Centro
de Ensino à Distância 65
Da leitura desta estrofe, surge nítida a consciência do poeta de que
a África negra, no sentido antropológico, ficava já longe e na
memória daqueles, seus filhos, que nasceram marcados, histórica e
afectivamente, pelo tempo em que “Os brancos abriram clareiras/a
tiros de carabina./Mas clareiras fogos/arroxeando a noite tropical.”
O poema “Epopeia” parece-me,
por isso, poder ser considerado
como o texto emblemático da africanidade poética de Francisco
José Tenreiro e da sua postura estética, perante a África, a que
chamo africanitude, isto é, visão dialéctica entre a África
negra
tradicional e aqueloutra pigmentada e alterada, de que a
colonização portuguesa foi uma espécie, não
direi melhor em
termos absolutos, mas seguramente melhor em termos relativos e,
sobretudo, diferente das outras civilizações europeias na sua
dinâmica cultural e civilizacional pela colonização europeia. As
duas estrofes finais desse poema concretizam, quanto a mim, essa
visão:
Segue em frente
irmão!
Que a tua música
seja o ritmo de uma conquista!
E que o teu ritmo
seja a cadência de uma vida nova!
...para que a tua gargalhada
de novo venha estraçalhar os ares
como gritos agudos de azagaia!
Por aqui se vê que o futuro, o dessa
vida nova preconizada pelo
poeta, é feito também do passado de que a azagaia nos dá a
referência, criando-se, assim, um movimento dialéctico em que
todo o regresso aponta para um progresso.
A africanitude é, pois, entendida como uma visão dialéctica do
mundo negro com os outros mundos
culturais que com ele
entraram em contacto, originando um dialogismo discursivo e
textual realizado através da língua de colonização
que o poeta e
escritor africano transforma de língua de opressão em língua de
libertação, por meio duma fala africanizada que traz consigo todos
os sentidos evocados do drama secular do homem negro.
Dialogismo, por vezes, tenso na sua forma de expressão, para ser
capaz de traduzir melhor esse drama, sintetizado para a terra de S.
Tomé e Príncipe na última estrofe do poema de Tenreiro que deu o
título ao seu primeiro livro — Ilha de Nome Santo. Aí se lê:
Onde apesar da pólvora que o branco trouxe num navio escuro
onde apesar da espada e duma bandeira multicolor
dizerem poder dizerem força, dizerem império de branco
é terra de homem cantando vida que os brancos jamais souberam