O seu corpo pode até estar emagrecido pela falta de uma alimentação
adequada, mas, ao se inserir no universo do acarajé como uma baiana, seu
corpo se encontra, a partir de então, destinado a ser um corpo obeso.
Segundo a Teoria dos Miasmas, estudado por muitos pesquisadores
(Laín Entralgo, 1978; Machado, 1978; Czeresnia, 1997), no século XVIII,
muitas das enfermidades que assolavam os indivíduos, naquela época, eram
causadas pelo mau cheiro ou odores. Estes continham os miasmas e eram
transmitidos pelo ar. Enquanto a teoria do contágio estava relacionada ao tato,
a teoria miasmática enfatizava o olfato. Eram relatados que as pessoas que
estivesse em locais com mau cheiro e o aspirassem poderiam ser
contaminados e desenvolver qualquer tipo de doença. Os miasmas seriam
todas as emanações nocivas, as quais corrompiam o ar e atacavam o corpo
humano. A atmosfera podia ser infectada por eflúvios resultantes da alteração
e da decomposição de substâncias orgânicas, vegetais, animais ou humanas
(Chernoviz, 1890, p. 421). Para a 'teoria miasmática', tanto o meio físico quanto
o social seriam produtores de miasmas. Essas emanações eram combatidas
pela renovação e circulação do ar. Tudo que estivesse parado, estagnado
poderia ser um elemento perigoso à saúde pública, um produtor de miasmas.
Inicialmente, supunha-se que a doença estava no ar e que, portanto, era
necessário fazê-lo circular (Martins, 1997).
Pode-se realizar uma analogia aos miasmas de proveniência espiritual
que também são nocivos à saúde incorpórea. Estes seriam todas as sujidades
associadas ao profano que ficariam “presas” ao corpo imaterial (ou Espírito)
podendo também ocasionar enfermidades. Segundo Carrel (2005) quando os
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sinais e sintomas de uma doença se fazem presentes no corpo, indicam que a
causa desta manifestação já se encontra no Espírito.
Em ambos os casos deve haver uma “higienização” do corpo ou do
Espírito em que evitaria certos tipos de enfermidades.
Em Salvador, nas festas de largo, pode ser percebido, as “limpezas” que
são realizadas através dos banhos de folhas, banho de pipoca, banho de sal
grosso, que são preceitos, oriundos do Candomblé, realizados para retirar o
mau olhado proveniente das relações interpessoais e espirituais.
Segundo Souza Junior (2003), o equilíbrio que existe entre o fiel e o
orixá é designado pelo “fechamento do corpo”. Segundo o autor “Fechar o
corpo é o mesmo que passar por uma série de prescrições rituais capazes de
garantir a sua proteção. Ter o corpo fechado significa ter axé, ter força, força
que pode aumentar ou diminuir. É ter poder, sucesso, realizações. Significa
estar sadio.” Afirma também que o corpo se abre em situações específicas
“quando o axé diminui e o corpo fraqueja, o que se expressa na doença.”
Há nas falas das baianas uma combinação entre a teoria química da
mudança de estado (do líquido – azeite de dendê - para o gasoso –
representado pela fumaça na fritura do bolinho no azeite – e a idéia da teoria
miasmática de que, pelo olfato, aspirando a fumaça de modo contínuo, a
quituteira fica obesa (”só esse cheiro... me engorda”, “aquilo ali constante, você
engorda”).
As falas acima também expressam uma visão tradicional do adoecer – a
visão ontológica, onde “doença entra e sai do homem como por uma porta”
(Canguilhem, 2006, p.19). A herança, os aspectos dinâmicos da pessoa não
têm importância, ou, pelo menos, não têm tanto importância como os agentes
externos, em particular a fumaça, relacionada a tantos valores simbólicos pelos
saberes religiosos.
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