San Francisco y su Apostolica Orden, contendo textos sobre os dois pretos da Sicília, um deles era São Benedito. OLIVEIRA,
Joyce F. Niger, sed formosus: A construção da imagem de São Benedito. 2017, p. 195.
10
RODRÍGUEZ, Natalia Fernández. Imaginería sacra y espacios pictóricos en las comedias de santos de Lope de Vega. In:
eHumanista / Department of Spanish and Portuguese - University of California Santa Barbara, n. 28, Santa Barbara, 2014, p.629.
11
DELL‘AIRA, Alessandro. La fortuna iberica di San Benedetto da Palermo. In: Atti dell'Accademia di Scienze, Lettere e Arti di
Palermo. Palermo, nº12, pp.51–91,1993, p. 71.
Ibid., pp. 61-62.
12
Ibid., p.71.
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atributos, ainda há diferentes apropriações das populações das colônias espanholas, apresentando um vasto
repertório de atributos.
O modelo português, São Benedito das Flores, apresenta similaridade com a iconografia de Santa
Isabel devido às narrativas parecidas de milagres
13
. Santa Isabel teve moedas transformadas em rosas,
enquanto São Benedito teve pães transformados em flores. Na versão portuguesa, o santo carrega um arranjo
flores ou pães, elementos que aludem à esta narrativa.
Apesar deste histórico da difusão da devoção do santo, foi no século XVIII com a beatificação
(1743) que suas hagiografias enfatizariam o modelo de negro cristão e a devoção deste santo entre os negros,
algo que é consoante à multiplicação de esculturas de São Benedito.
Portugueses e espanhóis estavam a frente deste novo ciclo de difusão do culto ao santo negro, as
hagiografias ibéricas se tornaram as principais referências iconográficas do santo, contribuindo para uma
maior circulação dos modelos para além da Península Ibérica. As hagiografias espanholas foram as mais
numerosas
14
, porém as portuguesas foram muito mais significativas em relação à escultura portuguesa
localizada em Santos, pois revelava o objetivo em implantar um projeto de conversão mais ordenado para a
catequese de negros. Essa maior atenção dos portugueses era consequência do aumento de negros
escravizados em Portugal e sobretudo no Brasil, precisando de estratégias mais incisas para controlar e
administrar esta numerosa população.
Nesta tipologia de publicações foram abordados quatro santos negros, pelos carmelitas: Santo
Elesbão e Santa Efigênia e pelos franciscanos: Santo Antônio de Categeró e São Benedito. São Benedito foi
o mais popular deste grupo e sua devoção especialmente na América Latina foi imediatamente expressiva.
De acordo com Dell‘Aira, não há, de fato, uma estrita conexão, mas sim um hiato considerável entre a vida
na Sicília de Frei Benedito e sua fama latino-americana como o glorioso santo, concluindo que a figura
emblemática de São Benedito é profundamente associativa no que se refere à conversão e aculturação de
negros ao catolicismo
15
. Este autor sugere que a cor na representação de Benedito foi o maior artifício de
assimilação. Por outro lado, a valorização do santo não o isentou da inferioridade atribuída ao negro e o
quanto a cor também demonstrava isso.
Na hagiografia mais conhecida do santo, ―Flor Peregrina por Preta ou Nova Maravilha da Graça,
descoberta na prodigiosa vida do Beato de São Filadélfio: Religioso Leigo da Província Reformada da
Sicília‖ de Frei Apolinário da Conceição (1744), a cor de Benedito é classificada como algo inferior em
comparação à cor de Jesus, mas aproxima-o de Maria ao associar à cor da pele escurecida pelo sol e nem por
13
Ibid., pp. 69-70.
14
Ver VICENT, Bernard. San Benito de Palermo em Spaña. In: Ediciones Universidad de Salamanca/ Stud. his., vol. 38, n. 1,
Salamanca, pp. 23-38, 2016.
15
DELL‘AIRA. St. Benedict of San Fratello (Messina, Sicily): An Afro-Sicilian Hagionym on Three Continents. In: 23º
Congresso Internacional de Ciências Onomásticas. Toronto: Universidade Iorque, p.284-297, 2009, p.285.
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isso desprovida de beleza. No entanto, no decorrer de sua obra percebe-se a tentativa de estabelecer uma
definição mais didática para esta característica do santo, então Conceição conclui que a cor de Benedito é
um ―defeito‖, um acidente que pode ser relevado por seu exemplo de pastor de Cristo. ―[...] que como
pretinho nos acidentes lhe saiu, como por primeira sorte levando a tantos ilustres brancos a Primazia em
Beatificação, e colocação de Vossas Imagens nos altares da Militante Igreja [...]‖
16
.
Conceição não inaugurou esta justificativa de aceitação do santo negro e não foi o único que a
propagou durante a segunda metade do Setecentos. Em um trecho de Orbe Seráfico Brasílico de Frei João
Santa Maria Jaboatão, há a mesma conotação da cor do santo como acidente, ainda afirma que este elemento
servia de aporte para a devoção de negros. ―[...] o glorioso São Benedito de Palermo ou de San Fratello,
geralmente de todos os católicos, e com particular e devoto obséquio da gente da sua cor, ou seja, por afeto
da natureza ou por simpatia dos acidentes[...]‖
17
.
A obra de Apolinário da Conceição marca a retomada das referências iconográficas italianas do
santo pelos lusitanos, e, por volta de 1750 começou a fixar-se nos territórios portugueses, o modelo italiano
de São Benedito
18
. A retomada deste modelo no século XVIII é muito condizente com o número de
publicações portuguesas direcionadas à catequese de negros. Assim, este modelo iconográfico é adotado
para reforçar uma catequese mais didática e direcionada. No Brasil este modelo começou a circular na
segunda metade do século XVIII, mas foi no XIX que ele se tornou unânime em relação ao modelo Benedito
das Flores, principalmente nas regiões que no Oitocentos mais receberam novas levas de negros. Sobre isso
Fiume escreve:
―A disparidade física entre o menino branco e o adulto negro - ―manifestava os riscos
inerentes à desproporção demográfica do Brasil escravista, onde uma maioria de negros e
mulatos a serviço da minoria branca podia recorrer à violência e inverter os papéis [...]. Para
prevenir este desfecho, a imagem propõe que o senhor branco e o escravo negro amem-se,
como certamente amam-se Cristo e Benedito‖
19
.
Monique Augras apresenta um estudo analítico, buscando traçar o conflito simbólico que a
composição deste modelo apresenta. Em geral, o Menino Jesus acaba sendo posicionado perto do coração do
santo. Embora este modelo iconográfico, represente a conquista da essência da vida cristã de corpo e alma,
sua negritude não é esquecida, muito menos o que ela representava. Como anteriormente mencionamos, este
16
Texto da dedicatória. CONCEIÇÃO, 1744.
17
JABOATÃO, Frei Antônio de Santa Maria. Novo Orbe Seráfico Brasílico ou Chrônica dos Frades Menores da Província do
Brasil/ vol. II. Originalmente publicado em 1761. 2ª ed. Rio de Janeiro: Typ. Brasiliense de Maximiniano Gomes Ribeiro, 1859,
pp. 92-93.
18
DELL‘AIRA, 2009, p.295.
19
FIUME, Giovanna. Antônio etíope e Benedito, o mouro: o escravinho santo e o preto eremita. In: Revista Afro-Ásia CEAO-
UFBA, nº40, 2009, p. 89.
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modelo tem semelhanças com iconografias de outros santos, que também apresentam um modelo parecido
com o acréscimo do Menino Jesus nos braços. Entretanto, para Augras, especificamente São Benedito por
ser negro é o carregador e não toca o Menino Jesus, tendo um tecido para limitar esta aproximação, o que
reforça o problema da cor do santo, como um estigma de inferioridade do santo preto
20
.
―[...] em todas as imagens a que tivemos acesso desde o início da pesquisa, pudemos
observar que o menino está sempre deitado, ou sentado, em um pano branco, e que jamais,
por conseguinte, é tocado pelas mãos pretas do seu padrinho‖
21
.
Embora esta observação realmente seja atestada na comparação da ampla estatuária deste modelo
iconográfico, a escultura portuguesa localizada em Santos, não se encaixa neste paradigma. Nota-se que a
escultura estudada, apresenta um perspicaz desvio do seu modelo iconográfico. Mas o que de fato essa
escultura representa no âmbito de um debate sobre a imagem do negro no catolicismo? Foi propositalmente
produzida para ser subversiva, ou, seria apenas um erro despercebido no processo de execução? Ainda que
não seja um detalhe feito de forma intencional, isso faz deste gesto algo menos revelador?
Talvez não haja resposta que consolide um significado para esta escultura. O ―desvio da norma‖
que ela apresenta, instaura uma pauta muito significativa sobre a representação do negro na produção
artística desenvolvida no pós-Concilio de Trento. Esta é uma obra que não esgota em significações e
leituras, é na falta de definições fechadas para classificá-la que se pode afirmar sua excepcionalidade de obra
de arte, porque é sua existência que permite inferir como a imagem resguarda valores simbólicos,
ideológicos, políticos, históricos e estéticos, elementos capazes de acender debates e sentidos acerca da
construção desta relação de amor tão paradoxal entre estes dois distintos personagens: São Benedito e o
Menino Jesus, ou melhor, entre ser ―branco‖ e ser ―negro‖, quando se reconhece que esta obra e sua imagem
é produto de uma sociedade que foi definida por uma visão hierárquica distinguida pela cor da pele.
Todo este escopo ajudou a compreender a construção de São Benedito como santidade negra, foram
estes dados que tornaram esta escultura ainda mais interessante, porém sem esquecer que se trata de uma
imagem. Assim numa outra perspectiva, não menos importante, o próprio objeto conduz para outro viés da
imaginária religiosa, percebe-se a construção da imagem de São Benedito como parte do que venha ser a
imagem do negro na Idade Moderna. O negro enquanto imagem é idealizado, um tema de infinitas
possibilidades de discussões, por isso neste caso, foi preciso ater-se ao campo da arte religiosa. Sendo este
segmento fundamental para compreensão da imagem deste santo, porque é na arte religiosa que constata-se
sua construção imbricada na aplicação da catequese de escravizados, demarcando o lugar do negro no
catolicismo tridentino. Deste modo, foi o fenômeno da escravidão da Idade Moderna que validou o discurso
20
AUGRAS, Monique. R. A. Todos os santos são bem-vindos. 1ª ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2005, p. 60.
21
Ibid.
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que fundamenta e apresenta os santos pretos utilizados para catequese de negros, resultando numa categoria
específica para esta abordagem sobre a imagem do negro na História da Arte.
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