coisas, dos fatos, dos conceitos. A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo
com o ser hum ano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se com unica
e a quem com unica, produzir sua com preensão do que vem sendo com unicado. Não há
intelegibilidade que não sej a com unicação e intercom unicação e que não se funde na
dialogicidade. O pensar certo por isso é dialógico e não polêm ico.
1.8 – Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática
O pensar certo sabe, por exem plo, que não é a partir dele com o um dado dado, que se conform a
a prática docente crítica, m as sabe tam bém que sem ele não se funda aquela. A prática docente
crítica, im plicante do pensar certo, envolve o m ovim ento dinâm ico, dialético, entre o fazer e o
pensar sobre o fazer. O saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea,
“desarm ada”,
* Freire, Paulo, Pedagogia da Esperança. Paz e Terra, 1994.
indiscutivelm ente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito, a que falta a
rigorosidade m etódica que caracteriza a curiosidade epistem ológica do suj eito. Este não é o saber
que a rigorosidade do pensar certo procura. Por isso, é fundam ental que, na prática da form ação
docente, o aprendiz de educador assum a que o indispensável pensar certo não é presente dos
deuses nem se acha nos guias de professores que ilum inados intelectuais escrevem desde o
centro do poder, m as, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido
pelo próprio aprendiz em com unhão com o professor form ador. E preciso, por outro lado,
reinsistir em que a m atriz do pensar ingênuo com o a do crítico é a curiosidade m esm a,
característica do fenôm eno vital. Neste sentido, indubitavelm ente, é tão curioso o professor
cham ado leigo no interior de Pernam buco quanto o professor de Filosofia da Educação na
Universidade A ou B. O de que se precisa é possibilitar, que, voltando-se sobre si m esm a, através
da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se com o tal, se vá tornando
crítica.
Por isso é que, na form ação perm anente dos professores, o m om ento fundam ental é o da
reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticam ente a prática de ou de ontem que se pode
m elhorar a próxim a prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser
de tal m odo concreto que quase se confunda com a prática. O seu “distanciam ento”
epistem ológico da prática enquanto obj eto de sua análise, deve dela “aproxim á -lo” ao m áxim o.
Quanto m elhor faça esta operação tanto m ais inteligência ganha da prática em análise e m aior
com unicabilidade exerce em torno da superação da ingenuidade pela rigorosidade. Por outro
lado, quanto m ais m e assum o com o estou sendo e percebo a ou as razões de ser de porque estou
sendo assim , m ais m e torno capaz de m udar, de prom over-m e, no caso, do estado de curiosidade
ingênua para o de curiosidade epistem ológica. Não é possível a assunção que o suj eito faz de si
num a certa form a de estar sendo sem a disponibilidade para m udar. Para m udar e de cuj o
processo se faz necessariam ente suj eito tam bém .
Seria porém exagero idealista, afirm ar que a assunção, por exem plo, de que fum ar am eaça
m inha vida, j á significa deixar de fum ar. Mas deixar de fum ar passa, em algum sentido, pela
assunção do risco que corro ao fum ar. Por outro lado, a assunção se vai fazendo cada vez m ais
assunção na m edida em que ela engendra novas opções, por isso m esm o em que ela provoca
ruptura, decisão e novos com prom issos. Quando assum o o m al ou os m ales que o cigarro m e
pode causar, m ovo-m e no sentido de evitar os m ales. Decido, rom po, opto. Mas, é na prática de
não fum ar que a assunção do risco que corro por fum ar se concretiza m aterialm ente.
Me parece que há ainda um elem ento fundam ental na assunção de que falo: o em ocional. Além
do conhecim ento que tenho do m al que o fum o m e faz, tenho agora, na assunção que dele faço,
legítim a raiva do fum o. E tenho tam bém a alegria de ter tido a raiva que, no fundo, aj udou que
eu continuasse no m undo por m ais tem po. Está errada a educação que não reconhece na j usta
raiva,*
na raiva que protesta contra as inj ustiças, contra a deslealdade, contra o desam or, contra a
exploração e a violência um papel altam ente form ador. O que a raiva não pode é, perdendo os
lim ites que a confirm am , perder-se em raivosidade que corre sem pre o risco de se alongar em
odiosidade.
1.9 – Ensinar exige o reconhecim ento e a assunção da identidade cultural
É interessante estender m ais um pouco a reflexão sobre a assunção. O verbo assum ir é um verbo
transitivo e que pode ter com o obj eto o próprio suj eito que assim se assum e. Eu tanto assum o o
risco que corro ao fum ar quanto m e assum o enquanto suj eito da própria assunção. Deixem os
claro que, quando digo ser fundam ental para deixar de fum ar a assunção de que fum ar am eaça
m inha vida, com assunção eu quero sobretudo m e referir ao conhecim ento cabal que obtive do
fum ar e de suas conseqüências. Outro sentido m ais radical tem a assunção ou assum ir quando
digo: Um a das tarefas m ais im portantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em
que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora
ensaiam a experiência profunda de assum ir-se. Assum ir-se com o ser social e histórico, com o ser
pensante, com unicante,
* A de Cristo contra os vendilhões do Tem plo. A dos progressistas contra os inim igos da reform a
agrária, a dos ofendidos contra a violência de toda discrim inação, de classe, de raça, de gênero.
A dos inj ustiçados contra a im punidade. A de quem tem fom e contra a form a luxuriosa com que
alguns, m ais do que com em , esbanj am e transform am a vida num desfrute.
transform ador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de am ar. Assum ir-
se com o suj eito porque capaz de reconhecer-se com o obj eto. A assunção de nós m esm os não
significa a exclusão dos outros. É a “outredade" do “não eu”, ou do tu, que m e faz assum ir a
radicalidade de m eu eu.
A questão da identidade cultural, de que fazem parte a dim ensão individual e a de classe dos
educandos cuj o respeito é absolutam ente fundam ental na prática educativa progressista, é
problem a que não pode ser desprezado. Tem que ver diretam ente com a assunção de nós por nós
m esm os. É
isto que o puro treinam ento do professor não faz, perdendo-se e perdendo-o na estreita e
pragm ática visão do processo.
A experiência histórica, política, cultural e social os hom ens e das m ulheres j am ais pode se dar
“virgem ” do conflito entre 'as forças que obstaculizam a busca da assunção de si por parte dos
indivíduos e dos grupos e das forças que trabalham em favor daquela assunção. A form ação
docente que se j ulgue superior a essas “intrigas” não faz outra coisa senão trabalhar em favor dos
obstáculos. A solidariedade social e política de que precisam os para construir a sociedade m enos
feia e m enos arestosa, em que podem os ser m ais nós m esm os, tem na form ação dem ocrática
um a prática de real im portância. A aprendizagem da assunção do suj eito é incom patível com o
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