Projeto História, São Paulo, n.55, pp.45-77, Jan.-Abr. 2016
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brasileira, contra a Febem. As torturas foram divulgadas pela imprensa
nacional a partir da segunda metade dos anos de 1970. Os jornais e
revistas divulgaram as práticas de tortura e outras ações de repressão e
violência praticadas contra os internos.
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A história do fim da Febem e da promulgação
do Estatuto da
Criança e do Adolescente é marcada pela mobilização dos meninos e das
meninas, que se reuniram em grandes encontros, articulados pelas
organizações não governamentais, que se deslocaram para Brasília e
ocuparam o Congresso Nacional. As passeatas
ganhavam as ruas e os
espaços de decisão política, tendo as crianças e os adolescentes
participado desse processo.
É importante registrar que, na década de 1980, período da
construção do Estatuto, o Brasil assistiu a rearticulação dos movimentos
sociais, que se mobilizaram em defesa da reabertura política e por lutas
específicas, como o movimento
pela igualdade racial, em defesa das
mulheres e pela moradia. Como afirmou o historiador Eder Sader, foi
nesse cenário político que os “novos protagonistas entraram em cena”.
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A Febem que nasceu da campanha anti-SAM foi abolida como
uma instituição que já não mais correspondia
às demandas sociais e
políticas, representou o mais importante projeto dos governos militares na
política para as crianças e adolescentes, considerados “menores
delinquentes”, “menores carentes”, menores abandonados”. A “doutrina
do bem-estar social”, que fundamentou as ações da Funabem/Febem, a
chamada “questão do menor” passou a ser pensada a partir do
assistencialismo.
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Na busca da legitimação do projeto político, o “Sistema de
Justiça” representava um importante seguimento que garantia a
legitimidade da Febem. Não podemos falar
deste projeto distante da
atuação do Juizado de Menores, das delegacias comuns e especializadas.
Muitos dos meninos e meninas que foram encaminhados para Febem
seguiram a partir da decisão de juízes e delegados. O Código de Menores,
que foi construído sob a lógica da punição e da vigilância, representava
para a instituição a Lei que deveria ser seguida e cumprida.
Desse modo, no decorrer
da Ditadura Civil-Militar, em
Pernambuco e no Brasil, a “questão do menor” se tornou uma questão de
“Segurança Nacional”, do controle do Estado sobre o cotidiano de
crianças e adolescentes pobres e de suas famílias. A “questão do menor”
se tornou uma questão do “bem-estar”, do assistencialismo que trazia
consigo marcas da caridade e da filantropia. A “questão do menor” se
tornou a “questão de polícia”, do juiz que centralizava as decisões sobre o
destino de meninos e meninas, que muitas vezes eram encaminhados para
as unidades de internação da FEBEM.
Em 1990, foi promulgado, pelo então Presidente Fernando Collor
de Melo, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA,
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e com ele
extinta a Funabem e criado o Centro Brasileiro da Infância e da
Adolescência – CBIA. O Estatuto representou uma alternativa jurídica e
política para os problemas relacionados às crianças e aos adolescentes do
Brasil, que questionava o Código de Menores e a própria Febem.
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Notas
*
Doutor em História pela UFPE, Professor do Departamento de Educação da UFRPE,
Coordenador do Programa Escola de Conselhos de Pernambuco.
1
BRASIL, Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor. Funabem.
Funabem: 10 anos.
Rio
de Janeiro, 1978. Acervo: Fundo CBIA. Fundação Arquivo Nacional/Rio de Janeiro.
2
PASSETTI, Edson.
Violentados: crianças, adolescentes e justiça. São Paulo: Editora
Imaginário, 1999. p. 56.
3
BRITO, Eleonora.
Justiça e Gênero: uma história da Justiça de menores em Brasília
(1960-1990). Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2007. p. 115
4
PASSETTI, op. cit., p. 25.
5
DIARIO DE PERNAMBUCO.
Criação da Febem atualizará a política do amparo
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