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Luiz O.Q. Peduzzi
Departamento de Física
Universidade Federal de Santa Catarina
Florianópolis - SC
2008
A Luiza, minha filha querida.
ii
Agradecimento
À Danieli Galvani, pela revisão ortográfica do texto.
Do átomo grego ao átomo de Bohr
iii
Sumário
Introdução
Introdução, 1
Referências Bibliográficas, 7
1. Do átomo grego ao átomo de Dalton: um percurso através da
história da física e da química
1.1 Introdução, 10
1.2 A substância e a forma na composição de todas as coisas, 11
1.3 O atomismo, 15
1.4 As formas geométricas de Platão, 20
1.5 A retomada do atomismo a partir do século XVII: a natureza não tem horror ao
vazio, 24
1.6 Da alquimia árabe à ascensão e queda do flogístico, 32
1.7 O atomismo de Dalton, 42
1.8 Um papel para a história, 53
1.9 Referências Bibliográficas, 56
2. Sobre o atomismo do século dezenove
2.1 Introdução, 60
2.2 Clausius e Thomson: as bases conceituais da termodinâmica, 65
2.3 O movimento browniano, 74
2.4 O átomo não é real: a rejeição de não observáveis em uma teoria científica, 77
2.5 Reversibilidade e irreversibilidade temporal, 80
2.6 A oposição científica e epistemológica de Boltzmann ao energetismo, 84
2.7 Referências Bibliográficas, 91
3. A espectroscopia, o elétron, os raios X e a radioatividade:
prelúdio a uma nova física
3.1 Introdução, 96
3.2 Espectros: de Newton a Balmer, 100
3.3 Novas nuvens no céu da física clássica, 107
3.4 A descoberta do elétron, 108
Do átomo grego ao átomo de Bohr
iv
3.5 Os raios X, 117
3.6 A radioatividade, 120
3.7 A experiência de Millikan, 126
3.8 Referências Bibliográficas, 130
4. O quantum de radiação
4.1 Introdução, 134
4.2 A radiação de corpo negro, 136
4.3 A lei da radiação de Planck, 146
4.4 Obtenção das leis de Stefan-Boltzmann, Wien e Rayleigh-Jeans a partir da lei da
radiação de Planck, 154
4.5 Dos “fotoelétrons” de Hertz aos estudos de Lenard, 157
4.6 O quantum de luz, 161
4.7 Reações aos quanta de luz, 166
4.7 Referências Bibliográficas, 168
5. O átomo de Bohr
5.1 Introdução, 172
5.2 Os postulados de Bohr, 178
5.3 A quantização das órbitas e das velocidades no átomo de hidrogênio, 181
5.4 A quantização da energia e a primeira corroboração da teoria, 186
5.5 O modelo de Bohr para o hélio ionizado, 188
5.6 O modelo de Bohr para átomos de um elétron, 190
5.7 A teoria de Bohr e os espectros atômicos, 193
5.8 O princípio da correspondência, 194
5.9 À guisa de conclusão, provisória..., 198
5.10 Referências Bibliográficas, 202
Introdução
No prefácio à edição portuguesa do texto de Niels Bohr, “Sobre a constituição de átomos e
moléculas”, editado pela Fundação Calouste Gulbenkian
1
, J. L. Rodrigues Martins
2
faz uma
interessante reflexão sobre o valor didático, cultural e epistemológico da história da ciência a
partir do XII Congresso Internacional de História da Ciência realizado em Paris, no ano de 1968.
Logo ao início, ele ressalta que:
(...) mais uma vez se reacendeu o debate tantas vezes renovado entre os que defendem o extraordinário
interesse pedagógico, o iniludível significado cultural e o relevante alcance epistemológico da História da
Ciência, e os que a relegam para uma posição apagada e secundária, simples fonte de valores emotivos,
ou gratuita curiosidade intelectual para as horas de repouso e disponibilidade de espírito, numa posição
duplamente marginal: marginal em relação à História Geral e marginal em relação à própria Ciência; mais
uma vez, se abriu o debate oportuno entre os que propugnam a prevalência de uma autêntica História da
Ciência em todos os cursos de um Ensino Superior de vocação universitária, integrado numa pedagogia
polivalente, personalista e cultural, de tonalidade fortemente humanista, verdadeira Escola formadora de
Homens, abertos a todas as frentes da Cultura, e os que defendem apenas, ou em primeiro lugar, um
Ensino Superior de vocação tecnocrática, orientado predominantemente para uma visão de realidade mais
polarizada, diferenciadora, linear, acutilante e instrumental, fecunda Fábrica de Técnicos, marcados por
imperativos de eficiência e de produtividade, mas amputados de todas as dimensões humanas que não
apontem diretamente para uma orientação profissional (...).
Continuando a discorrer sobre o significado das opções em jogo, ele diz que novamente se
abriu o debate entre aqueles que admitem que
(...) um autêntico cientista não pode, em verdade, reivindicar para si um perfeito e completo domínio da
Ciência que cultiva se não possuir, ao mesmo tempo, um conhecimento igualmente completo e perfeito
da evolução histórica dessa mesma Ciência, até ao seu estado atual, como há mais de meio século vem
ensinando o grande historiador George Sarton, na sua luta esforçada mas inglória contra a fatalidade
dessa miopia epistemológica de que adoece a maioria dos investigadores e especialistas contemporâneos.
E os que, pelo contrário, asseguram que tais especialistas e investigadores não podem, de certo,
ultrapassar o condicionalismo que lhes é imposto na impiedosa luta da emulação e da competição em que
estão empenhados no campo da atividade científica, e, por isso, para assegurarem a viabilidade da
conquista de direitos de prioridade e de descoberta, são forçados a uma preparação intensiva, orientada
exclusivamente para as exigências imediatas dos problemas propostos, na investigação tecnológica ou na
1
BOHR, 1989, p. 5-26.
2
Professor do Laboratório de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Luanda.
Introdução
2
investigação fundamental, o que não lhes deixa qualquer disponibilidade de tempo livre para, ‘mesmo de
modo passageiro, poderem se afastar das fecundas atividades em que trabalham, para se dedicarem à
consulta de velhas memórias científicas’, como, melancolicamente, reconheceu o eminente biológo
francês Jean Rostand (...).
As justas preocupações do professor Rodrigues Martins trazem à discussão uma matéria de
natureza polêmica, difícil, complexa pelo número e pela amplitude das variáveis que abriga.
Entretanto, são pertinentes e atuais na medida em que questionam pressupostos e suscitam
posicionamentos no âmbito da educação e da pesquisa científica.
O texto “Do átomo grego ao átomo de Bohr” atua na perspectiva de que a história da física
não pode ser desconhecida pelos que estudam e trabalham com essa ciência. Voltado prioritaria-
mente para o aluno universitário, procura explorar o potencial didático, cultural e epistemológico
da física atômica. De fato, desde os seus primórdios, o átomo tem desempenhado um papel essen-
cial na estruturação de inúmeras hipóteses, conceitos e teorias na Física, seja como protagonista
ou como coadjuvante.
O conhecimento grego, e o atomismo em particular, foi objeto de estudo por muitos físi-
cos, alguns deles formuladores da mecânica quântica, que em livros, artigos, conferências,
expressaram publicamente apreço pelas origens e pela história da sua ciência.
Em “A natureza e os gregos”
3
A ciência é uma invenção dos gregos. Talvez aí esteja a maior razão para estudá-la e, co-
nhecendo-a, capacitar-se a admirar as suas conquistas e compreender as suas limitações.
, obra baseada em uma série de conferências proferidas por
Erwing Schrödinger (1887-1961) em 1948, como parte de suas atividades oficiais como professor
de física do University College, em Dublin, o autor diz que, no início das primeiras palestras
sobre a ciência grega, sentia-se na obrigação de explicar que o seu interesse pelos antigos não era
um mero passatempo pessoal. Longe de se constituir em uma perda de tempo, em termos
profissionais, como muitos poderiam inadvertidamente pensar, ao se aprofundar na história de
vários séculos de um pensamento original que tem início no século VI a. C., na cidade jônica de
Mileto, e que logo se espalha por outras cidades-estado grega, Schrödinger objetiva reunir
elementos para uma visão mais crítica da ciência atual.
O iluminismo jônio gera a idéia de que o mundo pode ser entendido. Desde então, estrutu-
ram-se conhecimentos sob a validade irrestrita desse inédito e original pressuposto. A busca de
explicações naturais para os fenômenos naturais, a procura de ordem e regularidade como regra
geral em um mundo que não compartimentaliza conhecimentos, não pode deixar os deuses senão
em seus devidos lugares, ou mesmo negar a sua existência. Nesse novo horizonte de expectativas,
superstições e práticas mágicas ou obscuras não podem competir com a razão e a argumentação
lógica.
3
SCHRÖDINGER, 2003.
Do átomo grego ao átomo de Bohr
3
As complexas relações da razão com a observação, e as limitações dos sentidos, estudadas
pelos gregos, são ainda hoje matéria de vivo interesse, como adverte Schrödinger. “Será que a
nossa imagem inventada do mundo se baseia unicamente nas percepções dos sentidos? Que papel
desempenha a razão na sua formulação? Será que essa imagem se assenta, em última instância e
de forma verdadeira, simplesmente sobre a razão pura?”
4
A idéia de que todas as coisas são constituídas por átomos e espaço vazio dá continuidade
ao postulado básico de que a Natureza é compreensível. O som, a cor, o aroma, a rigidez, o calor
não são atributos dos átomos, mas o resultado das interações dos (órgãos dos) sentidos com a
diversidade das formas, dos movimentos e dos arranjos geométricos dos constituintes fundamen-
tais da matéria.
Os átomos constituem a única realidade imutável; eles se movem no espaço e no tempo, ao
longo de linhas retas; mantêm incólume a sua individualidade, colidem entre si, associam-se,
desassociam-se, associam-se novamente... assim produzem a variedade dos fenômenos.
Mas a construção intelectual não prescinde da percepção sensorial. O famoso diálogo de
Demócrito, que apresenta o intelecto em uma competição com os sentidos, deixa isso claro:
O intelecto afirma: O doce existe por convenção, o amargo existe por convenção, o calor existe por
convenção, o frio existe por convenção; na verdade, não existe nada senão átomos e vazio.
Ao que os sentidos respondem: Pobre intelecto, pensas derrotar-nos ao mesmo tempo que de nós queres
as provas de que necessitas? A tua vitória é a nossa derrota
.
5
Imortalizada na obra “De rerum natura” (“Sobre a natureza das coisas”), do poeta romano
Tito Lucrécio Caro (95-55 a.C), a hipótese atômica é retomada no século XVII. Quando acorda
do seu sono profundo, para não mais adormecer, encontra uma ciência que começa a ser regida
por novas regras.
O experimento controlado coloca o conhecimento científico em um novo patamar de de-
senvolvimento. Em meio a isso, o papel atribuído aos dados acirram disputas epistemológicas en-
tre aqueles que, como Francis Bacon (1561-1626), consideram que eles estão na gênese das teo-
rias, e os que os vêem como corroboradores ou refutadores em potencial de idéias concebidas
previamente pela razão, como René Descartes (1596-1650).
A concepção realista da antiga filosofia atomística coloca o átomo no centro de discussões
polêmicas (a natureza tem ou não horror ao vazio?), na descrição de estados dinâmicos da matéria
(a pressão de um gás, de Daniel Bernolli (1700-1782)), na estruturação de modelos físico-
químicos (o modelo de John Dalton (1766-1844)), na base de explicações sobre as reações quími-
cas.
A imagem objetiva dos fenômenos, calcada na realidade objetiva do átomo, sofre a sua pri-
4
Id, p. 32-33.
5
Id, p.38, 83.
Introdução
4
meira crise com o advento do conceito de campo, de Michael Faraday (1791-1867). Segundo
Werner Heisenberg (1901-1976)
6
:
Uma interação entre campos de forças, sem nenhuma substância como suporte das forças, era menos
facilmente compreensível do que a idéia materialista da realidade, própria da física atômica, e introduzia
um elemento de abstração, não intuitivo, naquela imagem do mundo que, por outro lado, parecia tão clara
e convincente
.
A postulação de um meio material (o éter) dotado de tensões elásticas, como suporte dos
campos de força e veículo de difusão dos distúrbios eletromagnéticos, mostrou-se insatisfatória
tanto pelas suas contradições internas como pela evidência experimental. Contudo, conforme
Heisenberg
7
:
Alguma consolação se encontrava no fato de que, pelo menos, as variações dos campos de forças se
podiam tomar por processos no espaço e no tempo descritíveis objetivamente, isto é, sem qualquer
referência aos processos de observação e que, por conseguinte, correspondiam à imagem ideal,
comumente aceita, de um fluir no espaço e no tempo segundo leis determinadas. Além disso, era lícito
conceber os campos de forças observáveis somente nas suas interações com os átomos, como gerados por
estes, e, de certo modo, não havia necessidade de recorrer aos campos, senão para explicar os
movimentos dos átomos. Desta maneira, a única realidade continuava a ser constituída pelos átomos [e
pelo espaço vazio entre eles].
Uma segunda e mais aguda crise é provocada pelo surgimento do energetismo, uma filoso-
fia que vai contestar a visão mecanicista da natureza e a realidade do átomo. Será mesmo desejá-
vel construir conhecimentos à luz deste (e de outros) não observável, na ciência? Que evidências
experimentais confirmam a existência do átomo? As conquistas da teoria cinética dos gases e o
papel desempenhado pelo átomo na química não são suficientes para arrefecer as críticas ao ato-
mismo. Afinal, a termodinâmica e a síntese maxwelliana não prescidem do átomo?
Em meio ao debate científico e epistemológico entre Ludwig Boltzmann (1844-1906), um
defensor incondicional do atomismo e da visão mecanicista da natureza, e Wilhelm Ostwald
(1853-1932), que advoga a exclusão do átomo da ciência, o século XIX chega ao fim; e com ele a
constatação de que átomo não é o último limite de divisão da matéria, com as descobertas do
elétron, do raios X e da radioatividade.
O fato do átomo ter uma estrutura interna não abala a imagem materialista do mundo. A
realidade objetiva da matéria está nas partículas elementares que constituem o átomo. Muda o
foco, mas a essência da idéia é a mesma. É nesta “simplicidade” que reside a força de persuasão
dessa visão de mundo.
6
HEISENBERG, 1980, p. 12.
7
Id, p. 12.
Do átomo grego ao átomo de Bohr
5
O elétron, os raios X e a radioatividade, e toda a gama de novos problemas teóricos e
experimentais que suscitam, mostram o equívoco daqueles que, desconhecendo a lição da
história, em outros episódios semelhantes, consideravam a física ‘quase’ completa. Havia, de
fato, muito mais (e ainda não suspeitadas) coisas por fazer do que buscar explicações mais
satisfatórias, no quadro da física clássica, para alguns fenômenos como a radiação do corpo negro
e a emissão de partículas carregadas (elétrons) por metais expostos a radiação de certas
freqüências.
Como bem ressalta Louis de Broglie (1892-1987):
Para o sábio, o julgar a ciência acabada é uma ilusão tão completa como para o historiador é pensar que a
história terminou. Quanto mais progridem os nossos conhecimentos, tanto mais a natureza se mostra
detentora de uma riqueza quase infinita nas suas diversas manifestações. Mesmo no domínio de uma
ciência já tão desenvolvida como a Física, não temos razão alguma para pensar que estão exaustos os
tesouros da natureza ou que estamos quase a terminar o seu inventário
.
8
Um novo e revolucionário conceito introduzido na física por Max Planck (1858-1947), em
1900 – o quantum elementar de ação – vai definitivamente mostrar que no domínio atômico a
física deve lidar com um mundo regido por leis e regras muitas vezes estranhas à física clássica,
que não admitem analogias puras e simples com fenômenos já conhecidos.
O modelo atômico de Bohr evoca a imagem do átomo como um sistema solar em
miniatura, mas Bohr sabe das limitações desse tipo de representação. “A intervenção do quantum
de ação impede o infinitamente pequeno de ser uma redução homotética do infinitamente
grande” .
9
A estabilidade intrínseca das configurações eletrônicas não pode ser explicada pela física
clássica. Da mesma forma, a emissão de radiação prevista pela teoria clássica não é compatível
com os espectros de emissão dos elementos químicos. Assim, à luz do quantum de ação, Bohr
impõe condições específicas ao átomo de Rutherford e desenvolve o seu paradoxal e bem
sucedido modelo. O princípio da correspondência assegura que, quando a constante de Planck
não tem um papel significativo no âmbito dos fenômenos, as predições da física quântica
correspondem às da física clássica.
A intuição e a inspiração, nem sempre fáceis de justificar, manisfestam-se agudamente nas
proposições de Bohr. Elas são ingredientes essenciais, peças integrantes, condições necessárias
(mas não suficientes) à estruturação de uma nova física. O processo de construção e desenvolvi-
mento da ciência não abdica das singularidades, mas é coletivo por natureza e demanda tempo à
sua elaboração.
8
DE BROGLIE, 1958, p. 30.
9
Id, p. 18.
Introdução
6
A falta de uma linguagem própria para tratar os problemas ao nível atômico é apontada
com bastante clareza por Bohr, em uma conversa com Heisenberg
10
:
Pretendemos dizer algo sobre a estrutura do átomo, mas falta-nos uma linguagem em que possamos nos
fazer entender. Estamos na mesma situação de um marinheiro abandonado numa ilha remota, onde as
condições diferem radicalmente de tudo o que ele jamais conheceu e onde, para piorar as coisas, os
nativos falam uma língua desconhecida. Ele tem que se fazer entender, mas não dispõe de meios para
isso. Nesse tipo de situação, uma teoria não pode ‘esclarecer’ nada, no sentido científico estrito habitual
da palavra. Tudo o que ela tem a esperança de fazer é revelar ligações. Quanto ao mais, ficamos tateando
da melhor maneira possível... Fazer mais do que isso está muito além dos recursos atuais.
O papel desempenhado pelo quantum de ação nos fenômenos atômicos não abala a convic-
ção de Planck de que há uma realidade objetiva independente do observador. Com a evolução do
conhecimento científico, aperfeiçoam-se as representações dessa realidade. Os objetos gerados
por uma nova representação possuem (em regra) um nível de realidade mais elaborado que a sua
precedente, daí não se exigir que eles possam ser compreensíveis a partir dos elementos de visões
de mundo mais ingênuas.
Hábitos psicológicos fortemente arraigados às experiências clássicas usuais tiram do
pensamento a flexibilidade necessária à compreensão de novos conceitos. Desse modo, como
argumenta Gaston Bachelard (1884-1962) em “O novo espírito científico”
11
Os fótons de Einstein não têm análogo na mecânica clássica. Com massa de repouso nula e
movimentando-se com a velocidade da luz, eles diferem dos corpúsculos newtonianos de luz ou
de qualquer outro corpo material. Da mesma forma, não há análogo clássico para o elétron.
Nesses termos, um átomo não se assemelha a um modelo em miniatura do sistema solar, pois um
elétron não é um corpúsculo esférico ou quase-esférico, também não é uma nuvem em volta do
núcleo, não é, enfim, nenhuma coisa que possa ser identificada com algo conhecido
, faz-se com
freqüência necessário desaprender certas coisas de modo a poder vê-las de uma outra forma,
como partes de uma construção erigida em bases conceituais distintas da anterior.
12
De fato, é irreversível a crescente diminuição do caráter intuitivo dos objetos e dos
fenômenos de uma ciência dinâmica, em constante mutação. Segundo Planck
.
13
:
Em comparação com a imagem do mundo primordial e ingênua, a atual cosmovisão científica oferece um
aspecto estranho e realmente insólito. As impressões sensoriais imediatas, nas quais o trabalho científico
tem sua origem, desapareceram por completo. Ver, ouvir e tocar não desempenham nela nenhum papel.
Uma olhada ao interior de um laboratório de pesquisa revela que essas funções têm sido substituídas por
uma coleção de aparelhos extremamente complexos, intrincados e difíceis de manejar, inventados e
10
HEISENBERG, 1996, p. 54.
11
BACHELARD, 1986, p. 65.
12
FEYNMAN, 1989, p. 164-165.
13
PLANCK, 2000, p. 94.
Do átomo grego ao átomo de Bohr
7
construídos para a resolução de problemas que só podem ser colocados com a ajuda de conceitos
abstratos e símbolos matemáticos e geométricos e que com freqüência resultam absolutamente
incompreensíveis para os não iniciados.
Há vinte e cinco séculos, Heráclito de Éfeso (576-480 a.C) disse que “só se pode entender
a essência das coisas quando se conhecem sua origem e seu desenvolvimento”. Com igual clareza
e perspicácia, ele também afirmou que a natureza ama esconder-se, veiculando a idéia de que
existe uma realidade oculta por trás da aparência imediata do fenômeno sensível.
“A natureza ama esconder-se” é título de um livro escrito por Shimon Malin
14
, no qual o
autor
15
É, enfim, em uma física que perscruta o (sempre) enigmático universo do infinitamente pe-
queno que se vai buscar respostas a preocupações antigas de um espírito que não envelhece pelas
sempre novas e perturbadoras questões que propõe.
explora os insights proporcionados pela teoria quântica sobre a natureza da realidade. O
que é essa realidade oculta? Qual a sua relação com o mundo sensorial? É possível reunir o
oculto e o manifesto em uma formulação inteligível? A essas questões, formuladas na introdução
do texto, somam-se muitas outras: Que papel tem o observador nesse novo e desconcertante
mundo? É ainda possível falar em representações ‘palpáveis’ da realidade objetiva? Os objetos
atômicos têm ou não realidade física independente dos seres humanos e de suas observações?
Pode-se estender ao nível atômico a objetividade e o determinismo da física clássica?
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