sas apostólicas que Andrés Burriel reelaborou — inclusive adicionando co-
nhecimentos que só vieram à tona anos após o manuscrito original de Vene-
gas — e publicou em Madri em 1757 com o título Notícia de la California y
de su conquista temporal y espiritual hasta el tiempo presente, assinando com o
seu próprio nome
11
. Como as adições/correções parecem não ter sido poucas,
consideramos útil adotar a nomenclatura sugerida por Peter Masten Dunne
para o(s) autor(s) da edição de 1758: Venegas-Burriel
12
. Devido a revisões e
esforços múltiplos de objetividade, a obra não satifez aos missionários e mo-
tivou a Juan Baegert, Miguel del Barco e Clavijero a escreverem seus próprios
tratados sobre o tema. Ainda assim, a Notícia de la California foi considerada
decisiva para a história californiana. Como historiador, Venegas era cuidado-
so na investigação, crítico em selecionar as fontes e sobretudo preocupado em
descobrir a verdade
13
.
O objetivo do livro é, segundo seu autor(s), uma descrição o mais com-
pleta e clara possível da Califórnia, pois “baseada no método mais acurado”.
Tal descrição poderia contribuir significativamente para a descoberta de uma
passagem ao norte que ligasse a América ao Oriente (onde os jesuítas tinham
seus próprios entrepostos), uma preocupação que começou no século XVI,
mas que não havia sido de todo abandonada no século XVIII. Antes dos je-
suítas, adverte-nos, os estudos mais exatos foram os relatos do general Sebas-
tián Vizcaino, que visitou a região em 1602 por ordem de Felipe II
14
. Dentre
os jesuítas, Venegas-Burriel diz-se admirador, em especial, do pe. Kino.
No texto de 1758, Venegas-Burriel assinala como as questões referentes à
Califórnia foram tão incompletamente examinadas, gerando as gritantes con-
tradições que emergem dos relatos. Venegas-Burriel parece fazer questão de
reconhecer que mesmo seus colegas da Cia. de Jesus, “criados no seio das ciên-
cias e artes curiosas e úteis”, sentem a falta de instrumentos de observação já
disponíveis em outros países
15
. Não limitando-se a lamentar tais carências,
Venegas-Burrriel aponta “alguns documentos mais modernos” sobre latitude
268
Beatriz Helena Domingues
Revista Brasileira de História, vol. 23, nº 45
e longitude que pôde conseguir, esquivando-se de referências aos mais anti-
gos e conhecidos
16
. Os jesuítas em geral, e Venegas-Burriel em especial, esco-
lhem uma posição intermediária, congruente com o ecletismo que vinha ca-
racterizando o trabalho intelectual e missionário dos inacianos desde o século
XVI. No que se refere aos relatos anteriores sobre a Califórnia, admite o au-
tor: “há um pouco de falsidade em cada um dos relatos, mas tomados em ter-
mos gerais há um pouco de verdade neles”
17
. A Califórnia, embora seca e es-
téril no interior, é bem menos incômoda para a vida em suas praias, além de
ser possível encontrar vales com água para beber e regar no próprio interior
da península
18
. Ambas estavam sempre próximas dos rios e riachos, “para que
os índios se acostumassem à vida cristã e política, reduzidos a pueblos”. Mas,
como não julga dispor de informações suficientes para falar com certeza e
exatidão sobre essa questão, utiliza-se do argumento eclético de deixar a de-
cisão por conta do leitor
19
.
No que se refere à “antiga falsa religião dos californianos”. divide-a em
dois tipos: a dos índios que viviam no continente e que eram, “quando os es-
panhóis os encontraram, inteiramente livres de qualquer noção idólatra, ten-
do poucos ou mesmo nenhum ritual, já possuindo até mesmo algumas opi-
niões especulativas bastante singulares”; e a dos residentes nas ilhas,
inversamente, que “eram pessoas profundamente escravas de suas próprias
superstições”
20
. A segunda parte da obra lida com a História da Califórnia des-
de o tempo em que foi descoberta até a chegada dos jesuítas. Na primeira me-
tade do século XVIII, Felipe V (1701-1746) emitiu várias Cédulas garantindo
a presença jesuítica na Califórnia, tida como especialmente necessária após as
revoltas ao sul por volta de 1734. Havia uma coincidência entre os objetivos
da Monarquia e os dos missionários, entre o temporal e o espiritual, no sen-
tido de expandir o sistema de missões até Gila e ao Colorado, e então à Alta
Califórnia. Daí Felipe V ter confirmado a completa autoridade dos missioná-
rios sobre soldados e marinheiros: “sem aquelas ordens [dos missionários],
os soldados talvez não consigam conviver com os índios, atacando-os, punin-
do-os, ou fazendo quaisquer outras coisas”
21
.
Clavijero confirma ter tido notícia não só da publicação das Noticias de
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