O GRUPO ESCOLAR DE ITAÚNA: CONSTITUIÇÃO, TRAJETÓRIAS E
MEMÓRIAS
1
Vânia de Araújo Silva
2
Universidade São Francisco
vdearaujosilva@gmail.com
Palavras-chave: Grupo Escolar. História das Instituições Educativas. História da Educação.
Esta pesquisa de doutorado, em andamento, aprofunda questões relativas à história da
educação da infância em Itaúna, cidade do interior do estado de Minas Gerais, ao final do
século XIX e início do século XX.
Constituído, à sua escala, pela multidimensionalidade do universal, o local
comporta especificidades. Ele não configura uma réplica do global, nem
corresponde à miniatura ou à elementaridade do universal: é uma
singularidade, cujas marcas de diferenciação lhe conferem uma existência
como totalidade em organização e evolução (MAGALHÃES, 2010, pág. 28).
A pesquisa procura dar visibilidade às práticas imbricadas no cotidiano escolar por
professores, alunos e demais sujeitos no período em que o ensino primário passou a ter uma
nova organização em Minas Gerais em decorrência da Lei nº 439, de 28 de setembro de 1906,
a chamada Reforma João Pinheiro. Nesse universo, temos a preocupação com a higiene e
salubridade do ambiente escolar, a valorização da disciplina e do controle, a racionalização do
espaço e dos tempos, a criação e a especialização de categorias profissionais que passaram a
compor a organização escolar, dentre outros aspectos. Para educadores, políticos e intelectuais
mineiros a reforma do ensino elevaria a educação à condição de instrumento eficaz para a
formação de um homem renovado: o cidadão republicano. A educação seria, então,
responsável pela prevenção de ações e comportamentos nocivos à sociedade, uma vez que
através dela, ao homem seria dada nova conformação em seus aspectos físico, social e moral.
Temos por objetivos ampliar o conhecimento sobre a constituição do Grupo Escolar de
Itaúna e os consequentes desdobramentos na história da educação itaunense e conhecer a
trajetória dos alunos ingressantes no 1º ano em 1908, ano da criação do citado grupo escolar.
Consideramos que a trajetória trilhada pelos alunos trará indícios e evidências das estratégias
que viabilizaram a inserção, a permanência ou a exclusão dos mesmos no universo escolar.
Temos também como objetivo, conhecer as representações de escola evidenciadas pelos
alunos do Grupo Escolar de Itaúna matriculados nos anos seguintes à sua constituição.
Muitos são os aspectos que ainda não foram abordados nas poucas pesquisas que já
foram feitas acerca da história da educação itaunense. Esse desconhecimento acerca da
escolarização da infância em Itaúna nos impele a promover novas pesquisas, sobre as escolas
isoladas e especialmente sobre o Grupo Escolar de Itaúna e aprofundar de maneira minuciosa
e abrangente como se deu o processo de sua constituição e os desdobramentos posteriores.
Ampliar o conhecimento que se tem acerca da história da educação primária itaunense, dar
visibilidade às práticas imbricadas no cotidiano escolar de professores e alunos do Grupo
Escolar de Itaúna nos períodos posteriores à sua constituição em 1908 é tarefa importante e
necessária.
Sendo parte integrante do Projeto Educação e Relações Sociais na História, este estudo
parte da hipótese de que os grupos escolares, enquanto espaços intimamente articulados a uma
dada concepção educacional e respectiva organização do ensino, também podem ser
pesquisados como espaços que contribuíram para a emergência de sensibilidades relativas ao
corpo, que fomentaram rearranjos nos padrões de sociabilidades da época – padrões que
extrapolaram os muros escolares e amalgamaram-se às dinâmicas e práticas culturais urbanas.
Também consideramos, como afirmam Faria Filho e outros (2004), que os praticantes
da cultura escolar desenvolvem suas práticas a partir de seus lugares, de suas posições no
interior de um sistema de forças assimétricas. Acreditamos, como os autores citados que essas
práticas se constituem a partir da perspectiva vislumbrada por cada ponto de vista onde cada
sujeito se posiciona.
A pesquisa tem procurado, então, dar a conhecer os sujeitos envolvidos e os lugares
por eles ocupados na educação primária itaunense. Importa saber quais as apropriações que os
alunos e professores fizeram dos procedimentos e da materialidade prescritos pela Reforma
João Pinheiro, em Minas Gerais, em 1906.
Os referenciais teóricos que subsidiam nosso trabalho advêm das contribuições de
Agustin Escolano, Antonio Viñao Frago, Diana Gonçalves Vidal, Justino Pereira de
Magalhães, Irlen Antônio Gonçalves, Luciano Mendes de Faria Filho, Moysés Kuhlmann
Júnior, Rosa Fátima de Souza, dentre outros.
Todos estes estudos vêm apresentar pesquisas que nos remetem aos espaços
educativos, a constituição dos grupos escolares em vários estados brasileiros, o entendimento
da cultura escolar construída, evidenciando suas origens teóricas, contexto de produção,
fontes de investigação. Em seu conjunto, estes elementos são importantes instrumentos que
possibilitam compreender a instituição educativa em seus vários aspectos, como se configurou
a cultura escolar no período pesquisado e também por permitir um estudo mais aprofundado
dos elementos que consolidaram a educação no Grupo Escolar de Itaúna e nas escolas
isoladas itaunenses.
Magalhães nos mostra que,
[...] a história da educação vêm encontrando, no local e no institucional,
uma outra perspectiva de renovação, centrando-se na interação sujeito-
realidade, ampliando as fontes de informação (arquivísticas, museológicas),
conferindo significado aos acontecimentos e aos testemunhos regionais e
locais – abordados no seu contexto e cruzados com fontes nacionais ou
gerais (MAGALHÃES, 2010, pág. 28).
Ainda segundo Magalhães (2004, p. 62), “à noção de instituição corresponde uma
memória, um historicismo, um processo histórico, uma tradição, em permanente atualização –
totalidade em organização”.
Também Gatti Júnior nos aponta que
As escolas apresentam-se como locais que portam um arsenal de fontes e de
informações fundamentais para a formulação de interpretações sobre elas
próprias e sobretudo, sobre a história da educação brasileira (GATTI
JÚNIOR, 2002, p. 4).
Por sua vez, para Faria Filho,
a noção de cultura escolar é entendida como a forma como em uma situação
histórica concreta e particular são articulados e representadas, pelos sujeitos
escolares, as dimensões espaço-temporais do fenômeno educativo escolar, os
conhecimentos, as sensibilidades e os valores a serem transmitidos, a
materialidade e os métodos escolares (FARIA FILHO, 2003, p.85).
Assim, torna-se possível verificar como se deram as relações entre os vários elementos
que compuseram uma determinada instituição educativa, tais como seus sujeitos, conteúdos,
tempos, espaços, cultura, sociedade, entre outros. Magalhães (2004), nos mostra que estes
elementos interagem, articulam consigo próprios e com o contexto, construindo
permanentemente a identidade dessa instituição. Desta interação, surgem as práticas escolares
tecidas no cotidiano, as apropriações dos métodos de ensino utilizados, a construção dos
sujeitos e suas relações em meio a modelos e regulamentos prescritos. Então, para
entendermos uma instituição educativa torna-se necessário compreendermos quem são os
sujeitos que a compõem, como se organizam e como suas ações dão vida às suas
representações deixando à mostra suas histórias e suas memórias.
A metodologia utilizada é a problematização das fontes conservadas em arquivos
públicos e particulares mineiros. Na perspectiva da história sociocultural da educação está
sendo realizado um trabalho com as fontes produzidas pelo poder público, por meio da
legislação e outro trabalho com fontes diversas, primárias e secundárias, sobre as escolas
isoladas e o Grupo Escolar de Itaúna. Essas fontes se constituem de livros de registros,
biografias, autobiografias, livros de memórias, fotografias e periódicos locais. “O fato de uma
fonte não ser “objetiva” (mas nem mesmo um inventário é “objetivo”) não significa que seja
inutilizável. [...] Mesmo uma documentação exígua, dispersa e renitente pode [...] ser
aproveitada” (GIZBURNG, 2006, pág. 16).
Através da Lei nº 439, de 28 de setembro de 1906, o ensino primário mineiro passou a
ter uma nova organização
3
. Na constituição da escola, de forma diversa da existente até então,
havia um caráter eminentemente social e político na medida em que essa reestruturação tinha
como objetivo fazer com que a escola tornasse “mais efetiva a sua contribuição aos projetos
de homogeneização cultural e política da sociedade (e dos sujeitos sociais), pretendidos pelas
elites mineiras” (FARIA FILHO, 2000, p.31).
Para o trabalho de análise das fontes, tornou-se importante a contribuição de Bakhtin
(1997) ao discorrer sobre os gêneros do discurso.
Cada esfera conhece seus gêneros, apropriados à sua especificidade, aos
quais correspondem determinados estilos. Uma dada função (científica,
técnica, ideológica, oficial, cotidiana) e dadas condições, específicas para
cada uma das esferas da comunicação verbal, geram um dado gênero, ou
seja, um dado tipo de enunciado, relativamente estável do ponto de vista
temático, composicional e estilístico (BAKHTIN, 1997, p. 284).
Os gêneros do discurso são marcados pela situação em que foram produzidos. Importa
saber quem fala, para quem fala, com que objetivo e em que lugar social. Então, é preciso que
sejam analisadas as condições em que cada documento foi produzido, como se deu a sua
circulação, por quem e como foi recebido.
Por isso, ao manusear um jornal, necessitamos, antes de tudo, pensar,
juntamente com o s nossos mestres de ofício, em texto, contexto e técnicas
de produção; ou em discurso, na acepção de um texto observado na situação
de comunicação que o sustenta, o que supõe um posicionamento social e
historicamente marcado do sujeito que produziu o jornal (CAMPOS, p.59 e
60).
A afirmativa citada acima se aplica, portanto, aos jornais e às demais fontes
documentais referentes ao Grupo Escolar de Itaúna. As fontes a que nos referimos estão
conservadas no Arquivo Público Mineiro, em Belo Horizonte e em outros arquivos públicos e
particulares, tais como os da Escola Estadual Santana, Instituto Cultural Maria de Castro
Nogueira e no arquivo do próprio Grupo, hoje denominado Escola Municipal Augusto
Gonçalves
.
Há uma escassa documentação disponível a respeito da história da educação itaunense.
Como afirma Magalhães,
Frequentemente, historiar o local (território educativo, instituição, município
pedagógico) é defrontar-se com uma ausência de documentação ou com
informação pouco representativa, a que acrescem dificuldades em contrapor
ao hagiográfico, à efeméride, à memória, a visão do colectivo baseada em
fontes arquivísticas e na dialéctica entre memórias e arquivo.
(MAGALHÃES, 2010, pág. 30)
Não obstante a pouca documentação disponível, o entrecruzamento entre o referencial
teórico e as fontes analisadas tem nos apresentado importantes elementos quanto aos aspectos
sociais, econômicos, políticos e educacionais mineiros e itaunenses no período pesquisado. As
fontes também têm evidenciado conexões da escola com a cidade e o com o corpo, ao
conformar posturas, gestos, olhares, movimentação e ritmo no espaço escolar e para além
desse espaço.
Em linhas gerais, os registros apontam que a primeira escola pública de Santana do
São João Acima, antigo nome da cidade de Itaúna, foi criada ainda no ano de 1850, antes
mesmo da criação do município, no dia 16 de setembro de 1901, pela Lei mineira nº 319. A
“instalação solene da Vila de Itaúna” aconteceu no dia 2 de janeiro de 1902 (CARVALHO,
2001b, p. 9).
O Jornal Município de Itaúna, em sua edição de número 59, do dia primeiro de abril de
1906, teceu vários comentários sobre “a manutenção de umas modestissimas escolas
primarias disseminadas pelos povoados adjacentes aos districtos”. Tal manutenção era
promovida pela Municipalidade e o jornal referiu-se a ela como “um grande beneficio que
muito modestamente a nossa Municipalidade desde o seu inicio vem prestando aos seus
contribuintes”. O citado jornal chama a atenção para o fato de que a população, de maneira
geral, desconhecia a existência dessas escolas e atribui à simplicidade de suas instalações a
responsabilidade por essa situação. “Essas escolas são tão modestas que pouca gente que
dellas não se utilisa sabe-lhes a existencia”. Ainda de acordo com o Jornal, as escolas eram as
seguintes: “uma nos Campos e outra nos Garcias, districto desta villa; uma em Boa Vista, de
Conquista; uma em Cruz d'Almas, de Itatiayussú e uma em Salgado de Cajurú”. As mesmas
eram mistas e eram regidas “por pessoas que recebem da Municipalidade uns exiguos
vencimentos augmentados – muito parcamente – pelas contribuições que um ou outro
interessado possa fazer” (JORNAL MUNICÍPIO DE ITAÚNA, 1906, edição nº 59).
Os dados acima apresentados são importantes fontes para o aprofundamento da
pesquisa sobre o cenário educacional itaunense. Além de nomes, datas, lugares e remuneração
de professores, trazem ainda, alguns indícios e registros sobre a maneira como agiam alguns
professores que lecionaram antes da criação do Grupo Escolar de Itaúna, em 1908.
Em 1907, relatório apresentado pelo inspetor técnico da 33ª circunscrição literária,
Francisco Lopes de Azevedo, relativo à 2ª quinzena do mês de julho e datado de 6 de agosto
de 1907, informa, quanto a existência de escolas em Itaúna, que havia uma “escola do sexo
masculino, dirigida pelo normalista-agrimensor José Gonçalves de Mello, tendo naquela data
noventa e sete alunos matriculados. Havia também uma “escola do sexo feminino”, dirigida
pela normalista Maria Christina Edwards, com setenta e seis alunas matriculadas à época. O
relatório de Azevedo (1907), também dispõe sobre as escolas municipais existentes no ano de
1907.
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Os relatórios encontrados confirmam o que dispõe Magalhães, quando afirma que “as
principais fontes de informação sobre a escola respeitam a três áreas: a materialidade; a
organização e a acção pedagógico-didáctica; vivências e memórias” (MAGALHÃES, 2010,
pág. 35).
A necessidade de criação de um grupo escolar é manifestada, já em 1907, pelo
inspetor técnico Francisco Lopes de Azevedo, quando de sua visita à cidade de Itaúna. Tal
relatório enfatiza o desenvolvimento do município como justificativa para a criação de uma
escola primária mista
5
.
A edição do dia 10 de maio de 1908 do Jornal Município de Itaúna, trouxe em suas
notas corográficas a descrição do que dispunha Itaúna naquela época. Com palavras elogiosas,
o jornal assim inicia suas notas: “Itauna, pelas suas condições topographicas, pela exuberancia
de suas terras, pelo seu commercio e pelas suas industrias, está destinada a ser, em breve, um
dos primeiros centros commerciaes e industriaes de Minas”. Indústria pastoril,
estabelecimentos industriais e grandes cascatas são citados como fontes de riqueza.
O Decreto estadual nº 2.248, de 8 de julho de 1908, criou o Grupo Escolar de Itaúna e
o mesmo foi instalado no dia 7 de outubro de 1908. O número de alunos matriculados quando
da constituição e instalação do Grupo Escolar de Itaúna foi de 249 alunos.
O Grupo Escolar de Itaúna funcionou em um mesmo endereço de 1908 até o ano de
1924, quando em
[...] 15 de janeiro de 1924, [...] se transfere o grupo escolar do antigo prédio
da Praça da Matriz para o novo edifício, construído à rua Afonso Pena,
sendo Presidente do Estado o Dr. Raul Soares de Moura e Secretário do
Interior o Dr. Fernando de Melo Viana (DORNAS FILHO, 1936, p. 153).
A análise documental sobre o funcionamento do Grupo Escolar de Itaúna reporta-nos
aos sujeitos que vivenciaram as práticas escolares no período que antecede a sua constituição,
em 1908, bem como aos sujeitos dos períodos posteriores.
Consideramos, de acordo com Julia (2001, p. 11), que
as normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo
profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e,
portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua
aplicação, a saber, os professores primários.
Ainda, consideramos quanto às práticas escolares, conforme afirmam Faria Filho e
outros (2004), que os praticantes da cultura escolar desenvolvem suas práticas a partir de seus
lugares, de suas posições no interior de um sistema de forças assimétricas. Portanto,
importante se torna conhecer quem são os sujeitos que, envolvidos no complexo contexto
escolar, “produziram as práticas e se tornaram produtos das mesmas”, conforme os autores
acima citados. Inspetores técnicos, diretores, professores e alunos são exemplos desses
sujeitos.
Quanto à figura ao aluno, para melhor conhece-la, torna-se necessário conhecer a
história da infância.. É importante também, trazer as reflexões sobre a história da infância
para a história da educação e superar o entendimento que restringe a história da educação a
educação escolar.
Cabe, [...], ter em vista que ainda são escassas s pesquisas que se dedicam a
investigar a dinâmica social brasileira, considerando as lutas históricas dos
variados grupos sociais pela educação e a constituição de outros espaços de
afirmação da cidadania não atrelados à instrução escolarizada formal
(GOUVEA e SCHUELER, 2012, p. 349).
A produção da história cultural apresenta, em sua maioria, uma materialidade que
traduz representações sobre e para a infância e não uma produção da e pela própria criança.
Entretanto, há estudos que pesquisam produções esparsas como textos, desenhos, diários,
memórias e torna-se importante conhece-los.
Conhecer o aluno inserido no Grupo Escolar de Itaúna, através de uma materialidade
produzida por eles foi um dos objetivos iniciais da pesquisa. A ideia inicial era conhecer o
aluno através de diferentes pontos de vista, inclusive através de relatos elaborados pelos
mesmos. Entretanto, até o momento, foi encontrado somente um texto onde o autor fala de si
enquanto aluno do Grupo Escolar de Itaúna. Osório Martins Fagundes, no livro “Fragmentos
de um passado”, editado em Belo Horizonte no ano de 1977 discorre sobre a ocasião em que
ele e o irmão foram transferidos para o Grupo Escolar de Itaúna, vindos da cidade de São
Gonçalo do Pará/MG.
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