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O Teatro União e Olho Vivo, montagem dos
anos 70.
Um dos grupos independentes de São Pau-
lo era o Teatro União e Olho Vivo (Tuov),
que cobrava pelo ingresso o valor de uma
passagem de ônibus e, após a apresenta-
ção, propunha um debate acompanhado de
lanche. O grupo
segue trabalhando com te-
mas e motivos inteiramente comuns: o fu-
tebol, a religiosidade, as festas populares,
usando o circo e a música e fazendo alusão
ao cinema.
O teatro dos anos de chumbo
Durante a vigência do Ato Institucional n
o
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centenas de textos foram censurados na íntegra.
Mesmo obras teatrais que fossem aprovadas com
cortes deviam ser apresentadas a um censor num
ensaio geral, que podia impor mudanças ou can-
celar o espetáculo à véspera da estreia.
No final dos anos 1960, uma grande rede de
televisão passou a transmitir, em rede nacional,
dramaturgia na forma de novelas.
Seus atores,
alçados ao estrelato, realizavam um teatro de
alto custo de produção, montando textos inter-
nacionais para um público de elite, filho do “mi-
lagre econômico brasileiro”.
Fora desse modelo, atores, produtores e técni-
cos associavam-se em cooperativas, sistema em
que todos eram responsáveis pela criação e pro-
dução, dividindo tanto os lucros quanto os pre-
juízos. Foi um período marcado por criações co-
letivas, método no qual as peças não partiam de
textos prévios nem da autoridade de um diretor.
Na criação coletiva todos participavam de todos
os aspectos de criação da obra.
O parco dinheiro
de que dispunham acabava por gerar uma esté-
tica de invenção, em que a expressão corporal
constituía parte importante do espetáculo. Cria-
vam-se no dia a dia dos ensaios as falas e cenas
que, depois de organizadas, davam corpo à peça.
Um bom exemplo desse tipo de organização
foi a cooperativa de teatro Asdrúbal Trouxe o
Trombone, criada em 1974 por jovens cariocas
da zona sul, como Hamilton Vaz Pereira (1951-),
Regina Casé (1954-) e Luiz Fernando Guimarães
(1949-), entre outros. Começaram montando
O
inspetor geral,
do russo Nikolai Gógol, e
Ubu,
do francês Alfred Jarry (Capítulo 19); mas os
textos eram um pretexto para a construção de
uma linguagem teatral própria: em meio às en-
cenações, emergiam citações a comerciais da
época; a trilha mesclava música clássica e Bea-
tles; sobravam gírias
cariocas nas falas de per-
sonagens russos.
O grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone em 1978, no espetáculo
Trate-me Leão.
Em
Trate-me Leão, primeiro texto do grupo, o que se via em cena eram
questões cotidianas do jovem de classe média carioca: as pressões da fa-
mília e do trabalho, a cidade tumultuada, o alívio da praia. Apesar do cará-
ter local do assunto, a montagem foi bem recebida quando o grupo viajou
pelo Brasil. A peça dava voz a uma juventude que tinha pouco espaço para
se expressar durante a ditadura.
Vânia Toledo/Acervo da fotógrafa
Acervo Idart/Centro Cultural São Paulo
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6/17/13 11:33 AM
| CApitulo 24 | Arte e ConCeito |
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Outros grupos em São Paulo preocuparam-se
com a pesquisa de linguagem. O grupo Mambembe
pesquisou a linguagem circense,
o Pod Minoga se
interessou pela sátira, o Vento Forte se nutriu das
festas populares e o grupo Ornitorrinco explorou
as vanguardas da Europa e dos Estados Unidos.
Outra corrente do período foi a do teatro de
resistência política, cujos integrantes se auto-
denominaram Independentes. Esses artistas
buscavam a construção de uma estética popu-
lar, enfatizando temas acessíveis às massas das
periferias, com o intuito de inserir a discussão
política no assunto do dia. Seu público estava
longe dos centros, fora do circuito dos teatros
e da crítica especializada. Apresentavam-se em
praças, igrejas, quadras e escolas.
Movimento Armorial
Na década de 1970,
o Movimento Armorial,
organizado por Ariano Suassuna (1927-), em Per-
nambuco, foi pioneiro na valorização da cultura
regional brasileira. Antes de ser escritor, Suassu-
na é sertanejo. Descende da cultura dos vaquei-
ros do vale do rio Pajeú – uma civilização rural
detentora de uma cultura letrada que se desen-
volveu a partir de meados do século XIX, voltada
especialmente à poesia e à criação musical. Suas-
suna saiu da fazenda em Acauã para viver em Re-
cife. O escritor vivenciou a imigração do sertão
para a cidade,
mas o universo sertanejo, de que
se distanciou pouco a pouco, acabou ganhando
uma dimensão de fábula em seu imaginário.
Foi com o teatro que o Brasil descobriu Suas-
suna. Sua peça
O auto da Compadecida, ence-
nada no Rio de Janeiro em 1957, tinha por base
a dupla típica de palhaços – um matreiro e cheio
de ideias e o outro avoado e um tanto abestalha-
do – conhecidos no Nordeste como “o Palhaço e
o Tonto”. Na peça, estes se chamavam João Grilo
e Chicó, dois miseráveis que corriam atrás de co-
mida e emprego e desenvolviam enredos típicos
da
literatura de cordel, como “o enterro da ca-
chorra” e “o gato que descomia dinheiro”.
Em 1970, Suassuna lançou o Movimento Armo-
rial, que tinha na literatura de cordel, na música de
viola, rabeca ou pífano que acompanha seus canta-
dores e na teatralidade típica daquelas terras a base
para seu pensamento artístico e sua estética. A Or-
questra Armorial, o Balé Armorial e os romances
e peças criados no esteio desse movimento busca-
vam resgatar tradições da cultura popular, como
bandeiras da cavalhada, estandartes de maracatus
e caboclinhos, formas de música e dança festivas,
muito populares no Nordeste.
Figuras de todos os
campos se uniram nesse esforço, tais como Anto-
nio Nóbrega, Capiba e Guerra Peixe.
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