Projeto Axé: dez anos de história
Cesare de Florio La Rocca(*)
Dos meus trinta e dois anos no Brasil o período mais efervescente, mais repleto de expectativa,
de esperança, de vontade de mudança e transformação, foi o incluído entre 1985 e 1990. A
redemocratização do País, a mudança do panorama legal brasileiro, o altíssimo nível de
participação popular haviam criado um clima de euforia cívica que favorecia as manifestações da
criatividade e da imaginação. Eu também havia pronunciado o meu "eu tenho um sonho" e
preparava minha saída das Nações Unidas. Sonhava com um projeto de educação para os filhos
e as filhas das camadas populares que pudesse ser realizada sob o signo da "melhor educação
para os mais pobres", que tivesse uma boa fundamentação teórica capaz de dar aos educadores
segurança e confiança. Comecei a conversar do meu projeto com o Mestre Paulo Freire que me
honrava com sua amizade e sua impaciente paciência.
Em meados de 1989 a primeira redação do projeto estava pronta. As referências teóricas eram de
um lado Paulo Freire, para os aspectos da filosofia e da política da educação e do outro, Jean
Piaget para a compreensão da construção do conhecimento no ser em formação. Quem me
ajudaria a realizar o sonho? Ao sair do Unicef, recebi vários convites, mas somente um apontava
na direção do sonho. Terra Nuova, organização não governamental italiana, de cooperação
internacional, estava me convidando para coordenar algo na área de "meninos de rua" na cidade
do Salvador, na Bahia, onde estava abrindo seu escritório de representação no Brasil.
Os princípios inegociáveis do meu projeto eram a profissionalidade dos educadores e o sistema
de formação permanente e contínua. Minha postura não era de desprezo do voluntariado que
sempre considerei um dos grandes valores de uma nação. Era pelo contrário, de profunda
convicção de que para se realizar a suma ousadia de educar, solidariedade, generosidade,
disponibilidade não são suficientes. É preciso que haja competência profissional, sempre
construída através do acesso a instâncias formativas permanentes e contínuas. Ou seja eu me
recusava a executar um projeto educativo pobre para pobres, sob o signo muito comum de que
"para quem nada tem, qualquer coisa serve". E Terra Nuova aceitou o desafio, juntamente com o
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua que deu ao projeto "ainda sem nome" o apoio
político e institucional.
Com a minha mudança de Brasília para Salvador a fase da estéril solidão do sonhador solitário se
encerrou, dando lugar a um fervilhante e fértil processo de identificação e de contaminação de
pessoas que há tempo carregavam no coração e na cabeça um sonho político-pedagógico. O
sonho que havia nascido " com um" já começava a tornar-se "comum".
A partir desse momento da caminhada do projeto "ainda sem nome", o pronome singular muda
necessariamente para o plural: o nós substitui definitivamente o eu e a construção da proposta e
da práxis pedagógicas desse projeto é uma ação coletiva de enriquecimento e de diversificação
da proposta inicial. O último ato individual meu foi o de nominar o projeto.
Os dirigentes de Terra Nuova e eu estávamos encerrando uma pesada jornada de trabalho na
sede provisória do projeto que era em minha casa, na praia de São Tomé. Um deles perguntou:
"ao final, qual é o nome desse projeto?" Entre nós baixou um silêncio total. Olhei para fora da