. Schelesinger, 1966, p.158.
7
fronteira: um lugar deserto, desprovido de “civilização”. “Wilderness” vem do verbo “to
wilder”, que significa desorientar, extraviar-se. O significado de “wilderness” tem variado
de acordo com a interpretação que se atribui ao mito da fronteira. Numa versão mais
pode equivaler à natureza em estado puro.
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Para muitos voluntários não havia dúvida: os programas de
desenvolvimento comunitário significavam nada menos do que exportar o
movimento pelos direitos civis.
É importante ressaltar que acentuada retórica de ativismo e
missão que acabou se instituindo como marca do governo Kennedy, não
deve ser vista como algo sem substância, uma mera jogada de
propaganda política. O apelo do católico Kennedy a que seus concidadãos
reavivassem a ética puritana deve ser associado à obsessiva preocupação
com virtudes morais, cujas raízes na sensibilidade norte-americana são
profundas, ultrapassando as divergências em termos de doutrinas
religiosas e políticas e constituindo uma verdadeira “religião civil”
8
.
Seria certamente ocioso tratar do papel da religião na história da
colonização do atual EUA. Vale citar apenas um exemplo que, segundo
Robertson
9
, ilustra com clareza a estreita relação entre nacionalidade e
religiosidade: o Thanksgiving, uma data das mais significativas para os
norte-americanos, um momento de festa em que o elemento cívico e
religioso se misturam com muita clareza. Dia de ação de graças, o
Thanksgiving celebra a primeira colheita em solo colonial e a
sobrevivência dos pilgrims, primeiros colonos, refugiados religiosos.
Junto com a liberdade religiosa, celebra-se a salvação e o nascimento de
um povo. A simbologia contida no mito do primeiro Thanksgiving nos
fala sobre a ambivalente identidade dos norte-americanos. O
Thanksgiving representa sem dúvida uma afirmação ritual da vitória
sobre a natureza. Mas, salienta Robertson, uma vitoria alcançada pela
capacidade de se adaptar ao meio. O peru, animal nativo, e os cereais que
os índios ensinaram os colonos a cultivar são a base dessa primeira ceia,
para a qual, em algumas versões do mito, os nativos foram também
convidados a participar. Devora-se e ao mesmo tempo integra-se a
natureza, os selvagens, a wilderness. Seguindo a sugestão desse autor,
talvez seja possível buscar, nesta brecha aberta na estória mítica nacional,
a referência para o Ugly American e para as disposições, certamente
ambivalentes mas mais positivas, que tentaram se afirmar no seio dos
Corpos da Paz.
8
. Essa expressão foi criada por Robert Bellah com o objetivo de chamar atenção para uma
tradição político-religiosa que remonta ao período colonial e ao contexto de nascimento
dos EUA enquanto nação independente e que detém ainda importante papel na vida
pública norte americana, V. The Broken Covenant: American Civil Religion in Time
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