disciplina da gulodice da m inoria insaciável.
O m eu bom senso m e adverte de que há algo a ser com preendido no com portam ento de
Pedrinho, silencioso, assustado, distante, tem eroso, escondendo-se de si m esm o. O bom senso m e
faz ver que o problem a não está nos outros m eninos, na sua inquietação, no seu alvoroço, na sua
vitalidade. O m eu bom senso não m e diz o que é, m as deixa claro que há algo que precisa ser
sabido. Esta é a tarefa da ciência que, sem o bom senso do cientista, pode se desviar e se perder.
Não tenho dúvida do insucesso do cientista a quem falte a capacidade de adivinhar, o sentido da
desconfiança, a abertura à dúvida, a inquietação de quem não se acha dem asiado certo das
certezas. Tenho pena e, às vezes, m edo, do cientista dem asiado seguro da segurança, senhor da
verdade e que não suspeita sequer da historicidade do próprio saber.
É o m eu bom senso, em prim eiro lugar, o que m e deixa suspeitoso, no m ínim o, de que não é
possível à escola, se, na verdade, engaj ada na form ação de educandos educadores, alhear-se das
condições sociais culturais, econôm icas de seus alunos, de suas fam ílias, de seus vizinhos.
Não é possível respeito aos educandos, à sua dignidade, a seu ser form ando-se, à sua identidade
fazendo-se, se não se levam em consideração as condições em que eles vêm existindo, se não se
reconhece a im portância dos “conhecim entos de experiência feitos” com que chegam à escola.
O respeito devido à dignidade do educando não m e perm ite subestim ar, pior ainda, zom bar do
saber que ele traz consigo para a escola.
Quanto m ais m e torno rigoroso na m inha prática de conhecer tanto m ais, porque crítico, respeito
devo guardar pelo saber ingênuo a ser superado pelo saber produzido através do exercício da
curiosidade epistem ológica.
Ao pensar sobre o dever que tenho, com o professor, de respeitar a dignidade do educando, sua
autonom ia, sua identidade em processo, devo pensar tam bém , com o j á salientei, em com o ter
um a prática educativa em que aquele respeito, que sei dever ter ao educando, se realize em lugar
de ser negado. Isto exige de m im um a reflexão crítica perm anente sobre m inha prática através
da qual vou fazendo a avaliação do m eu próprio fazer com os educandos. O ideal é que, cedo ou
tarde, se invente um a form a pela qual os educandos possam participar da avaliação. É que o
trabalho do professor é o trabalho do professor com os alunos e não do professor consigo m esm o.
Esta avaliação crítica da prática vai revelando a necessidade de um a série de virtudes ou
qualidades sem as quais não é possível nem ela, a avaliação, nem tam pouco o respeito do
educando.
Estas qualidades ou estas virtudes absolutam ente indispensáveis à posta em prática deste outro
saber fundam ental à experiência educativa – saber que devo respeito à autonom ia, à dignidade e
à identidade do educando – não são regalos que recebem os por bom com portam ento. As
qualidades ou virtudes são construídas por nós no esforço que nos im pom os para dim inuir a
distância entre o que dizem os e o que fazem os. Este esforço, o de dim inuir a distância entre o
discurso e a prática, é j á um a dessas virtudes indispensáveis – a da coerência. Com o, na verdade,
posso eu continuar falando no respeito à dignidade do educando se o ironizo, se o discrim ino, se o
inibo com a m inha arrogância. Com o posso continuar falando em m eu respeito ao educando se o
testem unho que a ele dou é o da irresponsabilidade, o de quem não cum pre o seu dever, o de
quem não se prepara ou se organiza para a sua prática, o de quem não luta por seus direitos e não
protesta contra as inj ustiças?* A prática docente, especificam ente hum ana, é profundam ente
form adora, por isso, ética. Se não se pode esperar de seus agentes que sej am santos ou anj os,
pode-se e deve-se deles exigir seriedade e retidão.
A responsabilidade do professor, de que às vezes não nos dam os conta, é sem pre grande. A
natureza m esm a de sua prática em inentem ente form adora, sublinha a m aneira com o a realiza.
Sua presença na sala é de tal m aneira exem plar que nenhum professor ou professora escapa ao
j uízo que dele ou dela fazem os alunos. E o pior talvez dos j uízos é o que se expressa na “falta” de
j uízo. O pior j uízo é o que considera o professor um a ausência na sala.
O professor autoritário, o professor licencioso, o professor com petente, sério, o professor
incom petente, irresponsável, o professor am oroso da vida e das gentes, o professor m al-am ado,
sem pre com raiva do m undo e das pessoas, frio, burocrático, racionalista, nenhum desses passa
pelos alunos sem deixar sua m arca. Daí a im portância do exem plo que o professor ofereça de
sua lucidez e de seu engaj am ento na pelej a em defesa de seus direitos, bem com o na exigência
das condições para o exercício de seus deveres.
O professor tem o dever de dar suas aulas, de realizar sua tarefa docente. Para isso, precisa de
condições favoráveis, higiênicas, espaciais, estéticas, sem as quais se m ove m enos eficazm ente
no espaço pedagógico. Às vezes, as condições são de tal m aneira perversas que nem se m ove. O
desrespeito a este espaço é um a ofensa aos educandos, aos educadores e à prática pedagógica.
2.5 – Ensinar exige hum ildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores Se há algo
que os educandos brasileiros precisam saber, desde a m ais tenra idade, é que a luta em favor do
respeito aos educadores e à educação inclui que a briga por salários m enos im orais é um dever
irrecusável e não só um direito deles. A luta dos professores em defesa de seus direitos e de sua
dignidade deve ser entendida com o um m om ento im portante de sua prática docente, enquanto
prática ética. Não é algo que vem de fora da atividade docente, m as algo que dela faz parte. O
com bate em favor da dignidade da prática docente é tão parte dela m esm a quanto dela faz parte
o respeito que o professor deve ter à identidade do educando, à sua pessoa, a seu direito de ser.
Um dos piores m ales que o poder público vem fazendo a nós, no Brasil, historicam ente, desde
que a sociedade brasileira foi criada, é o de fazer m uitos de nós correr o risco de, a custo de tanto
descaso pela educação pública, existencialm ente cansados, cair no indiferentism o fatalistam ente
cínico que leva ao cruzam ento dos braços. “Não há o que fazer” é o discurso acom odado que não
podem os aceitar.
O m eu respeito de professor à pessoa do educando, à sua curiosidade, à sua tim idez, que não
devo agravar com procedim entos inibidores exige de m im o cultivo da hum ildade e da
tolerância. Com o posso respeitar a curiosidade do educando se, carente de hum ildade e da real
com preensão do papel da ignorância na busca do saber, tem o revelar o m eu desconhecim ento?
Com o ser educador, sobretudo num a perspectiva progressista, sem aprender, com m aior ou
m enor esforço, a conviver com os diferentes? Com o ser educador, se não desenvolvo em m im a
indispensável am orosidade aos educandos com quem m e com prom eto e ao próprio processo
form ador de que sou parte? Não posso desgostar do que faço sob pena de não fazê-lo bem .
Desrespeitado com o gente no desprezo a que é relegada a prática pedagógica não tenho por que
desam á -la e aos educandos. Não tenho por que exercê-la m al. A m inha resposta à ofensa à
educação é a luta política consciente, crítica e organizada contra os ofensores. Aceito até
abandoná-la, cansado, à procura de m elhores dias. O que não é possível é, ficando nela, aviltá-la
com o desdém de m im m esm o e dos educandos.
Um a das form as de luta contra o desrespeito dos poderes públicos pela educação, de um lado, é a
nossa recusa a transform ar nossa atividade docente em puro bico, e de outro, a nossa rej eição a
entendê-la e a exercê-la com o prática afetiva de “tias e de tios”.
É com o profissionais idôneos – na com petência que se organiza politicam ente está talvez a m aior
força dos educadores – que eles e elas devem ver-se a si m esm os e a si m esm as. É neste sentido
que os órgãos de classe deveriam priorizar o em penho de form ação perm anente dos quadros do
m agistério com o tarefa altam ente política e repensar a eficácia das greves. A questão que se
coloca, obviam ente, não é parar de lutar m as, reconhecendo-se que a luta é um a categoria
histórica, reinventar a form a tam bém histórica de lutar.
* Insisto na leitura de Professora, sim. Tia, não. São Paulo, Olho d'Água, 1995
2.6 – Ensinar exige apreensão da realidade
Outro saber fundam ental à experiência educativa é o que diz respeito à sua natureza. Com o
professor preciso m e m over com clareza na m inha prática. Preciso conhecer as diferentes
dim ensões que caracterizam a essência da prática, o que m e pode tornar m ais seguro no m eu
próprio desem penho.
O m elhor ponto de partida para estas reflexões é a inconclusão do ser hum ano de que se tornou
consciente. Com o vim os, aí radica a nossa educabilidade bem com o a nossa inserção num
perm anente m ovim ento de busca em que, curiosos e indagadores, não apenas nos dam os conta
das coisas m as tam bém delas podem os ter um conhecim ento cabal. A capacidade de aprender,
não apenas para nos adaptar m as sobretudo para transform ar a realidade, para nela intervir,
recriando-a, fala de nossa educabilidade a um nível distinto do nível do adestram ento dos outros
anim ais ou do cultivo das plantas.
A nossa capacidade de aprender, de que decorre a de ensinar, sugere ou, m ais do que isso,
im plica a nossa habilidade de apreender a substantividade do obj eto aprendido. A m em orização
m ecânica do perfil do obj eto não é aprendizado verdadeiro do obj eto ou do conteúdo. Neste caso,
o aprendiz funciona m uito m ais com o paciente da transferência do obj eto ou do conteúdo do que
com o suj eito crítico, epistem ologicam ente curioso, que constrói o conhecim ento do obj eto ou
participa de sua construção. É
precisam ente por causa desta habilidade de apreender a substantividade do obj eto que nos é
possível reconstruir um m al aprendizado, o em que o aprendiz foi puro paciente da transferência
do conhecim ento feita pelo educador.
Mulheres e hom ens, som os os únicos seres que, social e historicam ente, nos tornam os capazes de
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