Centro de Ensino à Distância 51
É assim que Corsino Fortes, buscando referências principalmente
na realidade plural e colectiva das ilhas, canta suas origens, os
labirintos da memória e o acontecer da palavra, participando da
construção de um novo percurso para a poesia cabo-verdiana
contemporânea.
O projecto literário de Corsino Fortes consolida-se com a reunião
dos seus três livros de poesia na obra intitulada A cabeça calva de
Deus (2001): os dois primeiros livros, Pão & fonema (1974) e
Árvore & tambor (1986), somam-se ao terceiro, Pedras de sol &
substância, publicado com a obra poética. Cada livro apresenta
uma estrutura particular, e os três compõem uma estrutura
conjunta e dialógica. Em uma das entrevistas concedidas pelo
autor, aquando do lançamento de A cabeça calva de Deus, assim
caracterizou, em linhas gerais, a trilogia:
“Acaba por ser todo o projecto de independência do povo de Cabo
Verde, em que Pão & Fonema representa, de facto, os símbolos
daquilo que é fome, daquilo que é a realidade de Cabo Verde
durante séculos, e, por outro lado, a exigência pela palavra,
liberdade e cultura. Em Árvore & tambor já há a materialização do
“pão”, no sentido dos instrumentos de produção do país e toda a
comunicabilidade do arquipélago com África e o mundo.
Pão & Fonema
Pão & fonema, escrito antes de 1975, ano este da independência
de Cabo Verde, apresenta um cartograma do Arquipélago, com
destaque para a ilha de São Vicente, terra natal do poeta, através
de uma proposição e três cantos. Na apresentação geral da obra, a
imagem circular da geografia físico-social e da dinâmica temporal
de uma grande Ilha, formada pelas dez ilhas e ilhéus, impõe-se
como o assunto do poema fortiano, como podemos perceber nos
versos Ano a ano/ crânio a crânio/ Rostos contornam/ o olho da
ilha” (Idem, p. 13) ou “Ano a ano/ crânio a crânio/ Tambores
rompem/ a promessa da terra (Idem, p. 13).
Assim, o rosto da Ilha de Cabo Verde vai ganhando forma na
confluência das ilhas, pedras moldadas pelo tempo e pelas
palavras daqueles que, desde o início, foram lhe dando voz e
sentidos.
Os símbolos que dão título à obra dramatizam todo um ciclo de
luta pela sobrevivência, de resistência à colonização portuguesa e
de afirmação dos valores do homem da terra. O “pão” é o
resultado de um processo de semeadura da terra e,
consequentemente, da vida: o homem cabo-verdiano, agricultor
teimoso que insistentemente, “ano a ano”, joga a semente, colhe o
milho e produz o seu próprio alimento, pão do corpo e pão do
espírito, pois permite que também possa escolher ficar ao invés de
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