A N ATUREZA E AS PE RS PE CT I VA S
N ÃO OCID ENTAIS
Para além de questionar a dicotomia natureza/cultura no interior da sociedade
ocidental, a Antropologia propôs maneiras de apresentar formas de ordenamento
do mundo não dicotômicas elaboradas por sociedades não ocidentais. Um exem-
plo é o conceito de perspectivismo ameríndio, desenvolvido pelos antropólogos
e etnólogos brasileiros Eduardo Viveiros de Castro (1951-) e Tânia Stolze Lima.
Essa forma de pensamento está presente, de diferentes maneiras, em socie-
dades indígenas de todo o continente americano. Ela parte do pressuposto de
que os diferentes seres vivem a cultura da mesma maneira que os humanos.
Ou seja, o que seria universal a todos os seres é a cultura, é o ser gente: comer
peixe, seguir as regras de casamento, etc. O que mudaria de observador para
observador é justamente aquilo que os ocidentais consideram universal: a natu-
reza. As coisas mudam segundo a perspectiva de quem as vê. Viveiros de Castro
relata que, segundo essas cosmologias:
Para o urubu, os vermes no corpo em decomposição são peixe assado.
Para nós, são vermes. Não há uma terceira posição, superior e fundadora
das outras duas. Ao passarmos de um observador a outro, para que a
cultura permaneça a mesma, toda a natureza em volta precisa mudar.
Onde a onça bebe
água
VIVEIROS DE
CASTRO, Eduardo;
STIGGER, Verônica;
VILELA, Fernando.
São Paulo: Cosac
Naify, 2012.
O garoto Joaci vai ao
rio beber água, mas
acaba deparando com
uma onça tirando um
cochilo na rede. O
encontro faz o menino
pensar em como a
onça vê o mundo. Essa
divertida história ajuda
a entender o que é o
perspectivismo.
FIC
A
A
DIC
A
VIVEIROS DE CASTRO,
Eduardo apud CARIELLO,
Rafael. O antropólogo
contra o Estado. Piauí, Rio
de Janeiro, n. 88, jan. 2014.
Disponível em: https://piaui.
folha.uol.com.br/materia/o-
antropologo-contra-o-
estado/. Acesso em:
15 ago. 2020.
Essa visão, diferente da ocidental-moderna, tem consequências práticas e
conceituais que interferem na maneira de compreender e experimentar o mun-
do. A essência dos seres humanos e não humanos nas visões ameríndias é mui-
to mais maleável que para os ocidentais. Enquanto os ocidentais enxergam os
humanos quase separados da natureza, como “ex-animais”, os índios enxergam
os animais (e também os espíritos) como “ex-humanos”, ou seja, a humanidade
seria o plano de fundo comum de todos os seres.
Esses exemplos nos revelam que a distinção e as definições de natureza e
cultura não são unívocas nem universais. Essa questão, presente em quase toda
a história da filosofia ocidental, foi pensada de maneiras diversas em diferentes
tempos e lugares e segue em transformação conforme outras vozes passam a
ser ouvidas no debate público.
Denilson Baniw
a/Acerv
o do ar
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