NOVOS ESTUDOS 101 ❙❙ MARÇO 2015
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O REAL E A HISTÓRIA
O RETORNO DO REAL
de Foster, Hal. Tradução de Célia Euvaldo. São Paulo: CosacNaify, 2014.
Otavio Leonidio
Os problemas em torno dos quais O retorno do real se constitui são
imensos. Eles têm pautado o pensamento e a prática de críticos e artis-
tas desde meados dos anos 1960 – ou seja, há exatamente meio século;
de um modo ou de outro, e sobretudo no que concerne à questão do
significado da arte dita contemporânea, dizem respeito a uma questão
crucial: a crise da concepção de história sobre a qual a arte vinha sendo
(e, parcialmente pelo menos, ainda vem sendo) produzida desde o ro-
mantismo. Mais especificamente, a questão central de O retorno do real
é a eventual superação de um “historicismo persistente que julga a arte
contemporânea atrasada, redundante e repetitiva” (p. 30). Em certo
sentido, portanto, Foster se vê aqui às voltas com os mesmos desa-
fios e dilemas de uma geração de artistas e críticos que, como afirmou
um de seus maiores expoentes, Robert Smithson, percebeu que “uma
cons ciência transistórica emergiu nos anos sessenta”
1
.
A agenda de Foster não coincide, todavia, com a dos artistas ses-
sentistas. Pois o que está em jogo para ele é também, e talvez sobre-
tudo, a viabilidade de uma modalidade discursiva (a crítica de arte)
que, desde o romantismo, busca o significado das obras de arte na in-
terseção entre qualidade estética (vinculada à noção transcendental
de experiência estética) e pertinência histórica (vinculada à situação
das obras de arte no quadro geral da História da Arte). Ou seja, o que
está em jogo para Foster são as condições de possibilidade de um
discurso crítico cujos fundamentos em larga medida coincidem com
o próprio advento (em fins do século XVIII) do historicismo – pre-
cisamente os fundamentos que a arte dos anos 1960 pôs em xeque.
Quer dizer, diferentemente do que ocorre com boa parte da práxis ar-
tística dos anos 1960 e 1970, Foster pretende salvaguardar a prática
crítica tradicional. Como? Dotando-a de um vocabulário conceitual
[1] Smithson, Robert. “Ultramo
dern”. Arts Magazine, v. 42, nº 1, set.
out. 1967, p. 31. Minha tradução.
CRÍTICA
10.1590/S0101-33002015000100010
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Otavio Leonidio
“pós-histórico” (p. 25) não apenas operativo mas igualmente legiti-
mável num ambiente de crescente desprestígio das “grandes narrati-
vas” – as históricas, sobretudo
2
.
A solução encontrada por Foster lança mão do conceito de “neo-
vanguarda”, compreendido aqui de modo idiossincrático, i.e., em
termos da noção de “Nachträglichkeit” (“efeito a posteriori” ou, literal-
mente, “ação retardada”). Tomada de empréstimo à teoria psicanalí-
tica, a noção supõe que “um evento só é registrado por meio de outro
que o recodifica; só chegamos a ser quem somos no efeito a posteriori
(Nachträglichkeit)”. Toda a argumentação de Foster parte pois da hipó-
tese de que “a vanguarda histórica e a neovanguarda são constituídas
de maneira semelhante, como um processo contínuo de protensão e
retenção, uma complexa alternância de futuros antecipados e passa-
dos reconstruídos” (p. 46). Nessa perspectiva, supostamente cairia
por terra o argumento (levantado por Peter Bürger em Teoria da van-