3. A etnização de uma cidade
As comemorações do centenário de Joinville em 1951 movimentaram toda a cidade
com festividades, desfiles, publicações de livros e revistas que buscavam contar a história da
Colônia, destacando como os imigrantes encontraram essas terras entre manguezais e florestas
virgens. Revertendo essas adversidades naturais em uma cidade próspera, pacata, industriosa,
e de pessoas honestas e trabalhadoras, trazendo na memória todo o orgulho do imigrante
trabalhador. Podendo visualizar todos esses adjetivos, principalmente, em lugares de memória
como praças, monumentos, escolas, hino da cidade, discursos recorrentes, tanto proferidos
pela imprensa, quanto por empresários e políticos; celebrando a data de comemoração da
fundação de Joinville: o 9 de março de 1851.
A partir de então o discurso direcionava - podemos até dizer direciona? - toda a
construção da história da cidade em um único sentido, o mito fundador. Associações como a
SAJ- Sociedade Amigos de Joinville promoveram concursos de literatura, apoiaram às
sociedades que guardavam as tradições vindas com os imigrantes germânicos, como as
sociedades de tiro, os bombeiros voluntários, sociedades de dança, exposições, desfiles
cívicos, e investiram grandes esforços em atos comemorativos.
Por fim, retornamos ao principal espaço de memória da cidade de Joinville: o MNIC,
cujos esforços de seus administradores, que o idealizaram como um templo, transformaram-
no em um monumento, destinado a contar uma história, a de seus antepassados, os imigrantes
pioneiros, reforçando os movimentos iniciados em 1951, que visavam destacar a importância
do imigrante alemão para Joinville.
Silenciados pela força, no período da Nacionalização imposta por Vargas, e ameaçados
por pessoas consideradas intrusas, em uma terra prometida somente para o ordeiro povo
alemão. O museu distanciando-se de seu objetivo decretado na lei nº 3.188, de 02/07/1957,
exalta e exibe de forma explicita a presença germânica nos seus espaços de visitação e em sua
museografia em detrimento a outros grupos étnicos que viveram, e que vivem ainda hoje, na
cidade de Joinville e no sul do Brasil.
68
O Museu Nacional de Imigração e Colonização de Joinville: etnização e exclusão - o caso da erva-mate - Elaine
Cristina Machado e André Rosa da Costa Corrêa
Revista Santa Catarina em História - Florianópolis - UFSC – Brasil ISSN 1984-3968, v.8, n.1, 2014.
Os engenhos de erva-mate remetem a um contexto muito curioso e interessante para a
História da cidade, que remetem ao inicio do século XX. São objetos silenciados por um
discurso estabelecido no momento da inauguração do MNIC, que os encerraram e os
relegaram a uma atmosfera de esquecimento. A História desses engenhos está ligada
diretamente a uma elite, luso-brasileira, que não dialoga com os discursos eleitos para estar no
museu. Onde se faz necessário esquecer, de forma a dispor em meio a uma museografia difusa
nos espaços expositivos do museu a memória da presença luso-brasileira em Joinville,
sugerindo ao visitante uma única leitura acerca da História da cidade.
Diante desses engenhos de erva-mate impressionantes, o MNIC vem tentando
transformar, nos últimos anos, o abandono em questionamento, entendendo que para ocorrer
de forma eficaz essa mudança, a Educação Patrimonial tem grande importância nesta
transformação. A partir deste entendimento por parte de educadores, professores, estudantes,
monitores e todos os envolvidos, poderemos então desenhar um caminho mais aberto e
democrático para debater o porquê essa História não pertencia a todos que participaram da
imigração e colonização do sul do Brasil, assim como define a lei federal que decretou a
criação do MNIC.
Entre os espaços de visitação de um Museu ou mesmo outros espaços públicos
espalhados pela cidade, como uma simples praça ou um monumento ao imigrante, ou pelas
múltiplas cidades que formam Joinville, devemos sempre duvidar e questionar o que vemos e
o que nos dizem esses lugares. Um Museu pode nos transmitir algo decodificado em que se
naturaliza uma verdade através de discursos de poder, esquecimentos ou de produção da
verdade, como nos chama a atenção Foucault, para o fato de que: “somos submetidos ao
poder pela produção da verdade, e só podemos exercê-lo através da produção da verdade”
21
,
reproduzindo discursos que sustentam o poder. O que torna os espaços em questão, como o
Museu, um espaço de reprodução de poder, reprodução da verdade. Passando muitas vezes
despercebido o fato que os espaços falam. Somente precisamos aprender a ouvir.
21
FOUCAULT, Op. cit. p. 279
69
O Museu Nacional de Imigração e Colonização de Joinville: etnização e exclusão - o caso da erva-mate - Elaine
Cristina Machado e André Rosa da Costa Corrêa
Revista Santa Catarina em História - Florianópolis - UFSC – Brasil ISSN 1984-3968, v.8, n.1, 2014.
Compartilhe com seus amigos: |