Projeto História, São Paulo, n.55, pp.45-77, Jan.-Abr. 2016
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os passos dos generais. A Febem se apresentava como a “alternativa ideal”
encontrada pelo Estado, “protetor” e “tutor”, para resolver o “problema
do menor”.
Dessa forma, é possível afirmar que, para se entender o discurso
sobre os meninos e as meninas que viviam em situação de rua, faz-se
necessário realizar diálogos entre as questões políticas,
sociais e
econômicas.
Não é possível estudar o controle sobre o cotidiano dos
meninos e das meninas sem analisar o cenário político da época, tendo em
vista que as ações repressivas faziam parte da
Doutrina da Segurança
Nacional, elaborada durante a Ditadura Civil-Militar.
A
Doutrina da Segurança Nacional foi idealizada pela Escola Superior
de Guerra e representava um instrumento importante para imposição de
um sistema de controle e dominação governamental em busca do
fortalecimento
do Estado, atrelando às estratégias de desenvolvimento
político e econômico do País à questão da segurança. Na busca desse
fortalecimento, o Estado autoritário passou a construir campanhas contra
os “inimigos externos” e “inimigos internos”, criando na sociedade “um
clima de suspeita, medo e divisão que permitiu
ao regime levar a cabo
campanhas repressivas”, envolvendo, inclusive, o cotidiano das pessoas
comuns.
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Para Luiz Cavalieri Basílio, as ações de repressão e vigilância do
Estado em relação aos “menores”
estavam relacionadas à Doutrina, haja
vista que a partir dessa doutrina a “conduta antissocial” deveria ser
controlada ou reduzida. À luz do materialismo althusseriano, Basílio
afirma que a Funabem era o aparelho de estado “repressivo”, que buscava
atuar no cotidiano da sociedade:
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“O problema do atendimento a menores marginalizados se insere no
âmbito das discussões do relacionamento Estado x Sociedade. É o
primeiro que, através de seus aparelhos de Estado, quer ideológicos,
quer de repressão, intervém sobre o
setor mais desfavorecido da
sociedade”.
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Através dessa burocracia, a Funabem estabelecia um contrato com
estados, buscando controlar as ações desenvolvidas nas unidades estaduais
chamadas Febems. De acordo com a matéria intitulada
De que um Estado
precisa para atender o menor, publicada pela
Revista Brasil Jovem, periódico da
própria Funabem, noticiava como foram pactuadas a burocracia para a
execução dos projetos realizados nos estados:
“Estabelecido o campo de atuação da Funabem, verificou a entidade a
necessidade de criar uma infraestrutura, ao nível estadual,
capaz de
garantir o desenvolvimento de programas visando ao atendimento das
necessidades básicas do menor: saúde, educação, recreação, amor e
compreensão e segurança social. Para tanto, foram celebrados 72
convênios, desde 1966, com estados, territórios
e Distrito Federal,
proporcionando o Governo Federal assistência técnica e financeira
direta no total de 18 milhões de cruzeiros, em todos os pontos do país.
Para assegurar a expansão da Política Nacional do Bem-Estar do
Menor, os estados são convidados pela
Funabem a seguir diversas
etapas para concretizar a infraestrutura local destinada ao atendimento
social dos menores”.
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A “questão do menor” passa a ser pautada a partir do viés do
“bem-estar”. Ao tratar sobre as “etapas” da política pública, a Funabem
afirma que além dos técnicos, o espaço físico e os equipamentos deveriam
ser destinados pelos estados para execução dos projetos financiados pelo
Governo Federal, que buscava através dessas medidas atender os