Política missionária e secular em escritos jesuíticos sobre a Baixa Califórnia no século XVIII
tureza, “ele era um aficionado de tais observações e, estando dotado de bom
juízo e crítica, pôde observar e depois escrever com bastante exatidão sobre o
terreno, o clima, produções e animais da Califórnia”. O abade Ventura foi ain-
da missionário de Loreto por 11 anos, sendo também procurador daquelas
missões. Por essa razão, estava muito bem informado sobre todos os negócios
daquela península. Os dois teriam corrigido os erros da edição espanhola de
Venegas, adicionando-lhe o ensaio de história natural e as notícias de que ca-
recia, continuando a narração até o ano de 1768
23
. Clavijero reconhece o mé-
rito desses autores, dos quais se valeu para a confecção da sua história verda-
deira e natural da Califórnia. Coerentemente com a crítica comumente feita
àqueles que escrevem sobre regiões nas quais não estiveram, o jesuíta mexi-
cano — que não conhece a Califórnia — pede que seu livro seja revisado por
duas pessoas com prática naquele país, embora esclareça que tentou unir os
conhecimentos obtidos em livros com informes verbais de pessoas que resi-
diriam na Califórnia por um longo tempo.
É importante notar a ambigüidade de Clavijero quando se trata de in-
formar seus leitores sobre as fontes nas quais se apóia. Ele cita integralmente
os livros que combate: as Investigações filosóficas de De Pauw e a História da
América de Robertson, mas não aqueles que lhe dão suporte: Salvatierra, Pic-
colo, Ugarte. O único escrito jesuítico sobre o qual fornece informações bi-
bliográficas é a História da Califórnia do pe. Miguel Venegas. Embora baseie
nele sua resposta à quarta calúnia de De Pauw (vista acima), sua atitude em
relação à obra de Venegas é mais de crítica do que de enaltecimento. Mesmo
nesse caso, Clavijero não especifica a parte ou página do livro de Venegas, co-
mo o faz em relação a De Pauw e Robertson. No decorrer da obra, os relatos
(jesuíticos) mais citados são os padres Kino e Salvatierra, pioneiros na colo-
nização e evangelização da Califórnia, mas também estudiosos de sua geo-
grafia e de seus habitantes. São também importantes os relatos de viajantes,
como o capitão Vizcaino, por exemplo, já amplamente citado por Venegas.
3. A
IMPORTÂNCIA DOS JESUÍTAS NA CONQUISTA E COLONIZAÇÃO
DA
C
ALIFÓRNIA
,
BEM COMO PARA SUA PERMANÊNCIA NAS FRONTEIRAS
DO IMPÉRIO ESPANHOL
,
NOS ESCRITOS DE
M
IGUEL
V
ENEGAS E
C
LAVIJERO
.
Por que estaria Venegas-Burriel valorizando uma região reconhecida-
mente árida, infeliz, ingrata e miserável? A Califórnia, esclarece ele, já deman-
dou, para a sua conquista e redução, extraordinários gastos e diligências da
Coroa espanhola desde os tempos de Hernán Cortés. Tal redução foi final-
mente alcançada pelos padres jesuítas no século XVIII, graças à Providência
Divina. Por que seria então sua conquista tão importante? Venegas-Burriel
270
Beatriz Helena Domingues
Revista Brasileira de História, vol. 23, nº 45
argumenta que, apesar da miséria e pobreza, a situação geográfica da Califór-
nia é preciosa: o que torna sua conquista e conversão à religião cristã priori-
tária em relação a “outros países” da América
24
. Respondendo mais pormeno-
rizadamente à questão, o autor desenvolve duas ordens de argumentos: os
chamados “motivos antigos” e os “motivos modernos”. Dentre os antigos, o
primeiro seria o fato de a Califórnia desempenhar um papel essencial na co-
nexão com as províncias fronteiriças do “continente da Nova Espanha”. A su-
jeição da Califórnia a Deus e ao rei é essencial para que os vecinos possam dar
prosseguimento à pesca de pérolas oferecidas pelo golfo da Califórnia, e para
que se impeça o contrabando por mar, de uma província para outra, desde
Acapulco até o rio Colorado. Pois é sabido que a Califórnia tem dado abrigo
a vários piratas e corsários que por ali passam. E seria de grande temor e ris-
co para o “Império Mexicano” se alguma potência estrangeira conseguisse
fortificar-se e estabelecer-se na Califórnia
25
.
A Califórnia não é, todavia, menos importante para o progresso da fé e
expansão dos domínios do rei espanhol na América Setentrional. Como o au-
tor já havia mostrado na terceira parte, as missões jesuítas não se restringi-
ram às “ricas províncias de Culiacán, Sinaloa, Ostimuri, Yaqui e Sonora, mas
avançaram até a Baixa e a Alta Pimería, penetrando até os grandes rios Gila e
Colorado, avistando as fronteiras dos Moqui, no Novo México”. Faltava ainda
finalizar a redução dos papagos, guaimas, tepocas e seris, habitantes da últi-
ma costa estéril do continente da Nova Espanha, sobre o golfo do México, que
acabam de rebelar-se, matando os seus missionários e unindo-se aos “ferozes
apaches”. A redução desses índios será sempre muito difícil em se tentando
entrar em suas possessões por terra; mas muito fácil se penetrando em suas
costas pela fronteira da Califórnia, como nos mostrou a experiência do pe.
Salvatierra. Em suma, a conquista espiritual e temporal da Califórnia abriria
imensas possibilidades de expansão territorial para o império espanhol
26
. E,
para tal, o autor oferece uma verdadeira estratégia militar:
Quanto poderia progredir e apressar essa conquista espiritual e temporal se, de
uma só vez, se missionários subissem o Golfo da Califórnia pelos dois lados, re-
duzindo as nações intermediárias, até unirem-se uns e outros às margens do Rio
Colorado, continuando desde ali, juntos, até atingir as ditas costas, portos, cabos
e rios sobre o Mar do Sul?
27
A Califórnia serviria também de porta de comunicação entre a Cidade
do México, o Mar do Sul e regiões longínquas ao norte, tão freqüentemente
desprovidas de roupas, utensílios e mantimentos. Sem esses portos e comu-
nicação por mar é impossível manter missões, e muito menos colônias, pue-
Compartilhe com seus amigos: