treinamento pragmático ou com o elitismo autoritário dos que se pensam donos da verdade e do
saber articulado.
Às vezes, m al se im agina o que pode passar a representar na vida de um aluno um sim ples gesto
do professor. O que pode um gesto aparentem ente insignificante valer com o força form adora ou
com o contribuição à do educando por si m esm o. Nunca m e esqueço, na história j á longa de
m inha m em ória, de um desses gestos de professor que tive na adolescência rem ota. Gesto cuj a
significação m ais profunda talvez tenha passado despercebida por ele, o professor, e que teve
im portante influência sobre m im . Estava sendo, erm o, um adolescente inseguro, vendo-m e com o
um corpo anguloso e feio, percebendo-m e m enos capaz do que os outros, fortem ente incerto de
m inhas possibilidades. Era m uito m ais m al-hum orado que apaziguado com a vida. Facilm ente
m e eriçava.
Qualquer consideração feita por um colega rico da classe j á m e parecia o cham am ento à
atenção de m inhas fragilidades, de m inha insegurança.
O professor trouxera de casa os nossos trabalhos escolares e, cham ando-nos um a um , devolvia -
os com o seu aj uizam ento. Em certo m om ento m e cham a e, olhando ou re-olhando o m eu texto,
sem dizer palavra, balança a cabeça num a dem o nstração de respeito e de consideração. O gesto
do professor valeu m ais do que a própria nota dez que atribuiu à m inha redação. O gesto do
professor m e trazia um a confiança ainda obviam ente desconfiada de que era possível trabalhar e
produzir. De que era possível confiar em m im m as que seria tão errado confiar além dos lim ites
quanto errado estava sendo não confiar. A m elhor prova da im portância daquele gesto é que dele
falo agora com o se tivesse sido testem unhado hoj e. E faz, na verdade, m uito tem po que ele
ocorreu...
Este saber, o da im portância desses gestos que se m ultiplicam diariam ente nas tram as do espaço
escolar, é algo sobre que teríam os de refletir seriam ente. É um a pena que o caráter socializante
da escola, o que há de inform al na experiência que se vive nela, de form ação ou deform ação,
sej a negligenciado. Fala-se quase exclusivam ente do ensino dos conteúdos, ensino
lam entavelm ente quase sem pre entendido com o transferência do saber. Creio que um a das
razões que explicam este descaso em torno do que ocorre no espaço-tem po da escola, que não
sej a a atividade ensinante, vem sendo um a com preensão estreita do que é educação e do que é
aprender. No fundo, passa despercebido a nós que foi aprendendo socialm ente que m ulheres e
hom ens, historicam ente, descobriram que é possível ensinar. Se estivesse claro para nós que foi
aprendendo que percebem os ser possível ensinar, teríam os entendido com facilidade a
im portância das experiências inform ais nas ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula das
escolas, nos pátios dos recreios*, em que
* Esta é um a preocupação fundam ental da equipe coordenada pelo professor Miguel Arroio e
que vem propondo ao país, em Belo Horizonte, um a das m elhores re -invenções da escola. É
um a lástim a que não tenha havido ainda um a em issora de TV que se dedicasse a m ostrar
experiências com o a de Belo Horizonte, a de Uberaba, a de Porto Alegre, a do Recife e de tantas
outras espalhadas pelo Brasil. Que se propusesse revelar práticas criadoras de gente que se
arrisca, vividas em escolas variados gestos de alunos, de pessoal adm inistrativo, de pessoal
docente se cruzam cheios de significação. Há um a natureza testem unhal nos espaços tão
lam entavelm ente relegados das escolas.
Em A Educação na cidade* cham ei a atenção para esta im portância quando discuti o estado em
que a adm inistração de Luiza Erundina encontrou a rede escolar da cidade de São Paulo em
1989. O
descaso pelas condições m ateriais das escolas alcançava níveis im pensáveis. Nas m inhas
prim eiras visitas à rede quase devastada eu m e perguntava horrorizado: Com o cobrar das
crianças um m ínino de respeito às carteiras escolares, à m esas, às paredes se o Poder Público
revela absoluta desconsideração à coisa pública? É incrível que não im aginem os a signific ação
do “discurso”
form ador que faz um a escola respeitada em seu espaço. A eloqüência do discurso “pronunciado”
na e pela lim peza do chão, na boniteza das salas, na higiene dos sanitários, nas flores que
adornam . Há um a pedagogicidade indiscutível na m aterialidade do espaço.
Porm enores assim da cotidianeidade do professor, portanto igualm ente do aluno, a que quase
sem pre pouca ou nenhum a atenção se dá, têm na verdade um peso significativo na avaliação da
experiência docente. O que im porta, na form ação docente, não é a repetição m ecânica do gesto,
este ou aquele, m as a com preensão do valor dos sentim entos, das em oções, do desej o, da
insegurança a ser superada pela segurança, do m edo que, ao ser “educado”, vai gerando a
coragem .
Nenhum a form ação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do exercício da
criticidade que im plica a prom oção da curiosidade ingênua à curiosidade epistem ológica, e do
outro, sem o reconhecim ento do valor das em oções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição
ou adivinhação. Conhecer não é, de fato, adivinhar, m as tem algo que ver, de vez em quando,
com adivinhar, com intuir. O im portante, não resta dúvida, é não pararm os satisfeitos ao nível das
intuições, m as subm etê-las à análise m etodicam ente rigorosa de nossa curio ridade
epistem ológica*
privadas ou públicas. Program a que poderia cham ar-se m udar é difícil m as é possível. No fundo,
um dos saberes fundam entais à prática educativa.
* Não é possível tam bém form ação docente indiferente à boniteza e à decência que estar no
m undo, com o m undo e com os oucros, substantivam ente, exige de nós. Não há prática docente
verdadeira que não sej a ela m esm a um ensaio estético e ético, perm ita-se-m e a repetição.
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