O SABER CIENTÍFICO E O CONCEITO
DE NATUREZA
A Revolução Científica mudou a maneira com que os pensadores ocidentais
lidavam com o conhecimento e concebiam o mundo. A disseminação dos expe-
rimentos empíricos como método para a construção do conhecimento levou a
uma especialização maior dos saberes. As ciências começaram a se separar da
filosofia e a se distinguir umas das outras. A descrição e a explicação racional da
natureza passaram a ser a meta de todas as ciências. Buscava-se a objetividade,
isto é, a observação de leis de funcionamento do mundo natural que fossem ri-
gorosas, comprováveis e sem contradição.
A essa especificidade da história ocidental, o sociólogo Max Weber (1864-1920) deu
o nome “desencantamento do mundo”. Nas palavras do sociólogo brasileiro Antônio
Flávio Pierucci (1945-2012), diante do mundo, o homem ocidental buscou “desdivi-
nizá-lo para dominá-lo. Naturalizá-lo para poder melhor objetivá-lo, mais que isto,
objetificá-lo. Quebrar-lhe o encanto era indispensável para poder transformá-lo”.
O resultado da expansão do conhecimento cientí-
fico foi o desenvolvimento técnico e tecnológico em
ritmo inédito, o que parecia comprovar a possibilida-
de do domínio do homem sobre os demais seres. O
triunfo do antropocentrismo, ao fim do século XIX,
andou de mãos dadas com a expansão do capita-
lismo, e a exploração dos recursos naturais des-
considerou que eles poderiam não ser inesgotáveis.
Na mesma época, as Ciências Humanas nasceram
como uma tentativa de encontrar, para o mundo da
sociedade ou da cultura, regras de funcionamento
como as das Ciências da Natureza. Para isso, par-
tiam dos pressupostos da cultura ocidental.
Duas importantes problematizações emergiram
a partir do fim da década de 1960. Uma delas foi
a questão ambiental, que contestou a exploração
do meio físico pelos seres humanos. O movimento
ambientalista considera a natureza, incluindo a humanidade, um conjunto orgânico.
Portanto, seria ilusório acreditar que a exploração e a tentativa de controle sobre os
meios naturais não teriam consequências negativas também para a humanidade.
No campo das Ciências Humanas, com base no estudo de culturas não oci-
dentais, historiadores e antropólogos passaram a questionar o próprio conceito
de natureza, apontando-o como algo socialmente construído, que varia na histó-
ria e conforme a cultura. Logo, a visão ocidental de uma natureza exterior ao ser
humano e desencantada não era universal.
O desenvolvimento da antropologia da ciência levou a novos questionamentos a
respeito da separação entre mundo social e mundo natural. Segundo Bruno Latour,
quando usam a ciência e a técnica, os ocidentais não descobrem as leis naturais
ou mesmo os objetos de pesquisa, mas os constroem. O conhecimento baseado
no método empírico costuma ser considerado uma maneira imediata e neutra de
acesso ao conhecimento universal do mundo natural, como se a natureza “falasse”,
e o cientista repetisse as verdades que ouviu. O problema é que o cientista recorre a
uma série de mediações (aparelhos, métodos, objetos, laboratórios, etc.) para chegar
aos resultados – portanto, é ele quem fala em lugar da natureza. Na ciência, natural
e social, não humano e humano, objeto e sujeito estão sempre juntos.
PIERUCCI, Antônio Flávio. O
desencantamento do mundo:
todos os passos do conceito
em Max Weber. São Paulo:
Editora 34, 2003. p. 206-207.
No cartum, um inglês e
um italiano disputam um
homem sudanês, c. 1890,
em uma analogia da
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