fatalidade. Não são as classes populares os obj etos im ediatos de sua m alvadez. Fala-se, por isso
m esm o, da necessidade de disciplinar a “andarilhagem ” dos dólares.
No caso da reform a agrária entre nós, a disciplina de que se precisa, segundo os donos do m undo,
é a que am acie, a custo de qualquer m eio, os turbulentos e arruaceiros "sem -terra”. A reform a
agrária tam pouco vira fatalidade. Sua necessidade é um a invencionice absurda de falsos
brasileiros, proclam am os cobiçosos senhores das terras.
Continuem os a pensar um pouco sobre a inconclusão do ser que se sabe inconcluso, não a
inconclusão pura, em si, do ser que, no suporte, não se tornou capaz de reconhecer-se
interm inado. A consciência do m undo e a consciência de si com o ser inacabado necessariam ente
inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num perm anente m ovim ento de busca. Na
verdade, seria um a contradição se, inacabado e consciente do inacabam ento. o ser hum ano não
se inserisse em tal m ovim ento. É neste sentido que, para m ulheres e hom ens, estar no m undo
necessariam ente significa estar com o m undo e com os outros. Estar no m undo sem fazer
história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem “tratar” sua própria presença no m undo,
sem sonhar, sem cantar, sem m usicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as
m ãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o m undo, sem fazer ciência, ou
teologia, sem assom bro em face do m istério, sem aprender, sem ensinar, sem idéias de
form ação, sem politizar não é possível.
É na inconclusão do ser, que se sabe com o tal, que se funda a educação com o processo
perm anente.
Mulheres e hom ens se tornaram educáveis na m edida em que se reconheceram inacabados. Não
foi a educação que fez m ulheres e hom ens educáveis, m as a consciência de sua inconclusão é
que gerou sua educabilidade. É tam bém na inconclusão de que nos tornam os conscientes e que
nos inserta no m ovim ento perm anente de procura que se alicerça a esperança. “Não sou
esperançoso”, disse certa vez por pura teim osia, m as por exigência ontológica*.
Este é um saber fundante da nossa prática educativa, da form ação docente, o da nossa
inconclusão assum ida. O ideal é que, na experiência educativa, educandos, educadoras e
educadores, j untos,
“convivam ” de tal m aneira com este com o com outros saberes de que falarei que eles vão
virando sabedoria. Algo que não é estranho a educadoras e educadores. Quando saio de casa
para trabalhar com os alunos, não tenho dúvid a nenhum a de que, inacabados e conscientes de
inacabam ento, abertos à procura, curiosos, “program ados, m as para, aprender”,**
exercitarem os tanto m ais e m elhor a nossa capacidade de aprender e de ensinar quanto m ais
suj eitos e não puros obj etos do processo nos façam os.
2.3 – Ensinar exige respeito à autonom ia do ser do educando
Outro saber necessário à prática educativa, e que se funda na m esm a raiz que acabo de discutir –
a da inconclusão do ser que se sabe inconcluso –, é o que fala do respeito devido à autonomia do
ser do
* Ver Freire, Paulo. Pedagogia da esperança, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1994. Ver Freire,
Paulo. À
sombra desta mangueira, São Pauulo Olho d'Água, 199).
** François Jacob.
educando. Do educando criança, j ovem ou adulto. Com o educador, devo estar constantem ente
advertido com relação a este respeito que im plica igualm ente o que devo ter por m im m esm o.
Não faz m al repetir afirm ação várias vezes feita neste texto – o inacabam ento de que nos
tornam os conscientes nos fez seres éticos. O respeito à autonom ia e à dignidade de cada um é um
im perativo ético e não um favor que podem os ou não conceder uns aos outros. Precisam ente
porque éticos podem os desrespeitar a rigorosidade da ética e resvalar para a sua negação, por
isso é im prescindível deixar claro que a possibilidade do desvio ético não pode receber outra
designação senão a de transgressão. O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o
seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem , m ais precisam ente, a sua sintaxe e a sua
prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o m inim iza, que m anda que “ele se ponha em seu
lugar” ao m ais tênue sinal de sua rebeldia legítim a, tanto quanto o professor que se exim e do
cum prim ento de seu dever de propor lim ites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de
ensinar, de estar respeitosam ente presente à experiência form adora do educando, transgride os
princípios fundam entalm ente éticos de nossa existência. É neste sentido que o professor
autoritário, que por isso m esm o afoga a liberdade do educando, am esquinhando o seu direito de
estar sendo curioso e inquieto, tanto quanto o professor licencioso rom pe com a radicalidade do
ser hum ano – a de sua inconclusão assum ida em que se enraíza a eticidade. É neste sentido
tam bém que a dialogicidade verdadeira, em que os suj eitos dialógicos aprendem e crescem na
diferença, sobretudo, no respeito a ela, é a form a de estar sendo coerentem ente exigida por seres
que, inacabados, assum indo-se com o tais, se tornam radicalm ente éticos. É preciso deixar claro
que a transgressão da eticidade j am ais pode ser vista ou entendida com o virtude, m as com o
ruptura com a decência. O que quero dizer é o seguinte: que alguém se torne m achis ta, racista,
classista, sei lá o quê, m as se assum a com o transgressor da natureza hum ana. Não m e venha
com j ustificativas genéticas, sociológicas ou históricas ou filosóficas para explicar a
superioridade da branquitude sobre a negritude, dos hom ens sobre as m ulheres, dos patrões sobre
os em pregados. Qualquer discrim inação é im oral e lutar contra ela é um dever por m ais que se
reconheça a força dos condicionam entos a enfrentar. A boniteza de ser gente se acha, entre
outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar. Saber que devo respeito à autonom ia e
à identidade do educando exige de m im um a prática em tudo coerente com este saber.
2.4 – Ensinar exige bom senso
A vigilância do m eu bom senso tem um a im portância enorm e na avaliação que, a todo instante,
devo fazer de m inha prática. Antes, por exem plo, de qualquer reflexão m ais detida e rigorosa é o
m eu bom senso que m e diz ser tão negativo, do ponto de vista de m inha tarefa docente, o
form alism o insensível que m e faz recusar o trabalho de um aluno por perda de prazo, apesar das
explicações convincentes do aluno, quanto o desrespeito pleno pelos princípios reguladores da
entrega dos trabalhos. É o m eu bom senso que m e adverte de que exercer a m inha autoridade de
professor na classe, tom ando decisões, orientando atividades, estabelecendo tarefas, cobrando a
produção individual e coletiva do grupo não é sinal de autoritarism o de m inha parte. É a m inha
autoridade cum prindo o seu dever. Não resolvem os bem , ainda, entre nós, a tensão que a
contradição autoridade-liberdade nos coloca e confundim os quase sem pre autoridade com
autoritarism o, licença com liberdade.
Não preciso de um professor de ética para m e dizer que não posso, com o orientador de
dissertação de m estrado ou de tese de doutoram ento, surpreender o pós-graduando com críticas
duras a seu trabalho porque um dos exam inadores foi severo em sua arguição. Se isto ocorre e eu
concordo com as críticas feitas pelo professor não há outro cam inho senão solidarizar-m e de
público com o orientando, dividindo com ele a responsabilidade do equívoco ou do erro
criticado*. Não preciso de um professor de ética para m e dizer isto.
Meu bom senso m e diz.
Saber que devo respeito à autonom ia, à dignidade e à identidade do educando e, na prática,
procurar a coerência com este saber, m e leva inapelavelm ente à criação de algum as virtudes ou
qualidades sem as quais aquele saber vira inautêntico, palavreado vazio e inoperante.** De nada
serve, a não ser para irritar o educando e desm oralizar o discurso hipócrita do educador, falar em
dem ocracia e liberdade m as im por ao educando a vontade arrogante do m estre.
* Ver Freire, Paulo. Cartas à Cristina, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995.
* * Ver Freire, Paulo. Professora Sim, Tia, Não. Cartas a quem ousa ensinar. São Paulo, Olho
d'Água, 1995.
O exercício do bom senso, com o qual só tem os o que ganhar, se faz no “corpo” da curiosidade.
Neste sentido, quanto m ais pom os em prática de form a m etódica a nossa capacidade de indagar,
de com parar, de duvidar, de aferir, tanto m ais eficazm ente curiosos nos podem os tornar e m ais
crítico se pode fazer o nosso bom senso. O exercício ou a educação do bom senso vai superando
o que há nele de instintivo na avaliação que fazem os dos fatos e dos acontecim entos em que nos
envolvem os. Se o bom senso, na avaliação m oral que faço de algo, não basta para orientar ou
fundar m inhas táticas de luta, tem , indiscutivelm ente, im portante papel na m inha tom ada de
posição, a que não pode faltar a ética, em face do que devo fazer.
O m eu bom senso m e diz, por exem plo, que é im oral afirm ar que a fom e e a m iséria a que se
acham expostos m ilhões de brasileiras e de brasileiros são um a fatalidade em face de que só há
um a coisa a fazer: esperar pacientem ente que a realidade m ude. O m eu bom senso diz que isso é
im oral e exige de m inha rigorosidade científica a afirm ação de que é possível m udar com a
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