Américains, defende e aprofunda a tese de que os americanos são
degenerados. De Pauw não acredita numa “bondade natural”, ao contrário de
Buffon e de Rousseau, mas no oposto a isso: o homem apenas se aperfeiçoa
em sociedade. Sem ela, é apenas um bruto incapaz de progresso (GERBI,
1996) e na América, como era sabido, nunca antes houvera uma sociedade
organizada.
O homem não é, portanto, nada por si só; deve aquilo que é à
sociedade: o mais metafísico, o maior filósofo, abandonado durante
seis anos na ilha de Fernandez, se tornaria embrutecido, mudo,
imbecil e nada conheceria em toda a natureza. (DE PAUW apud
GERBI, 1996: p. 56).
Os selvagens americanos são, portanto, os inimigos do progresso e da
sociedade. Rejeitam as leis e a ordem, recusaram-se a aceitar quaisquer
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formas de desenvolvimento e cultura evoluída, para eles a educação é um
obstáculo. Em contraposição à Buffon, ele não julga os seres imaturos ou num
estágio inicial de evolução, mas fatalmente degenerados. Antonello Gerbi
(1996) ressalta que esse é um dos principais pontos fracos de De Pauw, pois
ele refuta Buffon e constantemente cai em contradição.
A natureza do hemisfério ocidental não mais é imatura e imperfeita
(como o era para Buffon), é degenerada, sem meios termos.
“De Pauw repete
até a saturação que a natureza é fraca e corrompida na América, fraca porque
corrompida, inferior porque degenerada
” (GERBI, 1996, p.58). Considera como
inverídica e fruto de imaginação criativa toda a obra de Garcilaso de la Vega
sobre os incas, já que estes foram atrasados e incapazes tanto quanto os
demais seres daquele mundo. De Pauw é tido como veemente
antiamericanista, é aquele que leva a teoria ao extremo insuperável da
difamação da América; ele entendia que
“é sem dúvida um grande e terrível
espetáculo ver a metade deste globo a tal ponto desgraçada pela natureza que
tudo é ou degenerado ou monstruoso
” (DE PAUW apud GERBI, 1996, p. 60).
Em poucas palavras, dos homens do novo continente não se podia dizer muito:
Assim, não acreditando em Deus, não tendo alma, não tendo acesso
à linguagem, sendo assustadoramente feio e alimentando-se como
um animal, o selvagem é apreendido nos modos de um bestiário. E
esse discurso sobre a alteridade, que recorre constantemente à
metáfora zoológica, abre o grande leque das ausências: sem moral,
sem religião, sem lei, sem escrita, sem Estado, sem consciência, sem
razão, sem objetivo, sem arte, sem passado, sem futuro.
Cornelius de
Pauw acrescentará até, no século XVIII: "sem barba", "sem
s
obrancelhas", "sem pelos", "sem espírito”, “sem ardor para com sua
fêmea" (LAPLANTINE, 2003, p. 28).
As teses sobre as influências do clima e outros fatores naturais são
consideradas por De Pauw, porém é dada maior relevância ao posicionamento
em favor de grandes catástrofes. Haveria ocorrido nas Américas várias
tragédias naturais nunca observadas no antigo continente, como dilúvios e
“medonhos tremores de terra”, que teriam determinado o temperamento dos
habitantes (animais não políticos) e caracterizado (ou, para ele,
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descaracterizado) a fauna e flora locais. Ele se mostra propenso a crer no
dilúvio que umedeceu todo o continente americano, embora não exclua quase
nenhum outro flagelo. De acordo com as teorias do prussiano, a influência da
natureza sobre as gentes é total e determinante de uma negatividade
irreparável que relegaria aquelas comunidades a um permanente alheamento
histórico.
Deve existir, na organização dos americanos, uma causa qualquer
que embrutece sua sensibilidade e seu espírito. A qualidade do clima,
a grosseria de seus humores, o vício radical do sangue, a
constituição de seu temperamento excessivamente fleumático podem
ter diminuído o tom e o saracoteio dos nervos desses homens
embrutecidos (DE PAUW apud LAPLANTINE, 2003, p. 29).
Os homens seriam uma extensão dos vegetais, pois muitos bichos
apresentam comportamentos mais vivazes que os selvagens encontrados nas
colônias. Por fim, De Pauw postulava que os indígenas americanos viviam em
“um ‘estado de embrutecimento’ geral. Tão degenerados uns quanto os outros,
seria em vão procurar entre eles variedades distintivas daquilo que se
pareceria com uma cultura e com uma história” (LAPLANTINE, 2003, p. 30).
Mais um defensor da inferioridade americana foi o Abade Raynal, com
sua Histoire Des Deux Indes. Raynal adota a posição de Buffon e De Pauw
sobre as zonas tórridas e úmidas como insalubres, atribuindo ao clima as
doenças contagiosas e as baixas taxas de natalidade entre os povos. O clima
americano explicaria também a propensão dos seus habitantes ao alcoolismo e
à concubinagem. A imagem da América em Raynal resulta da projeção de uma
teoria climática que divide o mapa-mundi em zonas tórridas, zonas glaciais e
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