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Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, nº. 16, dez. 2021
Edgar Ribeiro Dias
racionalidade
18
” (LUHMANN, 2010, p. 49).
Ao associar essas falhas de decisão às
estruturas de construção
do conhecimento
da Inteligência, há vícios que uma boa
doutrina metodológica de Inteligência
pode evitar, associada ao controle de
seu exercício, como comportamento
inteligente. Um desses vícios se apresenta
de forma prévia, ou anterior, consistente
na exageração de tendências de que
determinado evento ou fenômeno
potencialmente daninho possa ocorrer
(“probabilidade razoável de que...”), um
guarda-chuva protetor para qualquer
ocorrência futura. De certo modo, sempre
se “acerta” nesses casos, pois, se não
ocorrer, eventuais medidas decorrentes do
próprio conhecimento em tese ajudaram a
evitar o evento.
Isso se mostra uma falha
doutrinária metodológica que gera pouca
confiabilidade institucional. A segunda
estratégia viciosa, posterior, consiste na
alegação de “risco de cauda”, muito própria
dos economistas, pois, se um evento não
é previsto ou não é evitado, pode-se, no
mais das vezes, alegar que se tratou de
um evento de difícil previsão.
E n f i m , c o m o s i n s t r u m e n t o s
metodológicos adequados associados
ao controle e à responsabilidade — e
responsabilização —, pode-se evitar
esses escapes corrompidos. Nesse
sentido, a Teoria dos Sistemas Sociais de
Luhmann mostra-se
promissora como
orientadora metodológica de produção
de conhecimento, capaz de proporcionar,
especialmente, análises confi áveis, úteis e
oportunas. Enfi m, o pensar em sistemas
complexos, em confi gurações dinâmicas,
18 Tradução livre do autor.
pode ser um guia de qualidade. Ressalte-
se, nesse contexto, a relevância do aspecto
de construção da confi ança institucional.
As organizações estatais que trabalham
Inteligência adotam (ou deveriam
adotar) métodos próprios do sistema
científico, próximos do que seria o
binômio comunicativo verdade/não
verdade, ainda que a verdade seja
provisional, dependente de avanços e
análises que produzam conhecimentos
que tendem a ser superados. Recorde-
se que as organizações de Inteligência
existem para absorver incertezas, reduzir
a complexidade
e se insertam como
frutos de uma sociedade funcionalmente
diferenciada. Se consideramos que têm
como função preponderante absorver
incertezas, o que reduz complexidades,
as organizações/estruturas de Inteligência
são como aviões que voam sob tormentas,
e praticamente todo o tempo, pois quase
nunca há céu azul; daí porque, como parte
do sistema político, da Administração, elas
necessitam de instrumentos que sondem
(observem) os sistemas, seus interiores e
seus exteriores, para que as informações
sejam selecionadas por decisões que
se sustentem na confiança e que,
portanto,
possam ampliar a certeza na
comunicação realizada ao Poder Público.
Por sua vez, o maior grau de certeza
dessa comunicação ampliará igualmente
o alcance de confi ança nas decisões que o
Poder Público poderá tomar. Enfi m, se os
instrumentos para os aviões são técnicas,
simplifi cações, para reduzir incertezas,
a Inteligência necessita igualmente de
instrumentos — de natureza técnica,
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Apontamentos sobre a organização das atividades de Inteligência de uma perspectiva sistêmica
legal, doutrinária, de pessoal e de material
— para absorver incertezas e gerar
conhecimentos oportunos e confi áveis.
Sua função consiste em fornecer esses
produtos ao complexo sistêmico que se
denomina Poder Público e este, por sua
vez, possa decidir no âmbito de suas
diferenciações funcionais, notadamente,
no campo de políticas públicas. Nesse
sentido, apresenta-se aqui uma proposta
teórica com pretensões doutrinárias no
âmbito da produção de conhecimentos
de inteligência.
Ainda que a Inteligência tenha equivalentes
funcionais,
como universidades,
vinculadas ao sistema ciência, esses o
são de forma limitada, específi ca. Ante
as difi culdades naturais de atuar com o
futuro, absolutamente incerto, sujeito a
variações e, ainda mais, com instrumentos
insufi cientes, há de se dotar a Inteligência
de uma capacidade mínima razoável de
produzir conhecimento de qualidade
nesses contextos complexos.
Ortúzar, falando de economia, conforma
um cenário que muito bem pode ser
aplicável à organização de Inteligência.
(...) as sociedades modernas se
caracterizam por um alto nível
de diferenciação e complexidade
(GUTSCHER et al., 2008) e, portanto,
implicam a tomada de decisões
arriscadas. Isto é, decisões que
pressupõem a existência de um perigo
em nosso entorno que devemos
considerar ao momento de tomá-las.
Os riscos, inevitáveis dentro de
quase qualquer decisão, devem ser
trabalhados a partir da criação de
certas seguridades respeito à realidade,
chamadas
expectativas e expectativas
de expectativas. Elas nos asseguram
um marco mínimo de ação confi ável ao
nos permitir orientar nossas condutas e
decisões (ORTÚZAR, 2012, p. 379).
Essas expectativas se relacionam à
confi ança, relacionada ao tempo, e esta, ao
se consolidar no sistema organizacional,
mostra-se como antecipação do futuro
no presente e, dessa forma, reduz
complexidade (LUHMANN, 2005, p. 15-21).
De forma mais clara, se a instituição de
Inteligência logra gerar confi ança interna,
em sua
membresia (o que poderíamos
classifi car, muito simplifi cadamente, como
um adequado clima organizacional) e,
externamente, na sociedade e no Poder
Público, essa situação reduz complexidade
por si, pois a prova de necessidade de
existência estrutural e de qualidade é
antecipada, ou seja, não
se questiona a
validez e a veracidade de seus serviços
de pronto. Isso é ser confi ável. De forma
específi ca à
membresia, a produção de
conhecimento em um ambiente onde
exista confiabilidade torna-se mais
amigável, para o segundo momento da
qualidade, o exercício e o resultado da
própria atividade-fim (conhecimento).
Afi nal, a confi ança mostra-se essencial
para a aceitação do conhecimento em si,
onde a complexidade e a incerteza são
reduzidas no caso concreto, ou seja, na
análise fenomenológica a que se dispõe
observar.
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