2. O engenho de erva-mate
Um engenho, em especial quando adentramos no galpão de tecnologia do MNIC, nos
chama a atenção: o engenho de erva-mate. Assombra-nos a sua complexidade e tamanho,
construídos de forma artesanal, com um conhecimento preciso de engenharia, marcenaria, e,
também, pela sua disposição museográfica fragmentária e pela ausência de referências.
Qual relação esse engenho de erva-mate tem com a cidade de Joinville? O que esses
engenhos enormes e complexos nos dizem a respeito do passado da cidade, dentro de um
museu destinado a tratar da memória da imigração e da colonização no sul do Brasil? Embora
tenha resignificado este propósito, tratando essencialmente da imigração teuta para Joinville.
E, caminhando pelas ruas de Joinville não encontramos referências a esses engenhos
de erva-mate; qual foi sua importância histórica; devido a seu tamanho e complexidade, a
quantidade desprendida de energia para a sua elaboração e manutenção deveria nos dizer algo.
Referências em monumentos, praças e prédios, no costume das pessoas no consumo ou não de
erva-mate, no cotidiano da cidade. Também pouco nos dizem esses espaços onde se
encontram os engenhos. Esquecimento intencional? O silêncio é uma estratégia utilizada para
encobrir um discurso que conduz ao esquecimento.
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O Museu Nacional de Imigração e Colonização de Joinville: etnização e exclusão - o caso da erva-mate - Elaine
Cristina Machado e André Rosa da Costa Corrêa
Revista Santa Catarina em História - Florianópolis - UFSC – Brasil ISSN 1984-3968, v.8, n.1, 2014.
Dentre algumas fontes investigadas podemos citar a publicação da historiadora e
professora Raquel S. Thiago: “Coronelismo Urbano em Joinville: O caso Abdon Baptista”.
Suas análises incidem nas políticas de Abdon Baptista, baiano, ervateiro, que viveu em
Joinville entre o fim do século XIX e inicio do século XX. O mesmo possuía grandes
engenhos de beneficiamento de erva-mate, entre outros produtos comercializados e
exportados para vários países da América do Sul e Europa, através do porto de São Francisco
do Sul.
A construção da Estrada Dona Francisca na década de 1870, facilitou o transporte da
erva-mate do planalto norte catarinense e sul do Estado do Paraná, para a cidade de Joinville,
onde eram processadas toneladas do produto em engenhos construídos para dinamizar a
demanda. Antes da construção da estrada, ou se transportavam por picadas, em pequenas
quantidades, ou seguiam para o porto de Paranaguá, o que demandava tempo e elevavam os
custos desta empreitada.
A indústria ervateira mudou o cotidiano da colônia,
O processo pelo qual se desenvolvia a economia ervateira em Joinville
iniciava-se no planalto, de onde era extraída a erva e beneficiada com mão-
de-obra cabocla; numa segunda etapa, o produto beneficiado era
transportado em carroções por teuto brasileiros. Finalmente, em Joinville,
dava-se a industrialização, comandada por luso-brasileiros na maioria, e com
mão-de-obra teuto-brasileira.
10
A produção seguia por navios, enriquecendo assim os ervateiros, como eram
conhecidos esses comerciantes e donos de engenhos de erva-mate. Transformando-os em uma
poderosa força política e econômica, uma nova força política, confrontando a elite germânica,
principalmente pela comercialização e industrialização da erva-mate, por ser um produto de
baixo custo e que alcançava imensos lucros nos mercados nacionais e internacionais.
O que intensifica assim a migração de ervateiros advindos do Paraná. Segundo Raquel
S. Thiago: “Assim é que em 1877, Antônio Sinke, paranaense, instalava em Joinville os
primeiros engenhos de erva-mate. Outros paranaenses também se instalaram com seus
engenhos em Joinville [...]”.
11
10
S.THIAGO, Raquel. Coronelismo Urbano em Joinville: o caso Abdon Baptista. Ed. Governo do Estado de
Santa Catarina, Florianópolis. 1988.
11
S.THIAGO, Op.cit. 1988, p.30-31.
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Esses ervateiros se uniram para melhorar o beneficiamento e aumentar de forma
sensível o lucro de seus empreendimentos. Fundaram assim a Companhia Industrial. Seus
acionistas, predominantemente luso-brasileiros ampliaram seus negócios, também para o
Paraná, onde dominavam o comércio do produto incluindo o planalto norte catarinense.
Importavam, em contra partida, produtos manufaturados para suprir toda essa região em que
atuavam. Além de transportar, através da navegação de cabotagem cal para o Rio de Janeiro e
São Paulo, ainda traziam sal do Rio Grande do Norte para a pecuária e abriram uma filial do
Banco Industrial e Construtor do Paraná, para facilitar suas operações bancarias. Sendo os
proprietários do primeiro banco de Joinville.
12
Segundo a autora, essa atividade comercial ervateira impulsionou a então colônia
Dona Francisca a um desenvolvimento econômico que permitiu o colono permanecer na
localidade, pois muitos migraram para outras regiões mais frias e com melhores condições de
vida. Envolveram-se com o transporte, a fabricação de barricas para o acondicionamento do
mate a ser exportado e toda a mão-de-obra, direta ou indireta, que se exigia desse e de outros
empreendimentos ligados ao comercio ervateiro.
A pesquisa realizada por S. THIAGO trata de um tema muito comum no nordeste
brasileiro: o coronelismo, contudo, através dessa pesquisa, segundo a autora, o coronelismo
urbano
13
não seria um fenômeno estritamente nordestino. Centrando suas atenções em Abdon
Baptista, dono de engenhos de erva-mate e de grande influência social e política em toda a
região, especialmente Joinville, a autora percebeu que a postura e atitudes do personagem
remetiam as mesmas de um coronel "tipicamente nordestino". Abdon Baptista tornou-se então
uma figura influente e de grande apelo popular. Foi eleito vereador, deputado estadual,
deputado federal, senador, vice-governador de Santa Catarina e Governador em exercício,
sendo também superintendente (prefeito) de Joinville de 1915-1918, se estendendo até 1921.
Não é de admirar, pois que ao período de grande progresso no nordeste
catarinense que abrangeu especialmente a primeira década deste século,
tenha correspondido a uma época de intensa atividade comunitária e
liderança política de Abdon Baptista e dos demais componentes da
oligarquia do mate. É o caso do Procópio Gomes de Oliveira em cujos
governos (1907-1913) foram construídos os prédios do Hospital Municipal
12
S. THIAGO, Idem, Ibdem, p.32-33.
13
S. THIAGO, Op., cit. p. 41-44. Ver também: LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e Voto: o município
e o regime representativo no Brasil. São Paulo, Alfa Omega, 1975.
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São José, do Clube Joinville, e do Mercado Municipal. Foi um período de
poderio, influência e ação da oligarquia do mate que encarnou em Abdon
Baptista o seu maior representante, o chefe local com influência de âmbito
estadual e federal, quando o coronelismo se fez presente em Joinville, no
período da primeira república, fenômeno comum em todo o Brasil.
14
Ligado à família Gomes de Oliveira detentora de grande influência política e
latifundiária em toda a região nordeste de Santa Catarina, litoral do Paraná e Curitiba
15
,
Abdon Baptista, e todos os lusos brasileiros envolvidos com a produção ervateira, em geral,
ligados a essa mesma família Gomes de Oliveira, foram vistos com desconfiança e como uma
ameaça política aos teuto-brasileiros e a idealização do germanismo que alguns queriam
implantar em Joinville.
A imprensa era utilizada como arma política, pelos dois lados, tanto pelos luso-
brasileiros, quanto por teuto-brasileiros que disputavam o controle do eleitorado da cidade.
Sendo o jornal, uma arma importantíssima nesta conquista dos votos. Os teuto-brasileiros
defensores do germanismo acusavam alguns alemães de se venderem, e publicavam discursos
atacando os adversários, lusos e teutos brasileiros como neste artigo publicado no “Kolonie
Zeitung” de 3/11/1898:
Por acaso está escrito nos astros que os descendentes de portugueses
ocuparão eternamente uma posição dominadora? Pelo que sabemos, isto já
foi lamentado um sem número de vezes, como uma desgraça para o país; a
raça que se denomina „Brasileira‟ já foi negada várias vezes a capacidade de
levar este país, tão ricamente dotado, a prosperidade. Que nós, os
estrangeiros, lhes prestamos os mais preciosos serviços no campo
administrativo e econômico não precisamos avisar mais uma vez [...]. É
absolutamente desnecessário que descendentes de “pés de chumbo” estejam
sentados nas cadeiras de presidentes, nas repartições federais, nos cargos
administrativo
16
Esse discurso reflete a dimensão das disputas políticas entre teuto-brasileiros e os luso-
brasileiros, já no fim do século XIX e início do século XX, evidenciando a não aceitação e
insatisfação por parte de alguns teuto-brasileiros, da interferência de lusos brasileiros na
política da cidade. Sendo por um período, impossível de se realizar, o que muitos dos teuto-
14
S.THIAGO. Op., cit. 1988, p. 44.
15
OLIVEIRA, Ricardo Costa. “Homens Bons” da Vila de Nossa Senhora da Graça do Rio de São Francisco do
Sul. Uma “Elite Senhorial” do Brasil Meridional nos séculos XVIII e XIX. Revista do Arquivo Histórico de
Joinville,v.1, n.1, p. 127-154, 2007.
16
S. THIAGO, op., cit. p. 84. Artigo publicado no jornal Kolonie Zeitung de 3/11/1898.
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brasileiros, adeptos do germanismo
17
, pretendiam.
O poder político e econômico que o beneficiamento da erva-mate trouxe para a região
perdurou até os meados dos anos 1920, quando as reservas de ervais do planalto norte
catarinense e sul do Paraná quase que se extinguiram, além das barreiras geradas pela questão
do Contestado.
Este produto foi imprescindível para a estruturação econômica da cidade de
Joinville
18
. Os carroções chamados de São Bentowagen circulavam varias vezes por mês do
alto da serra, abarrotados de erva-mate, e retornavam com outros produtos serra acima.
Segundo a historiadora Elly Herkenhoff em 1901 a cidade contabilizava “mais de 200
carroções”.
19
Podemos imaginar assim a quantidade de carroções e o movimento dos mesmos
entre o planalto e a cidade de Joinville nesse período. Isso se refletiu na política: o domínio
luso-brasileiro foi total no inicio do século XX.
[...] Através de Abdon Baptista, Canac foi prefeito no período 1890-1891.
Abdon Baptista, entre 1892-1893 e Procópio Gomes de Oliveira, entre 1903
e 1906. Esta liderança perdurou até 1921, pois Procópio foi eleito novamente
prefeito para o período de 1911-1914 e Abdon Baptista voltou à prefeitura
entre 1915-1921.
20
Esse domínio luso-brasileiro, que incomodou alguns indivíduos da elite teuto-
brasileira da época se perpetuou através dos anos de 1930, com o golpe de Getúlio Vargas, até
a queda de seu governo, após o ano de 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial. Durante
o governo Vargas, foram implantadas políticas de “abrasileiramento” do Brasil. Obrigando
aos estrangeiros, ou descendentes de imigrantes, a falar somente o português, punindo aos que
não respeitassem a lei com prisões, torturas e outras formas de humilhação impostas a partir
deste momento conhecido como “Campanha de Nacionalização”. Essa política foi um choque
imediato para todos os imigrantes, especialmente para os teuto-brasileiros que moravam em
Joinville e que mantinham um ethos germânico, onde a língua era sua maior manifestação
17
S. THIAGO, op. cit. p. 88. A autora sublinha em sua investigação que nem todos os teuto-brasileiros eram
contra o poder luso, entretanto essa manifestação corrobora com a politica desses mesmos lusos.
18
S. THIAGO, op. cit. 1988.
19
HERKENHOFF, Elly. Era uma vez um simples caminho...: fragmentos da história de Joinville. Joinville:
Fundação Cultural de Joinville, 1987. p. 85. In. : SOSSAI, Fernando Cesar; COELHO, Ilanil. Engenhos:
fragmentos sobre a história da alimentação de Joinville. Joinville: Univille, 2012.
20 S. THIAGO, op. cit. 1988. Podemos encontrar também em: Álbum Histórico do centenário de Joinville-SAJ:
1951. p. 76.
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