72
pondera os mitos criados em torno dos povos americanos e refuta, por
exemplo, a deformidade física imposta a estes.
Montaigne, leitor de Thévet e de Léry, em dois ensaios famosos
– um,
inclusive, sobre os canibais
– levou à crítica europeia ideias diferentes das que
esta estava habituada a ler. Leitor de crônicas de viagens e conquistas, havia
mantido contato com viajantes, marinheiros, comerciantes e ainda com uns
“selvagens” brasileiros levados a Rouen durante o reinado de Carlos IX. No
ensaio
Sobre los caníbales, diz:
Creo que nada hay en esa nación que sea bárbaro o salvaje, sino que
cada cual suele llamar barbarie a aquello que
no le es común… Son
salvajes así como llamamos salvajes a aquellos frutos que la
naturaleza por sí misma y por su natural progreso ha producido,
cuando en verdad es a aquellos que nosotros mismos
hemos alterado
con nuestras artes y mudado de su orden común a los que con más
propiedad debíamos designar salvajes. En aquellos se hallan vivas y
vigorosas las verdaderas y más provechosas virtudes y piedades
naturales, que en éstos hemos bastardeado, aplicándolas solamente
al placer de nuestro gusto corrompido. (...) Las palabras mismas que
significan mentira, falsía, traición, disimulo, codicia, envidia,
maledicencia y perdón, jamás se oyeron entre ellos.
(MONTAIGNE
apud HENRRÍQUEZ UREÑA, 1954, p. 28-29).
A defesa de Montaigne beneficia não só as tribos pacíficas, mas também
as canibais, tentando inclusive justificar atos de violência que pudessem ser
cometidos pelos nativos. Em seu ensaio, comenta que quando conversou com
os “selvagens” brasileiros em Rouen, entendeu, em parte, a legitimidade dos
rituais. Diz Montaigne relatando o que os nativos haviam declarado:
que habían visto que había hombres entre nosotros
colmados de toda
clase de comodidades, mientras otros, desfallecidos de hambre y
desnudos con pobreza y necesidad, pedían limosna a sus puertas: y
encontraban extraño que esos otros hombres no cogieran a los otros
por la garganta, o pusieran fuego a sus casas.
(MONTAIGNE apud
HENRRÍQUEZ UREÑA, 1954, p. 29-30).
73
De acordo com Frank Lestringant (2006), os ensaios de Montaigne
revelam, além de uma versão utópica e ficcionalizada dos selvagens
americanos, uma necessidade de usar aquilo que ouvira sobre, por exemplo, a
tribo brasileira para repensar e questionar várias práticas convencionadas entre
os europeus, sobretudo políticas.
Nem todos aqueles que se propuseram a defender as Américas e os
americanos, porém, usaram argumentos opostos aos dos seus detratores.
Alguns daqueles que tentaram realizar algum tipo de protecionismo chamavam
a atenção para a debilidade física e a fraqueza espiritual dos povos nativos, o
que justificaria a necessidade de apoiá-los e protegê-los a fim de salvá-los.
Bartolomé de las Casas, por exemplo, é considerado por muitos um dos
responsáveis por “medidas tutelares humilhantes impostas aos nativos por
Compartilhe com seus amigos: