tenha enganado e, por causa disso, não me viu!» Não seria
de espantar que o seu empregador recusasse pagar-lhe, no
fim do mês, com o argumento de que no mês
passado lhe
pagou o dobro, mas o leitor não o viu devido a uma ilusão
provocada pelo génio maligno. E assim por diante.
De modo que a hipótese do génio maligno pode parecer
ociosa. Não é, certamente, o género de hipótese que
levemos a sério quotidianamente. Contudo, nenhumas
interrogações são levadas a sério em quotidianos estéreis,
se não forem imediatistas: imagine o que seria o leitor
justificar a sua falta ao emprego dizendo que ficou em casa
preocupado com a questão histórica lancinante de saber se
Nefertari foi realmente a esposa preferida de Ramsés II.
Sem dúvida que a preocupação filosófica com a hipótese
do génio maligno é de maior generalidade.
Mas a sua
estranheza não resulta tanto da sua generalidade quanto da
sua atipicidade, quando comparada com as preocupações
dos quotidianos estéreis, pondo-a a par de qualquer
preocupação que não seja imediatista. Quem manifestar
impaciência com a hipótese do génio maligno mas não com
problemas da história ou da química é por considerar que só
vale a pena fazer perguntas a que já sabemos responder.
Mas
esta atitude, como vimos, não é particularmente
recomendável.
A hipótese do génio maligno torna mais nítido um
problema central de uma área da filosofia a que se chama
«teoria do conhecimento» ou «epistemologia» (que
deriva
do termo grego
episteme, que significa «conhecimento»).
Entre outras coisas, nesta disciplina trata-se de investigar
qual é a justificação última das nossas crenças. Mas o que é
isso de «justificação última»? E, já agora, o que é uma
crença?