Palabras-clave: Literatura Mexicana; Colonización; Jesuitas; Clavijero; Identidad; Nacionalismo.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1
Anahuac o Imperio Megicano con los reinos de
Acolhuacan y de Michuacan & C. Como existían en el
año de 1521 para servir de ilustración a la Historia
antigua de Mexico.
92
Figura 2
Sepulcro de Clavijero na Rotonda de personas ilustres
128
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO
11
2
OS
JESUÍTAS
NAS
AMÉRICAS:
MESTIÇAGENS,
EXÍLIO
E
ORIGENS
DA
CONSCIÊNCIA
NACIONAL
21
2.1 O
S JESUÍTAS NA
A
MÉRICA E FORA DELA
:
ESTADIA E EXÍLIO
29
2.2
I
DENTIDADES
,
ALTERIDADES
E
O
N
OVO
M
UNDO
:
TRANSCULTURAÇÕES
44
3
A
“P
OLÊMICA DO
N
OVO
M
UNDO
”
E A
H
ISTÓRIA
A
NTIGUA DE
M
ÉXICO
58
3.1
A
“P
OLÊMICA DO
N
OVO
M
UNDO
”
E AS HISTÓRIAS NATURAIS
62
3.2
A
H
ISTORIA
A
NTIGUA DE
M
ÉXICO E AS
D
ISERTACIONES DE
C
LAVIJERO
:
SISTEMATIZAÇÃO DE DADOS
,
NARRATIVAS
,
PRÁTICAS E
COSTUMES DOS POVOS DA
N
OVA
E
SPANHA
.
81
4
C
LAVIJERO
,
A
“
COLONIALIDAD DEL PODER
”
E OS ANÚNCIOS DA
EMANCIPAÇÃO
101
4.1
C
OLONIALIDADE DO PODER E COLONIZAÇÃO DO IMAGINÁRIO
:
SOBRE HIERARQUIAS NA COLONIZAÇÃO
103
4.2
C
LAVIJERO E OS ANÚNCIOS DE EMANCIPAÇÃO
116
5
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
130
REFERÊNCIAS
139
11
1 INTRODUÇÃO
A essência do esclarecimento é a alternativa que torna
inevitável a dominação. Os homens sempre tiveram de
escolher entre submeter-se à natureza ou submeter a
natureza ao eu
1
.
As discussões em torno da modernidade parecem levar sempre em
conta as relações travadas entre a espécie humana e a natureza, suas
implicações filosóficas e pragmáticas e as mudanças históricas engendradas
pelas alterações nesse relacionamento que geralmente mudou a partir de
alguma espécie de conflito entre o espírito e a vontade pelo poder. O século
XVIII é bastante representativo de um avanço quanto ao estudo dos vínculos
entre o ser humano e mundo natural, sobretudo através das investigações
proporcionadas pela filosofia ilustrada num âmbito dito científico.
A problematização da verdade, das tradições, do científico, dos
paradigmas que regiam as sociedades e da obediência cega ao poder reinante
foram pontos centrais da Ilustração. Através da radicalização de uma
racionalidade herdada dos dois séculos anteriores, o pensamento ilustrado dos
setecentos prezava pela ciência e pelo método, pela liberdade e pela moral,
pela ética e pelo planejamento sistemático de tudo o que envolvesse o bem
social e a vida em sociedade.
A Ilustração é, segundo Kant (2004), a saída do homem de sua
menoridade intelectual e moral, da qual ele mesmo é culpado por preguiça ou
covardia. Kant entende a Ilustração como uma emancipação dos homens que
escolheram deixar as trevas da ignorância em favor do exercício da
racionalidade. Esse pressuposto justificaria a dominação de alguns homens
sobre outros, baseada numa pretensa superioridade do intelecto e da ética dos
primeiros em relação aos segundos.
A ideia de “ser mais” e “ter mais o que
1
Adorno e Horkheimer em Dialética do esclarecimento.
12
ensinar” está na base das justificativas de colonização, em seu caráter
paternalista. Dessa forma, também é possível compreender a Ilustração como
um meio de dominação e não de emancipação, como quer Adorno na frase que
usei como epígrafe.
Mesmo uma época que tenta se basear na razão sistemática de tudo e
numa lógica que rege o universo é possível encontrar contradições. O
Iluminismo propunha reformas estruturais na sociedade, inicialmente num
plano filosófico que se estendeu a outras dimensões para as quais foram
fundamentais, como as relações comerciais e políticas
2
. As reformas propostas
nem sempre eram factíveis, pelo menos não em um curto prazo, outras
exploravam claramente uma dimensão utópica de planos que não tinham como
ser postos em prática. Daí um estudioso como Franco Venturi afirmar que a
Ilustração é “uma categoria histórica sujeita a eclipses” (2003, p. 43) na qual
ocorre um “difícil e fecundo equilíbrio entre utopia e reforma” (2003, p. 27).
A descoberta da América, marco histórico apontado por nossa linha
teórica como o fundador da modernidade juntamente com as Grandes
Navegações, foi constantemente revisitada ao longo dos séculos e foi, no
século XVIII, alvo de ideias que dinamizaram os contatos entre Antigo e Novo
continentes. Uma parcela que não pode ser ignorada da literatura acerca do
continente americano no século XVI e XVII estava sobrecarregada de aspectos
místicos, de relatos sobre tesouros e gigantes, bichos nunca antes vistos e
seres indecifráveis pela mente europeia. Muitos dos relatos de viagens, das
narrativas escritas por descendentes de europeus nascidos em território
colonial e os textos de origem pré-hispânica estavam relegados ao espaço da
fantasia, como as histórias sobre os incas e outras civilizações pré-colombinas;
ou descritos de forma unilateral, como a dominação do México por Cortés. O
fato é que nenhum deles havia passado ainda pela análise e reescrita dos
filósofos iluministas e por esse motivo pediam uma revisão.
2
“A liberdade da qual se fala é a liberdade de comércio, a igualdade diz respeito à propriedade
e aos impostos, a justiça consiste no melhor investimento dos capitais e da mão-de-
obra”
(VENTURI, 2003, p. 228)
13
No século XVIII, a mudança no modo de leitura desses textos se
intensifica e dá espaço à produção de outros os quais já demonstravam a
incorporação das ideias ilustradas. É fundamental assinalar que entendemos a
Ilustração como um fenômeno cujo ápice ocorreu nos setecentos e que se
desenvolveu em vários lugares do sistema-mundo em épocas mais ou menos
próximas que se inter-relacionaram e não como um evento originalmente
europeu que ecoou em outros espaços através de cópias menores ou
reproduções tardias e inferiores do projeto ilustrado francês ou inglês. De
acordo com José Carlos Chiaramonte (1977, p. XIV), a literatura setecentista
na América revela diversas formas de conciliação, de entrelaçamento dos
aspectos ilustrados com as formas tradicionais, demonstrando uma penetração
moderada das novas ideias.
Um grupo cuja participação foi decisiva para o florescimento e
divulgação das ideias iluministas na América foi o dos padres jesuítas. A
Companhia de Jesus era a principal responsável pela educação nas províncias
hispânicas no Novo Mundo e exercia influência na economia e na política
locais, uma vez que estava diretamente relacionada ao comércio com a
metrópole e com outros países, à agricultura e à administração de bens da
Coroa espanhola e de proprietários locais. O lugar privilegiado na esfera
educativa e a interligação aos interesses da administração colonial, associados
às características inerentes à ordem inaciana em relação à construção e
divulgação do conhecimento, fizeram dos padres jesuítas vetores das ideias
ilustradas, ainda que através de eventuais omissões de alguns aspectos delas,
sobretudo no que se referia à religião.
O fato de a propagação das ideias iluministas estar associada a uma
ordem religiosa e sob o crivo da Igreja Católica fez com que fosse forjado o
contraditório conceito de
“Ilustração católica” ou “Ilustração cristã” para
denominar a expressão ibérica e colonial desse fenômeno histórico. Apesar de
paradoxal, esse “movimiento intelectual que se abre entusiastamente a la
seducción del
‘espíritu del siglo’ pero, al mismo tiempo, salvaguarda y reafirma
su adhesión a los dogmas de la Iglesia o su fidelidad a la doctrina del origen
divino del poder real” (CHIARAMONTE, 1977, p. XVIII) leva tão a sério a
14
necessidade de coerência que reduz o escolástico e estende o moderno em
suas práticas, confirmando, em várias medidas, seu caráter contraditório.
Existia uma preocupação em mostrar que não necessariamente devia existir
um conflito entre o cristianismo e uma visão científica e moderna do mundo e
da história.
A “redescoberta” da América no século XVIII através do olhar da razão
iluminista fez com que uma série de novos textos viesse à tona para repensar o
que havia sido consolidado sobre esse novo continente, ainda carente de
novas investigações. Os ideais do Iluminismo propunham que os homens
deveriam experimentar a razão adquirindo o conhecimento da verdade e a
experiência da liberdade, requerendo, para isso, visões advindas do próprio
indivíduo. O ser humano deveria ter a habilidade de pensar criticamente e
formar opiniões sem depender exclusivamente de pensamentos e dogmas
anteriores e alheios, adquirindo, dessa forma, a “maturidade intelectual”. Para
pensadores naturalistas, o povo americano ainda não possuía competência
suficiente para alcançar essa maturidade, pressuposto o qual levou vários
deles a dedicarem estudos que justificassem essa inabilidade. A filosofia das
Luzes descarta a imagem de paraíso da América e constrói um discurso
assinalado pela negatividade e inferioridade que emanavam do homem e da
natureza do Novo Mundo.
As hipóteses sobre a causa da apatia do novo continente eram variadas,
porém a que adquiriu mais adeptos parece ter surgido a partir de uma teoria
dos climas de Montesquieu, a qual propõe que, no frio, as fibras corporais
comprimem-se e convertem o homem em disposto trabalhador e bravo
guerreiro (seria o caso dos europeus). Em outras partes do mundo, porém,
devido ao clima úmido e maior proximidade da linha equatorial, os habitantes
seriam tomados por um estado de inércia, indisposição e mesmo fraqueza, que
os tornaria débeis. Naturalistas como Georges-Louis Leclerc, o conde de
Buffon, Cornelius De Pauw, Guillaume Thomas François
Raynal e William
Robertson dão continuidade à teoria montesquiana, variando, de acordo com
as interpretações de cada um, o nível de depreciação destinado aos temas
americanos. Em defesa desses últimos, surgem homens adeptos à outra face
15
dos ideais ilustrados, resistindo às agressões destinadas aos não europeus.
Integram a lista de defensores da América nomes como Alexander von
Humboldt, Michel de Montaigne, Francisco Javier Clavijero
3
e outros que, em
maior ou menor grau, encontraram o que elogiar no Novo Mundo. O diálogo
estabelecido entre esses polos de opiniões antagônicas recebeu o título de
“polêmica” ou “disputa do Novo Mundo”, estudada atentamente por Antonello
Gerbi em O Novo Mundo. História de uma polêmica (1750-1900).
Nosso interesse particular neste trabalho recai sobre uma obra do último
autor supracitado, o jesuíta Francisco Javier Clavijero que, num exílio forçado
na Itália, redigiu a Historia Antigua de México, cuja primeira publicação se deu
em 1780, e as Disertaciones, texto anexo ao quarto tomo da Historia. Nas
muitas páginas que escreveu, traçou um longo estudo através de um método
rigoroso, de uma seleta erudição e de um estilo apropriado aos moldes
ilustrados sobre o quadro da civilização indígena e a conquista hispânica. A
partir do retrato que pinta, ao mesmo tempo que revela para o mundo uma
versão conhecida por poucos dos nativos americanos, nativo que era,
demonstra a competência dos mesmos em reaproveitar, remanufaturar e
traduzir o discurso determinista europeu numa autodefesa dos povos oprimidos
pela colonização.
O discurso cientificista naturalista, baseado no determinismo geográfico,
retratava os povos americanos como inferiores, impondo a ideia incontestável
da superioridade dos europeus. Ao mesmo tempo, no entanto, tal método
discursivo dava margem à possibilidade de contestação desse postulado. A
Historia Antigua de México e as Disertaciones são obras que lançam contra os
colonizadores, fazendo uso do discurso elaborado por eles mesmos, uma
defesa bem fundamentada do território e do povo colonizado. Dessa forma,
representam a voz dos marginalizados, resgatando um passado que, por
direito, merecia ser conhecido e se converte em material contundente de
resposta às teorias dos filósofos naturalistas europeus, constituindo
3
O nome desse autor encontra-se grafado de duas formas na literatura sobre o tema, a saber:
Clavigero ou Clavijero. Optamos por usar o segundo, pois é como está grafado na edição da
obra consultada para a realização deste trabalho.
16
instrumento de peso para delinear as identidades culturais latino-americanas.
Em seu conjunto, a obra do jesuíta ajuda a repensar a ideia de América Latina,
o que a torna alvo pertinente de pesquisas que busquem analisar as funções
da literatura ilustrada colonial hispano-americana e os diálogos que se
estabeleciam com as obras e o pensamento do colonizador.
Na referida obra, a voz dos vencidos atravessa oceanos e ecoa tanto na
Europa quanto na América, apontando para o caminho inverso na “disputa do
Novo Mundo”. Recontando a história dos colonizados, através da narrativa da
história do México pré-cortesiano, Clavijero dá a conhecer e faz repensar um
outro homem americano, com sabedoria e tradições próprias. Nesse sentido, a
Historia Antigua de México é uma etapa fundamental para as letras que
contribuíram para a divulgação de forma sistemática das culturas dos povos
periféricos e para configurar o pensamento de emancipação. Ao mostrar o povo
americano (mais especificamente o mexicano) como possuidor de tradição
própria e “dono” de seu passado, Clavijero contribui para a ruptura com o
pensamento de dependência política, econômica e sobretudo cultural da
América em relação à Europa.
O objetivo central deste estudo é analisar como a obra Historia Antigua
de México traduziu o pensamento etnocêntrico europeu numa forma de defesa
do potencial histórico e intelectual dos povos colonizados, contribuindo para a
transformação que se operou, no campo do discurso, da imagem anteriormente
imposta das culturas daqueles povos. A busca para cumprir essa meta esbarra
na necessidade de falar sobre alguns temas que a complementam e
constituem um caminho teórico e analítico coerente; por esse motivo julgamos
pertinente investigar como os debates relativos à circulação e uso das ideias
ilustradas renovaram as sociedades coloniais e levaram intelectuais a refletir
sobre as identidades culturais dos povos hispano-americanos; examinar como
se estabeleceu e quais as consequências do diálogo entre autores europeus,
como Buffon, De Pauw, Raynal e Robertson, e a obra de Clavijero; observar
como a apropriação responsável das ideias dos filósofos europeus contribuiu
para diluir o estigma de atraso e inferioridade atribuído à América Hispânica e
ajudaram a formular o pensamento de emancipação das colônias.
17
Para que nossas pretensões sejam atingidas e para dar ao trabalho um
tom coerente são necessárias algumas observações que, se não apontadas,
podem gerar mal entendidos. A primeira delas tem a ver com que concepção
de literatura subjaz um estudo como este. Entendemos que estudar as
literaturas coloniais exige não atribuir ao conceito d
e “literário” restrições que
limitam toda literatura à ideia de ficção. Uma vez que o corpus do período é
representado sobretudo por escritos de cunho histórico, político e econômico,
adotamos uma concepção ampla de literatura, buscando observar as
peculiaridades de cada texto. Então, assim como afirma Mignolo em A língua, a
letra, o território (ou a crise dos estudos literários coloniais),
“o centro de
atenção se desloca da literatura (no sentido de ‘belles lettres’) para a literatura
(no sentido de produç
ão discursiva escrita)” (2013, p. 05). Essa postura crítica
nos indica “um duplo deslocamento que nos leva da ideia de literatura imposta
por uma tradição cultural para o conceito de literatura forjado em uma prática
disciplinar.” (2013, p. 05) Compreender o literário dessa forma evita cair nos
monótonos diálogos sobre o estatuto do corpus desta dissertação.
Outra ressalva que merece ser feita tem a ver com o que queremos dizer
ao referir-
nos à palavra “identidade”. Os estudos correntes dão a entender que
é possível pensar identidade como uma tautologia ou como um elemento
redutor de uma complexidade a classificações estanques, como as de raça,
gênero e classe. Quando empregamos o termo identidade queremos associá-
lo, necessariamente, à ideia de pertencimento; sua compreensão deve
considerar relações intrínsecas com a diferença e com alteridades. Também é
fundamental entender esse conceito como uma construção relacional, isto é,
um conceito que só tem forma se posto ao lado de uma entidade fora dele, que
é outra identidade; a identidade só existe em função do Outro. Além disso, é
preciso assinalar que a ideia de identidade (ou de pertencimento) é uma
construção histórica que não existe por si só nem de forma absoluta.
Dito isso, quando afirmamos que a Historia de Clavijero contribui para a
formatação de uma identidade hispanoamericana e é vital para a constituição
da identidade mexicana queremos assinalar que o modo como ele descreveu
os povos nativos de forma relacional com os europeus despertou nos primeiros
18
uma noção de pertencimento não a um não-lugar ou a um espaço inferior,
como até o século XVIII parecia ser destinado aos americanos, mas a um local
cujo passado não está vinculado ao do Antigo Continente. Ao apontar raízes
próprias, a ideia de dívida ou de ancestralidade em relação aos europeus se
rompe não apenas no diálogo cotidiano das pessoas, mas nos circuitos
intelectuais e científicos mais altos da época. Em outras palavras: Clavijero
expõe as relações entre um povo e seu lugar de origem até então
escamoteadas por um discurso elaborado pelo colonizador e evidencia o
espaço a que esse povo pertence, além de não demonstrá-lo como inferior ou
devedor de nada a ninguém.
Tendo em vista a análise proposta, subdividimos esta dissertação em
três capítulos que visam ao cumprimento dos objetivos. No primeiro capítulo é
feita uma retomada da história dos jesuítas para melhor contextualizar as
implicações de suas ações na América Hispânica e os motivos que levaram a
sua expulsão dos domínios ibéricos no final século XVIII. Nesse momento
apontamos as principais características da ordem as quais são determinantes
do modo de proceder dos padres que a integram. Num segundo momento,
dedicamo-nos à interação específica dos jesuítas com os domínios hispânicos,
tratando desde sua chegada até sua expulsão em 1767. Por fim, tratamos da
questão das identidades dos padres nascidos na colônia, mas comprometidos
com ideais metropolitanos e com instituições que pouco ou nada valorizam sua
terra natal, cujo único objetivo associado ao território era como conseguir lucro
imediato. Contribuem para a argumentação proposta, entre outros, os estudos
de Jonathan Wright, Adone Agnolin, Serge Gruzinski e Carlos Fuentes.
Ao segundo capítulo cabe a exposição e reflexão sobre a “polêmica do
Novo Mundo” e a participação de Clavijero no diálogo entre americanistas e
antiamericanistas. Retomamos os textos que dialogam com a Historia e
relacionamos a eles as respostas do padre. Tomamos o cuidado de só
desenvolver as ideias propostas por aqueles que foram referidos na obra alvo
deste trabalho ou com ela estabeleceram relação, do contrário correríamos o
risco da prolixidade. Para melhor fundamentar a posição que argumentamos
ser a de Clavijero na referida polêmica, comentamos em maior detalhe alguns
19
aspectos da obra no subitem final do capítulo. A referência básica do capítulo,
além da obra alvo de nossa análise, é o clássico estudo de Antonello Gerbi
sobre o tema. Cabe salientar que a obra de Clavijero é analisada aqui em seu
caráter relacional com outros textos e com seus leitores (diretos ou indiretos), o
que justifica a eventual ausência de uma análise imanente do texto.
O terceiro capítulo
trata das relações entre a “disputa do Novo Mundo”,
os pressupostos antiamericanistas, a obra de Clavijero e a formatação de uma
consciência de nacionalidade e os movimentos emancipatórios. Participam
também dessa reflexão as ideias de Kant, através do postulado da menoridade
intelectual dos povos que não atingiram o esclarecimento, e a refutação
elaborada por Foucault para a teoria kantiana. Desenvolvemos nessa parte as
relações entre colonização e Iluminismo, bem como as deste último com a
colonialidade do poder. Permeiam nossos argumentos as ideias de Serge
Gruzinski, Aníbal Quijano e Santiago Castro-Gómez. Defendemos a ideia de
que a colonização só foi possível através da imposição de um imaginário de
superioridade cultural que foi incorporado pelos povos colonizados, através, por
exemplo, de um imaginário da brancura. A consolidação desse imaginário
acentuou hierarquias dentro da sociedade colonial e fez com que as elites se
sentissem mais próximas da condição de colonizador/dominador. A
contestação desse imaginário, por sua vez, gerou nos representantes dessa
mesma elite a possibilidade de se desvincular da tutela metropolitana e manter
sua condição no topo da escala social, o que acelerou o processo de
emancipação.
A obra de Clavijero rompeu com vários dos esquemas clássicos da
historiografia oficial da Espanha sobre seus domínios, em particular sobre o
México, na medida que enfrentou preconceitos e equívocos das teorias
detratoras da América. No caráter dual da obra do jesuíta ilustrado reside seu
valor dentro da historiografia mexicana, da qual é considerado fundador, e
universal. Para a primeira representa a concepção criolla do México antigo,
para a segunda representa a tentativa de retratar o nascimento, apogeu e
declínio de uma civilização.
20
Entendemos que a obra de Clavijero cumpriu um papel fundamental em
várias medidas para estimular e consolidar a ideia de uma identidade nacional,
além de constituir leitura básica para os atores da emancipação das colônias
americanas, mesmo para aqueles cujas investidas foram frustradas, como o
precursor
Miranda.
Ao
destituir
a
validade
dos
postulados
dos
antiamericanistas, abrindo um precedente de ruptura com o imaginário da
colonização, o autor mexicano endossa e faz ser ouvida a voz dos vencidos e a
faz ecoar em ambos os continentes. A Historia Antigua de México e as
Disertaciones são o veículo desse som que pede por igualdade e respeito e
tem a ver com liberdade.
21
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