Gosto de ser gente porque, m esm o sabendo que as condições m ateriais, econôm icas, sociais e
políticas, culturais e ideológicas em que nos acham os geram quase sem pre barreiras de difícil
superação para o cum prim ento de nossa tarefa histórica de m udar o m undo, sei tam bém que os
panacéia, m as com o um esforço de conhecim ento crítico dos obstáculos, vale dizer, de suas
razões de ser. Contra toda a força do discurso fatalista neoliberal, pragm ático e reacionário,
insisto hoj e, sem desvios idealistas, na necessidade da conscientização. Insisto na sua atualização.
“prise de conscience” do m undo, dos fatos, dos acontecim entos, a conscientização é exigência
hum ana, é um dos cam inhos para a posta em prática da curiosidade epistem ológica. Em lugar de
estranha, a conscientização é
natural ao ser que, inacabado, se sabe inacabado. A questão
substantiva não está por isso no puro inacabam ento ou na pura inconclusão. A inconclusão, repito,
faz parte da natureza do fenôm eno vital. Inconclusos som os nós, m ulheres e hom ens, m as
inconclusos são tam bém as j aboticabeiras que enchem , na safra, o m eu quintal de pássaros
cantadores; inconclusos são estes pássaros com o inconcluso é Eico, m eu pastor alem ão, que m e
"saúda” contente no com eço das m anhãs.
Entre nós, m ulheres e hom ens, a inconclusão se sabe com o tal. Mais ainda, a inconclusão que se
reconhece a si m esm a, im plica necessariam ente a inserção do suj eito inacabado num
perm anente processo social de busca. Histórico-sócio-culturais, m ulheres e hom ens nos tornam os
seres em quem a curiosidade, ultrapassando os lim ites que lhe são peculiares no dom ínio vital, se
torna fundante da produção do conhecim ento. Mais ainda, a curiosidade é j á conhecim ento.
Com o a linguagem que anim a a curiosidade e com ela se anim a, é tam bém conhecim ento e não
só expressão dele.
Num a m adrugada, há alguns m eses, estávam os Nita e eu, cansados, na sala de em barque de um
aeroporto do Norte do país, à espera da partida para São Paulo num desses vôos m adrugadores
que a sabedoria popular cham a "vôo coruj a”. Cansados e realm ente arrependidos de não haver
m udado o esquem a de vôo. Um a criança em tenra idade, saltitante e alegre, nos fez, finalm ente,
ficar contentes, apesar da hora para nós inconveniente.
Um avião chega. Curiosa a criança inclina a cabeça na busca de selecionar o som dos m otores.
Volta-se para a m ãe e diz: “O avião ainda chegou.” Sem com entar, a m ãe atesta: “O avião j á
chegou.” Silêncio. A criança corre até o extrem o da sala e volta. “O avião j á chegou”, diz. O
discurso da criança, que envolvia a sua posição curiosa em face do que ocorria, afirm ava
prim eiro o conhecimento da ação de chegar do avião, segundo o conhecim ento da
tem poralização da ação no advérbio j á. O discurso da criança era conhecim ento do ponto de
vista do fato concreto: o avião chegou e era conhecim ento do ponto de vista da criança que, entre
outras coisas, Fizera o dom ínio da circunstância adverbial de tem po, no já.
Voltem os um pouco à nossa reflexão anterior. A consciência do inacabam ento entre nós,
m ulheres e hom ens, nos fez seres responsáveis, daí a eticidade de nossa presença no m undo.
Eticidade, que não há dúvida, podem os trair. O m undo da cultura que se alonga em m undo da
história é um m undo de liberdade, de opção, de decisão, m undo de possibilidade em que a
decência pode ser negada, a liberdade ofendida e recusada. Por isso m esm o a capacitação de
m ulheres e de hom ens em torno de sabereis instrum entais j am ais pode prescindir de sua
form ação ética. A radicalidade desta exigência é tal que não deveríam os necessitar sequer de
insistir na form ação ética do ser ao falar de sua preparação técnica e científica. É fundam ental
insistirm os nela precisam ente porque, inacabados m as conscientes do inacabam ento, seres da
opção, da decisão, éticos, podem os negar ou trair a própria ética. O educador que, ensinando
geografia, “castra” a curiosidade do educando em nom e da eficácia da m em orização m ecânica
do ensino dos conteúdos, tolhe a liberdade do educando, a sua capacidade de aventurar-se. Não
form a, dom estica. Tal qual quem assum e a ideologia fatalista em butida no discurso neoliberal, de
vez em quando criticada neste texto, e aplicada preponderantem ente às situações em que o
paciente são as classes populares. “Não há o que fazer, o desem prego é um a fatalidade do fim do
século.”
A “andarilhagem ” gulosa dos trilhões de dólares que, no m ercado financeiro, “voam ” de um
lugar a outro com a rapidez dos faxes, à procura insaciável de m ais lucro, não é tratada com o
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