ligados a diversas formas de exploração animal, tornando a abolição
do uso de animais para pesquisa torna-se um processo muito lento. Há ainda
profissionais que agem de acordo com os interesses de seus anunciantes como
jornalistas, repórteres e editores, que questionam ou censuram a opinião de quem
luta pelo fim da experimentação animal [4].
4.4 – Os contras do modelo animal
Divulgado no portal dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados
Unidos, estima-se que o tempo médio para aprovação de um novo fármaco leva em
média 14 anos, e o custo por medicamento pode chegar a 1 bilhão ou mais, sendo
que a taxa de fracasso desses testes ultrapassa 95%.[11] Com uma taxa de
fracassos tão grande, continuamos a utilizá-los também por outros mitos presentes
na ciência.
Um desses mitos é o de que os maiores avanços científicos feitos na área da
saúde se deram graças à experimentação animal, quando na verdade podem ser
atribuídos a estudos em humanos, incluindo a descoberta de relações entre
colesterol e doença cardíaca, cigarros e o câncer, desenvolvimento de raios-X e o
isolamento do vírus HIV. O fato de ter havido um grande aumento de expectativa de
vida no último século deve-se primariamente a uma melhor nutrição, condições
sanitárias e outros fatores comportamentais e ambientais, e não ao que foi
aprendido em experimentos animais, como é muitas vezes afirmado. [12]
5 Discussão:
Considerando os avanços de discussões observadas no campo da moral sobre os
direitos dos animais e sobre a real eficácia do uso do modelo animal como método
científico, é possível concluir que ainda não há indicadores que apontem para a
redução do número de animais utilizados para a pesquisa, uma vez que seu número
não tem diminuído com o passar do tempo. Além da preocupação de se avançar em
estudos utilizando peixes como substitutos para a experimentação em ratos e
camundongos e instalação de um novo laboratório com essa finalidade, não se
observou nenhuma outra estratégia para a substituição do modelo animal.
Analisando-se apenas os números coletados, também não é possível inferir se há
ou não uma maior preocupação com a experimentação animal por parte dos
pesquisadores. Assim, se faz necessário a aquisição de dados relacionados ao
número de linhas de pesquisas feitas por pesquisador, número de animais utilizados
para cada linha de pesquisa etc. Ainda, pode-se utilizar de dados de outras
universidades e institutos de pesquisa maiores, uma vez que a UFABC representa
uma pequena parcela no número de animais utilizados a nível estadual. Deste
modo, poderá ser feita uma análise mais realista no que se refere ao número de
animais utilizados para pesquisa.
6 Bibliografia:
[1]
FRANCIONE, G. L. (2013).
Introdução aos Direitos Animais: seu filho ou seu cachorro?
Campinas, SP
[2] PAIXÃO, Rita Leal. "Experimentação animal: razões e emoções para uma ética".
2001. 151 f. Tese de Doutorado, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2001.
[3] Declaração de Cambridge sobre a consciência animal:
Disponível em: http://www.animal-ethics.org/declaracao-consciencia-cambridge/
[4] FELIPE, S. T. (2007). Ética e Experimentação Animal: Fundamentos
Abolicionistas. Florianópolis: Ed. da UFSC.
[5]
GREIF, Sérgio; TRÉZ, Thales. A Verdadeira Face da Experimentação Animal: a
sua saúde em perigo. Rio de Janeiro: Sociedade Educacional Fala Bicho, 2000.
[6] Perguntas e Respostas Frequentes - CONCEA
Disponível em:
https://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/institucional/concea/paginas/FAQs.html
[7] Concea aprova 17 métodos alternativos:
Disponível em:
http://www.brasil.gov.br/editoria/educacao-e-ciencia/2014/09/concea-reconhece-17-
metodos-alternativos-ao-uso-de-animais
Acesso em 06/08/2018 às 17:13
[8] Understanding animal research
Disponível em:
http://www.understandinganimalresearch.org.uk/news/communications-media/animal
-research-numbers-in-2017/
Acesso em 06/08/2018 às 17:15
[9]
Annual Statistics of Scientific Procedures on Living Animals Great Britain 2017
Disponível em:
https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attach
ment_data/file/724611/annual-statistics-scientific-procedures-living-animals-2017.pdf
[10] TAYLOR, Katy; REGO, Laura. EU statistics on animal experiments for 2014.
ALTEX-Alternatives to animal experimentation, v. 33, n. 4, p. 465-468, 2016.
Acesso em 16/08/2018 às 08:43
[11] About new Therapeutic Uses
Disponível em:
https://ncats.nih.gov/ntu/about
Acesso em 26/11/2018 às 00:45
[12] Animal Testing is ad Science: Point/Counterpoint
Disponível em:
https://www.peta.org/issues/animals-used-for-experimentation/animal-testing-bad-sci
ence/
Acesso em 26/11/2018 às 00:50
[ ]
Guilherme Abreu Alonso, Da inconstitucionalidade da Lei Arouca:Perspectivas pela
Abolição do uso de animais na Experimentação, Universidade Federal do Rio Grande -
FURG- Faculdade de Direito-Rio Grande -RS - 2016
[ ] AZEVEDO, A. P. G. B. et al. Uso da Informação de Patentes para Estudo dos
Métodos de Avaliação de citotoxicidade in vitro como alternativa ao Uso de Animais,
pág X, 2015
http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/salaImprensa/noticias/arquivos/2018/08/Bem
estar_deve_reger_a_experimentacao_animal_afirma_coordenadora_do_Concea.ht
ml
[ ]
Estratégia Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação 2016-2022
Disponível em:
http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/publicacao/publicacoes.html
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