Centro de Ensino à Distância 53
provocar uma explosão de consciência, porque faz ferver também
o sangue do povo cabo-verdiano diante da fome e dos filhos
voltados para o mar, afinal o chão/ terra/ pátria é do povo.
Podemos dizer que há uma simbiose entre o “chão do povo chão
de pedra” e o corpo do sujeito, já que os campos semânticos
“rosto, coração, boca, sangue, pulmões, ossos” e “fogo, vulcão,
sol, chão, pedra, lenha, mato, plantas” se ligam directamente.
Assim, se o sol repetidamente faz parte de um cenário em que o
vento/ enche/ a boca de espelho (Idem, p. 27) ou Ó cabra de sono
ó poço de abandono/ Ó crepe de terra ó cratera/ De cabelo crespo
(Idem, p. 32), versos do primeiro canto, neste poema, a imagem do
“sol a sol” se potencializa, com o verbo ´ferver´ indicando um
movimento do sujeito, e com o símbolo do vulcão do Fogo,
marcando todo um estado de ebulição.
Na leitura de Ana Mafalda Leite: “a descrição do aparente ser
passivo e resignado do ilhéu, em consonância com o tempo
parado, concêntrico e imutável da nudez das rochas e das ilhas,
revela-nos que aquele iniciou o movimento prospectivo e
germinado no interior de si, e que a sua reacção entra, uma vez
mais, em empatia com a actividade e a sageza mineral das ilhas. O
símbolo do vulcão remete para essa surda movimentação que agita
o interior e o exterior, as ilhas e o ilhéu, em estreita
correspondência.” (LEITE, 1995, p. 124)
A própria disposição gráfica dos versos e o ritmo do poema, com o
uso, por exemplo, de aliterações como “o sol ferve-te o sol no
sangue”, sugerem esse movimento. É fundamental destacar o
depurado trabalho estético desenvolvido pelo poeta. “De boca a
barlavento”, poema que abre o canto primeiro, nos dá pistas sobre
os passos da construção do texto de Corsino Fortes: Poeta! todo o
poema: / geometria de sangue & fonema (2001, p. 17) ou
Há sempre
Pela artéria do meu sangue que g
o
t
e
j
a
De comarca em comarca
A árvore E o arbusto
Que arrastam
As vogais e os ditongos
para dentro das violas
Construídos pedra a pedra, palavra a palavra, os poemas revelam
uma inventividade que, de fato, rompe com modelos anteriores da
literatura cabo-verdiana. Há uma exploração das matérias do
significante (o som, a letra impressa, a linha, o espaço da página),
que apontam para outras possibilidades de leitura do Arquipélago
e do fazer poético. Com influência também da poesia modernista
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