Centro de Ensino à Distância 66
é terra do sàfu do socopé da mulata
— ui! fetiche di branco! —
é terra do negro leal forte e valente que nenhum outro!
A africanitude é, ainda, essa voz poética que privilegia o amor e a
humanidade do homem africano, enquanto tal, sem cedências às
emoções sensuais e rituais que, embora definidoras duma África
tradicional, já não são mais miticamente olhadas. Privilegia
também a África do nosso tempo na sua multivalência, onde a
tradição e a modernidade convivem, aceitando as realidades que a
história nela plantou regadas embora pelo sangue de milhões dos
seus filhos. Realidades que a inspiração poética de Tenreiro
traduziu melhor no seu segundo livro — Coração em África —,
deixado pronto para publicação que a morte não lhe permitiu ver,
e onde em poemas, marcados por uma escrita da modernidade
sem, todavia, prescindir da característica estrutura narrativa
própria da textualidade negra-africana, tais como “Amor de
África”, “Mãos” e “Coração em África”, o poeta nos apresenta a
força do seu estilo irónico, por vezes mesmo sarcástico, e
agressivamente dialógico, onde a estética jamais fica prejudicada
pela mensagem social que os textos veiculam.
A africanitude, em Francisco José Tenreiro, é, por fim, uma
atitude poética e filosófica, donde a raça e a cor, por si, não têm a
valorização absoluta que a negritude lhes confere, preferindo-se,
antes, considerar o homem como um ser universal, onde conta
mais a alma, a essência, do que a pigmentação da epiderme,
porque o poeta sabe que o amor e a maldade são acrómicos. E,
assim, africanitudamente, o poeta pode cantar a sua mátria, nesse
extraordinário poema que é “Nós, Mãe” e de que respigo esta
expressiva passagem:
Ah! Brancos, negros e mestiços
escaldaram o teu corpo de sensações
com o bafo quente de um vulcão maldito.
E os teus seios secaram
o teu corpo mirrou
e as pernas engrossaram
enraizando-se no teu próprio corpo.
E os teus olhos...
Os teus olhos perderam o brilho
ao sentirem o chicote
rasgar as carnes duras dos teus filhos.
Os teus olhos são poços de água pálida,
porque cheiraste na velha cubata
o odor intenso de uma aguardente qualquer.
Os teus olhos tornaram-se vermelhos
quando brancos, negros e mestiços instigados
pelo álcool
pelo chicote
pelo ódio
se empenharam em lutas fratricidas
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