39
A preocupação com o elemento intercultural cresceu no mundo inteiro a
partir da Segunda Guerra Mundial por causa do aumento dos fluxos de pessoas e
comércio através
do mundo, como já foi dito acima. Os livros de Edward Hall
(1959)
The Silent Language e (1966)
The Hidden Dimension são
considerados
dois marcos dos estudos interculturais. Nessas obras, Hall lançou as bases para um
estudo mais científico e palpável dos fenômenos interculturais através da criação
de parâmetros para se entender as diferenças entre as culturas sem pré-conceitos.
As experiências pessoais de Hall ajudaram a sensibilizá-lo desde cedo para
as diferenças culturais. Ele teve contato muito cedo com comunidades indígenas
norte-americanas, afro-americanas e estrangeiras por ter crescido no Novo México
e servido no exército americano nas Filipinas e posteriormente no Ministério das
Relações Exteriores Americano na Europa e notou as dificuldades que surgiam
não só da falta de conhecimento linguístico por parte dos diplomatas americanos
como também do desconhecimento acerca de fatos até então considerados mais
sutis, relacionados à cultura, tradições, tabus (Rogers, Hart, & Miike 2002 : 3).
Hall foi influenciado por vários nomes importantes no início do século
XX, como os linguistas Whorf e Sapir e os antropólogos Boas e Rose Benedict.
Esses estudiosos foram representantes do que se convencionou chamar
relativismo linguístico/cultural – teoria que teve
uma leitura por vezes mais
radical, o determinismo (Dourado & Poshar 2002 : 4).
As raízes do relativismo - ou mesmo do determinismo – estavam já
presentes nas ideias dos estudiosos alemães Herder e Wilhelm von Humboldt, que
no contexto do Romantismo e da formação das identidades nacionais no século
XVIII-XIX pregavam a singularidade de cada língua e por consequência de cada
cultura, já que nessa época iniciou-se o processo que levou ao entendimento que
ainda hoje se tem muitas vezes de que a um país correspondem uma língua e uma
cultura nacionais, como foi feito na França após a Revolução Francesa. Como diz
Robl (1975 : 6):
No entender de Humboldt, a diversidade de línguas provém não tanto da
diferença de sons e signos, mas sim, das diferentes concepções do mundo. E
qualificou de verdadeiramente desastrosa para a lingüística a idéia
muito
difundida de que as diversas línguas não fariam outra coisa senão assinar ou
rotular nomes a uma mesma congérie de objetos existentes independentemente
desses nomes. Para Humboldt, "embora as línguas
tenham propriedades
PUC-Rio
-
Certificação
Digital
Nº
0812830/CA
40
universais, atribuíveis à mentalidade humana como tal, cada língua oferece um
"mundo de pensamento" e um ponto de vista de tipo único”.
Portanto, qualquer língua deve ser olhada como um todo orgânico, diferente dos
demais. É a expressão da individualidade do povo que a fala. A característica da
psique de uma nação. De certa forma — afirma ele — "a língua é a manifestação
exterior do espírito dos povos; seu espírito c sua língua c sua língua é seu
espírito".
Em resumo, a língua não designa uma "realidade" pré-existente. Ela
organiza, para os falantes, o mundo circunstante.
A partir dessas ideias, Humboldt cunhou dois termos que passaram a ser
usados em várias línguas para designar o fato de que cada cultura vê o mundo de
sua maneira particular, e que a língua é um veículo dessa concepção/visão de
mundo:
Weltanschauung e
Weltbild (visão de mundo e imagem do mundo)
.
Hall se insere nessa linha de pensamento que vê as idiossincrasias de cada
cultura como relativas, i.e. não como elementos de algo determinista. Para
entendê-las, ele criou parâmetros que têm por finalidade entender a lógica interna
de cada cultura, seguindo a lógica de Boas (Dourado & Poshar 2007 : 5).
O termo proxêmica, cunhado por Hall a partir dos ensinamentos de Boas, é
considerado hoje um instrumento válido para se categorizar culturas. O Brasil
seria uma cultura onde a necessidade de distância é mínima
se comparada à
cultura americana ou à alemã, onde a necessidade de distância física é sentida
como maior. O fato de brasileiros se tocarem com mais frequência que alemães é
um indício da veracidade dessa afirmação.
Schopenhauer, em sua famosa metáfora do grupo de porcos-espinho
2
nos
dá um bom exemplo dessa imagem: no frio, os porcos do mato se aproximam a
fim de se aquecerem mutuamente, mas seus espinhos os impedem de aproximar-
se demais. Transportando a imagem de Schopenhauer para a teoria de Hall,
equivaleria a se dizer que a distância que cada indivíduo necessita do outro para
não se “ferir” depende do que lhe tiver sido imposto pela socialização em
determinado grupo humano.
Em seu livro
Beyond Culture, publicado em 1976, Hall introduziu mais um
parâmetro amplamente aceito hoje em dia nos estudos interculturais e que é
normalmente utilizado em inglês:
low/ high context (baixo/alto contexto).
Esses dois conceitos correspondem à quantidade de informação verbal que
é necessária em cada cultura para que a mensagem seja decodificada de maneira
2
Cf.
http://gutenberg.spiegel.de/buch/4997/1
, acessado no dia 18/01/2012.
PUC-Rio
-
Certificação
Digital
Nº
0812830/CA
41
eficaz, completa. O exemplo mais conhecido de cultura
high-context é o Japão,
onde os ensinamentos de Hall foram amplamente
difundidos por ajudarem a
explicar muitas fontes de mal-entendidos no contato com estrangeiros.
No Japão, há vários códigos, interditos que não são expressos verbalmente
ou diretamente. Os falantes nativos do japonês, tendo sido socializados dentro
daquela cultura, entendem mensagens subliminares que passam totalmente
despercebidas pelos forasteiros. O Brasil também é um caso de
high-context, mas
menos exacerbado do que naquele país oriental. Muitas informações são
compartilhadas pelos falantes e por isso não precisam ser explicitadas na fala.
Um exemplo clássico é o famoso “passa lá em casa” dos brasileiros que
pode ser interpretado literalmente pelos estrangeiros, ou o “a gente se fala” – que
não necessariamente se realizarão. Um encontro marcado às 8 horas em um bar
não deve ser encarado como algo a ser cumprido pontualmente por um carioca por
ex., pois o horário das 8 é apenas um horário de referência. Isso não será
decodificado por um alemão, que faz questão
de pontualidade mesmo em
situações mais informais. Um bom exemplo disso na Alemanha é o fato de que há
dois termos no sistema universitário alemão para dizer quando a aula de um
professor começará respectivamente pontual às 10 h p.ex. ou “pontualmente
atrasada” às 10.15. Trata-se de uma informação explícita nos horários: c.t. e s.t.,
respectivamente:
cum tempore, sine tempore. O “atraso” deve ser comunicado
diretamente.
Compartilhe com seus amigos: