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Antes do Baile Verde
é em italiano. Era um cortejo de bailarinos descalços carregando
guirlandas de flores, como se estivessem indo para uma festa. Mas
não era uma festa, estavam todos tristes, os amantes separados e
chorosos atrás do amor morto, um menininho encaracolado e nu,
estendido numa rede. Ou num coche?… Tinha flores espalhadas
pela estrada, o cortejo ia indo por uma estrada. Um fauno menino
consolava a amante tão pálida, tão dolorida…
Ela concentrou-se.
— Esse quadro estava na vitrina?
— Perto do lustre que fazia blim-blim.
— Não sei, mas assim como você descreveu é triste demais.
Juro que não gostaria de ter um quadro desses em casa.
— Mais triste ainda era o anão.
— Tinha um anão na gravura?
— Não, ele não estava na gravura, estava perto.
— Mas… era um anão de jardim?
— Não, era um anão de verdade.
— Tinha um anão na loja?
— Tinha. Estava morto, um anão morto, de smoking, o caixão
estava na vitrina. Luvas brancas e sapatinhos de fivela. Tudo nele
era brilhante, novo, só as rosas estavam velhas. Não deviam ter pos-
to rosas assim velhas.
— Eram rosas brancas? — perguntou ela guardando o fio de
contas na caixa. Baixou a tampa com um baque metálico. — Eram
rosas brancas?
— Brancas.
— As rosas brancas murcham mais depressa. E fazia calor.
Ele inclinou a cabeça para o peito e assim ficou, imóvel, os
olhos cerrados, as pálpebras crispadas. O cigarro apagou-se entre
seus dedos.
— Lorena…
— Hum?
— Vamos tomar um chá. Um chá com biscoitos, quero biscoitos.
Ela levantou-se. Fechou o livro que estava lendo.
— Ótimo, faço o chá. Só que o biscoito acabou, posso arrumar
umas torradas, bastante manteiga, bastante sal. Hum?
— Eu vou comprar os biscoitos — disse ele, tomando-lhe a ca-
beça entre as mãos. — Minha linda Lorena. Biscoitos para a linda
Lorena.
Ela desvencilhou-se rápida.
— Vou pôr água para ferver. Pega o dinheiro, está na minha bolsa.
— No armário?
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