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Lygia Fagundes Telles
Ele cobriu o globo com as mãos. Bafejou sobre elas.
— É uma bola de cristal, Lorena — murmurou com voz pesa-
da. Suspirou gravemente. — Por enquanto só vejo assim uma fuma-
ça, tudo tão embaçado…
— Insista, Miguel. Não está clareando?
— Mais ou menos… espera, a fumaça está sumindo, agora
está tão mais claro, puxa, que nítido! O futuro, Lorena, estou ven-
do o futuro! Vejo você numa sala… é esta sala! Você está de verme-
lho, conversando com um homem.
— Que homem?
— Espera, ele ainda está um pouco longe… Agora vejo, é seu
pai. Ele está aflito e você procura acalmá-lo.
— Por que está aflito?
— Porque ele quer que você me interne e você está resistindo,
mas tão sem convicção. Você está cansada, Lorena querida, você
está quase chorando e diz que estou melhor, que estou melhor…
Ela endureceu a fisionomia. Limpou a unha com a ponta da
agulha.
— E daí?
— Daí seu pai disse que não melhorei coisa nenhuma, que não
há esperança — repetiu ele inclinando-se, as mãos nos olhos em posi-
ção de binóculo postado no globo. — Espera, está entrando alguém de
modo tão esquisito… eu, sou eu! Estou entrando de cabeça para baixo,
andando com as mãos, plantei uma bananeira e não consegui voltar.
Ela enrolou o fio de contas no pescoço, segurando firme a agu-
lha para as contas não escaparem. Riu, alisando as contas.
— Plantar bananeira justo nessa hora, amor? Por que você
não ficou comportadinho? Hum?… E o que foi que meu pai fez?
— Baixou a cabeça para não me ver mais. Você então me olhou,
Lorena. E não achou nenhuma graça em mim. Antes você achava.
Vagarosamente ela foi recolhendo o fio. Deslizou as pontas
dos dedos pelas contas maiores, alinhando-as.
— Fico sempre com medo que você desabe e quebre o vaso, os
copos. E depois, cai tudo dos seus bolsos, uma desordem.
Ele recolocou o peso na mesa. Encostou a cabeça na poltrona
e ficou olhando para o teto.
— Tinha um lustre na vitrina do antiquário, lembra? Um lustre
divertido, cheio de pingentes de todas as cores, uns cristaizinhos ba-
lançando com o vento, blim-blim… Estava ao lado da gravura.
— Que gravura?
— Aquela já carunchada, tinha um nome pomposo, Os Fu-
nerais do Amor, em italiano fica bonito, mas não sei mais como
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