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O capítulo trata da relação entre cultura e natureza
por meio de diversas abordagens históricas
e espaciais,
incluindo perspectivas não ocidentais. A abertura do
capítulo traz a fala do pensador Ailton Krenak, do gru-
po indígena Krenak, sobre a visão romantizada que os
ocidentais têm sobre a relação dos indígenas com a na-
tureza, classificando-a como sempre bonita ou poética.
As variadas nações indígenas não vivem todas em uma
união perfeita com a natureza. Porém, em sua crítica,
Krenak coloca que tratar a Terra como “nossa mãe” sig-
nifica que as intervenções humanas destrutivas contra
a natureza desorganizariam o mundo indígena de modo
bastante concreto. E que as populações ameríndias tam-
bém transformam o ambiente em que vivem, não po-
dendo, dessa forma, ser reduzidas
a sujeitos passivos
diante de uma natureza intocada. O que ocorre é uma
diferença de concepção que se reflete no grau dessa in-
tervenção nos elementos da natureza. Veja o exemplo
do uso do mel entre as populações indígenas no Brasil
Colonial descrita pelo historiador Sérgio Buarque
de Holanda.
Acompanhando com os olhos atentos a pequenina abe-
lha silvestre, tão pequena às vezes como um pequeno mos-
quito, o índio encontra muitas vezes os favos cobiçados,
depois de buscá-los pelos atalhos da floresta. [...] Cera e
mel foram sempre na América portuguesa, como na espa-
nhola, produtos típicos de povoações nascentes ou
situa-
das nas fronteiras de um mundo agreste, pois os índios
não se cansavam de assolar e desbaratar as colmeias onde
as encontrassem. Muitos, como os mongoiós [um grupo
indígena brasileiro, subgrupo dos camacãs, que, no século
XX, se fundiu com os antigos pataxós hã hã hães] da capi-
tania de Ilhéus, só sabiam crestar [queimar(-se) de leve,
superficialmente; tostar(-se)] o mel arruinando as abelhei-
ras. Estes apanhavam desordenadamente a cera, o samo-
rá [saburá: resíduo amarelo e amargo, proveniente do pó-
len das abelhas; borá] e ainda as abelhas que estivessem
em casa com suas crias. [...] Se a atitude dos índios com
relação às colmeias é frequentemente
dissipadora e con-
tribui para despovoar de abelhas as florestas, cumpre lem-
brar que essa regra não se aplica a todos os casos. Dos
cainguás, por exemplo, sabe-se que não só costumavam
ter a cautela de deixar sempre um pouco de mel e parte
das crias nas abelheiras, como até, terminada a colheita,
de fechar com pedaços de madeira a abertura feita. Dessa
forma poderão as abelhas prosseguir em sua faina [traba-
lho de que participa a tripulação de um navio; figurado
qualquer trabalho árduo que se estende por muito tempo].
É pouco provável que tal precaução
fosse aprendida dos
brancos. Em um caso pelo menos ela se prenderia antes a
certas representações mitológicas ou religiosas, como en-
tre os guaranis da margem ocidental do Paraná, parentes
próximos dos cainguás, que usam crestar o mel sem fazer
dano às colmeias para não ofenderem com isso a memória
sagrada de seu antepassado Derekey, que as abelhas
mandaçaias [abelha social brasileira da subfamília dos
meliponíneos] alimentaram durante a infância.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. A cera e o mel.
Caminhos e fronteiras.
São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 43-46.
A partir desse exemplo, pode-se concluir não só que
as populações ameríndias não são
passivas diante da na-
tureza, como também que há diversas relações até mes-
mo de atitudes danosas, apesar de os indígenas usufruí-
rem da natureza de forma direta.
O capítulo também aborda a história ocidental da
filosofia e da ciência, com atenção especial à definição
(e ao uso) da natureza como sendo necessária a um ideal
histórico de progresso, justificando-se, assim, grandes
devastações do meio ambiente nos últimos séculos. O
capítulo trata de outras ideias e definições de nature-
za com discursos e explicações não somente científi-
cos, como cosmologias míticas e religiosas. Assim, os
estudantes podem refletir sobre o pensamento dos
filósofos pré-socráticos e sua proximidade com o mito
grego. Esse é o ponto de partida para compreender
que a filosofia e a religião nem sempre estão
em cam-
pos opostos, existindo diversos filósofos que eram tam-
bém religiosos. A junção entre filosofia e religião ocor-
re também com a expansão do cristianismo no
mundo romano, período de supremacia da concepção
criacionista do mundo e da natureza. O criacionismo
foi contestado somente no Renascimento e na Revo-
lução Científica da Idade Moderna, num processo que
começou no século XIII, com as traduções árabes dos
textos da Antiguidade, no contato realizado nas
Cruzadas e na Reconquista Ibérica.
A oposição entre Natureza e Sociedade se acentuou
na Idade Moderna, com a Revolução Científica. A Natu-
reza passou a ser vista como
objeto de estudo e a sepa-
ração entre o ser humano e ambiente ainda mais. Ao
reler a história da ciência e da filosofia sob essa chave, o
capítulo recorre aos conhecimentos historicamente cons-
truídos a respeito de processos naturais e sociais para
explicar a postura destrutiva das sociedades ocidentais
diante da natureza. Ter consciência dessa postura e mu-
dá-la é fundamental para a construção de uma socieda-
de mais inclusiva.
As atividades que lançam mão de pesquisa, debate
e apresentação oral, como as do Analisar e refletir sobre
o heliocentrismo e as da seção Questões em foco sobre
a relação entre ciência e religiosidade,
permitem o de-
senvolvimento das competências gerais 5 e 7 na medida
em que solicitam a pesquisa em fontes de informações
confiáveis, a argumentação com base nessas informa-
ções e o registro e divulgação por meio de tecnologias
de informação e comunicação.
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