XII EHA – ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE –UNICAMP
2017
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NEGRO, MAS BELO: SÃO BENEDITO, O SANTO PRETO DA IDADE MODERNA
Joyce Farias de Oliveira
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Em Santos, na Igreja da Irmandade de São Benedito, localizada no altar-mor deste templo, está a
escultura da segunda metade do século XIX de São Benedito. De origem portuguesa e apresentando uma
tendência neoclássica com formas mais lineares, de anatomia mais longilínea, de policromia em tons mais
rebaixados, nem sempre com a utilização do douramento, esta peça permite explorar modificações
estilísticas acerca da produção de arte religiosa no século XIX
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, no entanto, esta comunicação pretende
abordar apenas o histórico da iconografia de São Benedito, na tentativa de ressaltar o problema da ―cor
preta‖ na construção de uma santidade negra no catolicismo tridentino. Isso porque esta peça possui um
detalhe incomum, sendo importante frisá-lo neste começo.
O modelo iconográfico desta escultura, São Benedito com o Menino Jesus, apresenta o santo negro
carregando o Menino sobre um tecido, o que limita a aproximação do santo preto do menino branco, neste
modelo, o santo nunca toca a criança. No entanto, na escultura portuguesa da ISB
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de Santos, de forma
declarada o santo negro
toca o Menino Jesus, o santo parece-nos encarar o espectador que percebe este gesto
de subversão. Sua mão ultrapassa o limite imposto pelo tecido branco e posicionando sua mão direita altiva,
dando condições do dedo indicador tocar precisamente a pele branca da criança.
Interpretando este detalhe como um sutil desvio do modelo iconográfico era necessário desenvolver
uma análise mais apurada sobre a produção da imaginária religiosa deste santo, o que fluía para uma questão
um pouco mais abrangente, - a imagem do negro nos paradigmas da História da Arte ocidental, em
particular na arte religiosa da Idade Moderna. Tratando-se de um santo preto, São Benedito surge como um
novo modelo de negro cristão no pós-tridentino. Aqui, vigoram-se os princípios do Barroco, onde os
conceitos estéticos e teológicos de uma Igreja reformada foram ainda mais aprimorados, instituindo uma
cultura visual profundamente simbólica, persuasiva e arrebatadora para o público cristão. Com essas
medidas, a representação do negro seria enfatizada a partir de um elemento muito contundente neste projeto
de conversão, - a cor preta.
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Mestre em História da Arte pela Universidade Federal de São Paulo. Essa comunicação é um recorte da pesquisa de mestrado
intitulada ―
Niger, sed formosus: A construção da imagem de São Benedito‖, orientada pela Profa. Dra. Angela Brandão,
desenvolvida e defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Arte da Universidade Federal de São Paulo em 2017.
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Apesar de não haver um documento de compra ou de aquisição desta peça, a Irmandade de São Benedito de Santos possui um
documento, o Relatório de Provedoria datado de 1936, onde há um trecho que descreve um reparo realizado nesta escultura de São
Benedito, informando que durante o processo de reparação da peça foi encontrado no seu interior restos de um jornal com o título
Commercio do Porto com data de 9 de fevereiro de 1859.
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Irmandade de São Benedito.
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―Niger in facie, sed formosus in core. Benedictus, qui venit. In nomine Domint‖
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, assim definiu frei
Apolinário da Conceição, religioso português da Seráfica Província do Rio de Janeiro e autor da hagiografia
do santo preto mais notória no século XVIII. Esta metáfora da cor preta era um artificio muito recorrente nas
hagiografias franciscanas para apresentar São Benedito. É provável que a ideia por detrás desta expressão
tenha sido desenvolvida e reelaborada ao longo dos primeiros processos acerca da beatificação do santo.