apreender. Por isso, som os os únicos em quem aprender é um a aventura criadora, algo, por isso
m esm o, m uito m ais rico do que m eram ente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir,
reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito.
Creio poder afirm ar, na altura destas considerações, que toda prática educativa dem anda a
existência de suj eitos, um que, ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o seu
cunho gnosiológico; a existência de obj etos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos; envolve o
uso de m étodos, de técnicas, de m ateriais; im plica, em função de seu caráter diretivo, obj etivo,
sonhos, utopias, ideais. Daí a sua politicidade, qualidade que tem a prática educativa de ser
política, de não poder ser neutra.
Especificam ente hum ana a educação é gnosiológica, é diretiva, por isso política, é artística e
m oral, serve-se de m eios, de técnicas, envolve frustrações, m edos, desej os. Exige de m im , com o
professor, um a com petência geral, um saber de sua natureza e saberes especiais, ligados à m inha
atividade docente.
Com o professor, se m inha opção é progressista e venho sendo coerente com ela, se não m e posso
perm itir a ingenuidade de pensar-m e igual ao educando, de desconhecer a especificidade da
tarefa do professor, não posso, por outro lado, negar que o m eu papel fundam ental é contribuir
positivam ente para que o educando vá sendo o artífice de sua form ação com a aj uda necessária
do educador. Se trabalho com crianças, devo estar atento à difícil passagem ou cam inhada da
heteronomia para a autonomia, atento à responsabilidade de m inha presença que tanto pode ser
auxiliadora com o pode virar perturbadora da busca inquieta dos educandos; se trabalho com
j ovens ou adultos, não m enos atento devo estar com relação a que o m eu trabalho possa
significar com o estím ulo ou não à ruptura necessária com algo defeituosam ente assentado e à
espera de superação. Prim ordialm ente, m inha posição tem de ser a de respeito à pessoa que
queira m udar ou que recuse m udar. Não posso negar-lhe ou esconder-lhe m inha postura m as não
posso desconhecer o seu direito de rej eitá-la. Em nom e do respeito que devo aos alunos não
tenho por que m e om itir, por que ocultar a m inha opção política, assum indo um a neutralidade
que não existe. Esta, a om issão do professor em nom e do respeito ao aluno, talvez sej a a m elhor
m aneira de desrespeitá-lo. O m eu papel, ao contrário, é o de quem testem unha o direito de
com parar, de escolher, de rom per, de decidir e estim ular a assunção deste direito por parte dos
educandos.
Recentem ente, num encontro público, um j ovem recém -entrado na universidade m e disse
cortesm ente:
“Não entendo com o o senhor defende os sem -terra, no fundo, uns baderneiros, criadores de
problem as.”
“Pode haver baderneiros entre os sem -terra”, disse, “m as sua luta é legítim a e ética”.
“Baderneira” é a resistência reacionaria de quem se opõe a ferro e a fogo à reform a agrária. A
im oralidade e a desordem estão na m anutenção de um a “ordem ” inj usta.
A conversa aparentem ente m orreu aí. O m oço apertou m inha m ão em silêncio. Não sei com o
terá
“tratado” a questão depois, m as foi im portante que tivesse dito o que pensava e que tivesse ouvido
de m im o que m e parece j usto que devesse ter dito.
É assim que venho tentando ser professor, assum indo m inhas convicções, disponível ao saber,
sensível à boniteza da prática educativa, instigado por seus desafios que não lhe perm item
burocratizar-se, assum indo m inhas lim itações, acom panhadas sem pre do esforço por superá -las,
lim itações que não procuro esconder em nom e m esm o do respeito que m e tenho e aos
educandos.
2.7 – Ensinar exige alegria e esperança
O m eu envolvim ento com a prática educativa, sabidam ente política, m oral, gnosiológica, j am ais
deixou de ser feito com alegria, o que não significa dizer que tenha invariavelm ente podido criá-
la nos educandos.
Mas, preocupado com ela, enquanto clim a ou atm osfera do espaço pedagógico, nunca deixei de
estar.
Há um a relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperança. A esperança de
que professor e alunos j untos podem os aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e j untos
igualm ente resistir aos obstáculos à nossa alegria. Na verdade, do ponto de vista da natureza
hum ana, a esperança não é algo que a ela se j ustaponha. A esperança faz parte da natureza
hum ana. Seria um a contradição se, inacabado e consciente do inacabam ento, prim eiro, o ser
hum ano não se inscrevesse ou não se achasse predisposto a participar de um m ovim ento
constante de busca e, segundo, se buscasse sem esperança. A desesperança é negação da
esperança. A esperança é um a espécie de ím peto natural possível e necessário, a desesperança é
o aborto deste ím peto. A esperança é um condim e nto indispensável à experiência histórica. Sem
ela, não haveria História, m as puro determ inism o. Só há História onde há tem po problem atizado
e não pré-dado. A inexorabilidade do futuro é a negação da História.
É preciso ficar claro que a desesperança não é m aneira de estar sendo natural do ser hum ano,
m as distorção da esperança. Eu não sou prim eiro um ser da desesperança a ser convertido ou
não pela esperança. Eu sou, pelo contrário, um ser da esperança que, por "n" razões, se tornou
desesperançado.
Daí que um a das nossas brigas com o seres hum anos deva ser dada no sentido de dim inuir as
razões obj etivas para a desesperança que nos im obiliza.
Por tudo isso m e parece um a enorm e contradição que um a pessoa progressista, que não tem e a
novidade, que se sente m al com as inj ustiças, que se ofende com as discrim inações, que se bate
pela decência, que luta contra a im punidade, que recusa o fatalism o cínico e im obilizante, não
sej a criticam ente esperançosa.
A desproblem atização do futuro num a com preensão m ecanicista da História, de direita ou de
esquerda, leva necessariam ente à m orte ou à negação autoritária do sonho, da utopia, da
esperança. É que, na inteligência m ecanicista portanto determ inista da História, o futuro é j á
sabido. A luta por um futuro assim
“a priori” conhecido prescinde da esperança.
A desproblem atização do futuro, não im porta em nom e de quê, é um a violenta ruptura com a
natureza hum ana social e historicam ente constituindo-se.
Tive, recentem ente em Olinda, num a m anhã com o só os trópicos conhecem , entre chuvosa e
ensolarada, um a conversa, que diria exem plar, com um j ovem educador popular que, a cada
instante, a cada palavra, a cada reflexão, revelava a coerência com que vive sua opção
dem ocrática e popular. Cam inhávam os, Danilson Pinto e eu, com alm a aberta ao m undo,
curiosos, receptivos, pelas trilhas de um a fivela onde cedo se aprende que só a custo de m uita
teim osia se consegue tecer a vida com sua quase ausência – ou negação –, com carência, com
am eaça, com desespero, com ofensa e dor. Enquanto andávam os pelas ruas daquele m undo
m altratado e ofendido eu ia m e lem brando de experiências de m inha j uventude em outras
favelas de Olinda ou do Recife, dos m eus diálogos com favelados e faveladas de alm a rasgada.
Tropeçando na dor hum ana, nós nos perguntávam os em torno de um sem -núm ero de problem as.
Que fazer, enquanto educadores, trabalhando num contexto assim ? Há m esm o o que fazer?
Com o fazer o que fazer? Que precisam os nós, os cham ados educadores, saber para viabilizar até
m esm o os nossos prim eiros encontros com m ulheres, hom ens e crianças cuj a hum anidade vem
sendo negada e traída, cuj a existência vem sendo esm agada? Param os no m eio de um pontilhão
estreito que possibilita a travessia da favela para um a parte m enos m altratada do bairro popular.
Olhávam os de cim a um braço de rio poluído, sem vida, cuj a lam a e não cuj a água em papa os
m ocam bos nela quase m ergulhados. “Mais além dos m ocam bos”, m e disse Danilson, “há algo
pior: um grande terreno onde se faz o depósito do lixo público.
Os m oradores de toda esta redondeza ‘pesquisam ’ no lixo o que com er, o que vestir, o que os
m antenha vivos”. Foi desse horrendo aterro que há dois anos um a fam ília retirou de lixo
hospitalar pedaços de seio am putado com que preparou seu alm oço dom ingueiro. A im prensa
noticiou o fato que citei horrorizado e pleno de j usta raiva no m eu últim o livro À sombra desta
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