suporte de que resultaria inevitavelm ente a com unicabilidade do inteligido, o espanto diante da
vida m esm a, do que há nela de m istério. No suporte, os com portam entos dos indivíduos têm sua
explicação m uito m ais na espécie a que pertencem os indivíduo do que neles m esm os. Falta-lhes
liberdade de opção. Por isso, não se fala em ética entre os elefantes.
A vida no suporte não im plica a linguagem nem a postura erecta que perm itiu a liberação das
m ãos*.
Mãos que, em grande m edida, nos fizeram . Quanto m aior se foi tornando a solidariedade entre
m ente e m ãos, tanto m ais o suporte foi virando mundo e a vida, existência. O suporte veio
fazendo-se mundo e a vida, existêmia, na proporção que o corpo hum ano vira corpo consciente,
captador, apreendedor, transform ador, criador de beleza e não “espaço” vazio a ser enchido por
conteúdos.
A invenção da existência envolve, repita-se, necessariam ente, a linguagem , a cultura, a
com unicação em níveis m ais profundos e com plexos do que o que ocorria e ocorre no dom ínio
da vida, a “espiritualização”
do m undo, a possibilidade de em belezar com o de enfear o m undo e tudo isso inscreveria
m ulheres e hom ens com o seres éticos. Capazes de intervir no m undo, de com parar, de aj uizar,
de decidir, de rom per, de escolher, capazes de grandes ações, de dignificantes testem unhos, m as
capazes tam bém de im pensáveis exem plos de baixeza e de indignidade. Só os seres que se
tornaram éticos podem rom per com a ética. Não se sabe de leões que covardem ente tenham
assassinado leões do m esm o ou de outro grupo fam iliar e depois tenham visitado os “fam iliares”
para levar-lhes sua solidariedade. Não se sabe de tigres africanos que tenham j ogado bom bas
altam ente destruidoras em “cidades” de tigres asiáticos.
No m om ento em que os seres hum anos, intervindo no suporte, foram criando o mundo,
inventando a linguagem com que passaram a dar nom e às coisas que faziam com a ação sobre o
m undo, na m edida em que se foram habilitando a inteligir o m undo e criaram por conseqüências
a necessária com unicabilidade do inteligido, j á não foi possível existir a não ser disponível à
tensão radical e profunda entre o bem e o m al, entre a dignidade e a indignidade, entre a
decência e o despudor, entre a boniteza e s feiúra do m undo. Quer dizer, j á não foi possível existir
sem assumir o direito e o dever de optar, de decidir, dr lutar, de fazer política. E tudo isso nos traz
de novo à im periosidade da prática formadora, de natureza em inentem ente ética. E tudo isso nos
traz de novo à radicalidade da esperança. Sei que as coisas podem até piorar, m as sei tam bém
que é possível intervir para m elhorá -las.
Gosto de ser hom em , de ser gente, porque não está dado com o certo, inequívoco, irrevogável que
sou ou serei decente, que testem unharei sem pre gestos puros, que sou e que serei j usto, que
respeitarei os outros, que não m entirei escondendo o seu valor porque a invej a de sua presença
no m undo m e incom oda e m e enraivece. Gosto de ser hom em , de ser gente, porque sei que a
m inha passagem pelo m undo não é predeterm inada, preestabelecida. Que o m eu “destino” não é
um dado m as algo que precisa ser feito e dr cuj a responsabilidade não posso m e exim ir. Gosto de
ser gente porque a História em que m e faço com os outros e de cuj a feitura tom o parte é um
tem po de possibilidades e não de determ inism o. Daí que insista tanto na problematização do
futuro e recuse sua inexorabilidade.
* Ver: The Cam bridge Ency clopedia of Language. Cry stal, Davi', Cam bridge, Cam bridge
University Press, 1987.
2.2 – Ensinar exige o reconhecim ento de ser condicionado
Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado m as, consciente do
inacabam ento, sei que posso ir m ais além dele. Esta é a diferença profunda entre o ser
condicionado e o ser determ inado. A diferença entre o inacabado que não se sabe com o tal e o
inacabado que histórica e socialm ente alcançou a possibilidade de saber-se inacabado. Gosto de
ser gente porque, com o tal, percebo afinal que a construção de m inha presença no m undo, que
não se faz no isolam ento, isenta òa influência das forças sociais, que não se com preende fora da
tensão entre o que herdo geneticam ente e o que herdo social, cultural e historicam ente, tem
m uito a ver com igo m esm o. Seria irônico se a consciência de m inha presença no m undo não
im plicasse j á o reconhecim ento da im possibilidade de m inha ausência na construção da própria
presença. Não posso m e perceber com o um a presença no m undo m as, ao m esm o tem po,
explicá-la com o resultado de operações absolutam ente alheias a m im . Neste caso o que faço é
renunciar à responsabilidade ética, histórica, política e social que a prom oção do suporte a mundo
nos coloca. Renuncio a participar a cum prir a vocação ontológica de intervir o m undo. O fato de
m e perceber no m undo, com o m undo e com os outros m e põe num a posição em face do m undo
que não é de quem nada tem a ver com ele. Afinal, m inha presença no m undo não é a de quem
a ele se adapta m as a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas
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