SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
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O inquérito nacional e seus resultados limitados
A dimensão da remoção forçada
É questionável o número de australianos não-aborígines que não sabiam ou
tinham pouca consciência de que por um período de quase setenta anos, os
governos estaduais do país estiveram envolvidos num processo de remoção das
crianças ATSI. Elas foram removidas por várias razões, mas o motivo dominante
era a idéia de que o aborígine tribal de sangue puro representava uma raça em
extinção e que o povo ATSI constituía uma cultura menor, incapaz de sobreviver
ao contato com civilizações mais desenvolvidas.
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Havia também o surgimento
de crianças miscigenadas, nascidas de mães ATSI após relações sexuais – às
vezes fugazes, às vezes exploradoras, ocasionalmente mais permanentes ou até
matrimoniais – com homens europeus e, às vezes, chineses ou das ilhas do
Pacífico. Criaram-se “instituições de meia casta”, governamentais ou
missionárias, nas primeiras décadas do século XX para receber essas crianças.
Sob pressão crescente para enfretar essa história escondida, o governo
australiano optou por um Inquérito Nacional porque era evidente que, após
três anos de uma Comissão Real sobre Mortes de Aborígines em Custódia,
uma comissão desse tipo não era a forma apropriada de investigação. Tal
Comissão era formal demais e não permitia uma participação significativa da
população ATSI. O Inquérito Nacional realizou audiências em todas as capitais
de estado e em vários centros regionais entre dezembro de 1995 e outubro de
1996, e recebeu 777 informes, entre elas, 535 de pessoas e organizações
indígenas, 49 de organizações religiosas e sete de governos.
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É difícil calcular o número de crianças ATSI que foram removidas em toda
a Austrália. Peter Read, co-fundador da Link-Up Aboriginal Corporation, do estado
de Nova Gales do Sul (NGS), estima que cerca de 50 mil foram removidas. Em
NGS, por exemplo, ele estima que o número total de crianças removidas entre
1921 e 1985 está perto dos dez mil.
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Surpreendentemente, ele acredita que existem
perto de cem mil pessoas “que não se identificam como aborígines, mas tem o
direito de fazê-lo porque seus pais ou avós foram removidos”.
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O Departamento de Estatística da Austrália realizou uma pesquisa em 1993 e
entrevistou 15.700 pessoas ATSI. Descobriu-se que 5,7% dos entrevistados relataram
terem sido afastados de sua família natural por uma missão, pelo governo ou pela
“assistência social”. Se aplicarmos esses resultados estatísticos aos dados do censo
populacional de 1991, de uma população total de ATSI de 303 mil, eles indicam
que aproximadamente 17 mil foram removidos de suas famílias até 1994.
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Embora
esse número esteja provavelmente subestimado, em particular quando comparado
com as estimativas de Read, trata-se de uma cifra que poderia ser aceita pelo governo
australiano ao criar uma Comissão de Verdade e Reconciliação e, além disso, financiar
RAMONA VIJEYARASA
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Número 7
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Ano 4
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2007
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um Programa de Reparações. Espera-se que um processo de apuração da verdade e
reconciliação permita que sejam contadas as histórias de mais membros da população
ATSI, atingindo diferentes grupos lingüísticos e pessoas que perderam contato com
sua origem aborígine ou não têm consciência dela. Isso facilitará uma avaliação
mais realista da quantidade de crianças removidas.
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