mais do que um instrumento de execução do trabalho. Ele faz parte de um
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campo estético em que este corpo volumoso adicionado às suas roupas, suas
vestimentas, seus adereços se apresentam como uma condição para suas
vendas. É como se o encontro do freguês com um corpo gordo e caracterizado
se apresentasse de forma positiva, trazendo a idéia defendida há tempos atrás
em que gordura seria significado de poder e ostentação. “Porque o corpo da
gente representa mais a baiana, a gente meio magrinha fica meio estranha. A
gente fortizinha já sai mais, a baiana sai mais, representa mais um pouco a
baiana” (Baiana Ana, grifo nosso).
Segundo Meurer & Gesser (2008), existe um elo entre a beleza e o
poder retratados pelos corpos esculpidos da sociedade contemporânea,
sugerindo a idéia de que pessoa obesa, que um dia inspirou obras de arte, é
hoje condenada pelo contexto sócio-cultural e pela medicina e responsável por
sua obesidade,
devido à falta de vontade de se exercitar/disciplinar e de
autocontrole. No entanto, neste estudo, a mulher enquanto trabalhadora, esse
elo se apresenta situado em seu corpo volumoso, centrado na baiana de
acarajé como um cartão postal da cidade do Salvador.
Este fato pode ser observado na baiana Cecília. Seu ponto é localizado
no coração do Pelourinho, onde há muita passagem de turistas. Porém a
mesma não permite que lhe tirem uma foto sem que lhe paguem uma quantia
de R$10,00 ou comprem o seu acarajé. A partir daí corpo e beleza passam a
ser atributos do mercado como um objeto de consumo.
Em estudo de Ferreira (2006), realizado no Rio de Janeiro, com
mulheres obesas, a autora identificou um corpo obeso apto para o trabalho.
Entre um corpo magro e ágil e um magro e doente este último parecia ser
ameaçador para o trabalho. Particularmente neste grupo, o uso do corpo pode
compreender uma visão mais utilitária, fruto da importância da força física nas
ocupações desempenhadas (trabalhos informais).
No século XIX, um pouco de adiposidade era sinal de status e riqueza e
conseqüentemente prestígio social. Em contraponto a essa idéia do século
retrasado, hoje o mínimo sinal de gordura é rechaçado. Além disso, os
referenciais de obesidade e magreza podem mudar com o tempo. No passado,
era “preciso ser bem mais gordo para ser julgado obeso e bem menos magro
para ser considerado magro”. (Fischler, 1995, p 79). Porém este referencial
pode também mudar com o lugar, o ambiente que ele está alocado. “Ser gordo
em Salvador, não necessariamente implica o mesmo em outras localidades
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(Santos, 2008 p, 98). O termo obeso é para o doente, portador de uma
patologia, mas o termo
gordo não necessariamente se refere a uma doença.
Há em Salvador, com sede no Pelourinho, uma “Associação dos Gordos e
Obesos de Salvador (ASGOBS)”. Distinção não é separação e, não por acaso,
ela foi adotada para nomear esta organização da sociedade civil.
Segundo Tonial (2001) o corpo magro está relacionado entre as classes
mais populares enquanto corpo fraco, inapto para enfrentar as tarefas diárias
de trabalho. Porém nas classes mais altas, o corpo magro representa um
padrão utilizado como forma de ascensão ou promoção social, como requisito
de inserção no mercado de trabalho e como símbolo de status social.
No Brasil, o estudo de Zaluar (1985) revelou que para as mulheres das
classes populares, a obesidade era por vezes valorizada como elemento de
força. Silva (1995) verificou em seu estudo com mulheres obesas de baixa
renda que a obesidade era um atributo sexual importante no grupo. Freitas
(2002) realizou um estudo em um bairro popular de Salvador, onde a
obesidade, nesta comunidade, não é considerada uma doença, mas antes uma
escolha de ser, em que a estética corporal representa saúde e atrativo sexual.
Em outros momentos históricos ser obeso significava beleza, grandiosidade e
feminilidade (Meurer & Gesser, 2008). O corpo erótico e sensual era
representado pelas formas arredondadas.
Neste sentido há um paradoxo existente nos discursos destas mulheres
que elegem um corpo obeso para o trabalho de baiana e um corpo mais magro
para a vida cotidiana.
Que as baianas magras me perdoem, mas a gordura em si, eu tô falando
aquela gordura sadia, que você fica bem na roupa.
Aquela gordura doentia
não, não serve, nem pra mim nem pra ninguém. Pelo menos a minha ela é
sadia (Baiana Helena).
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