na escravidão, e a concepção de escravidão dele é muito desatualizada. Trata,
Mas ninguém está fazendo um filme assim sobre a Reconstrução. É complicado
certo modo, não é? O cara consegue se safar da escravidão. É claro que todos
escravidão e voltar para sua família. A Reconstrução tem um final muito infe-
liz. A Ku Klux Klan triunfa, os direitos das pessoas negras são tirados. Isso não
é o que Hollywood está tentando mostrar. Não acho que venhamos a ter um
Hollywood adora uma tragédia com final feliz. Tragédia com final feliz. A
Revista Brasileira de História, vol. 35, n
Entrevista: Eric Foner
359
Espero que alguém no Brasil decida traduzi-lo. Por que você decidiu escrever
uma biografia de Lincoln?
Lecionei história dos Estados Unidos, história dos Estados Unidos no
século XIX, durante muito, muito tempo. Ao fazer isso, você sempre está pen-
sando sobre Lincoln de uma maneira ou outra. E Lincoln fica aparecendo. Ele
está em meu primeiro livro sobre o Partido Republicano, está em meu livro
sobre a Reconstrução. Mas eu nunca me concentrei em Lincoln. Acho que me
interessei em escrever sobre Lincoln porque fiquei cada vez mais aborrecido
com a forma como a literatura sobre ele estava se desenvolvendo há uns 10
anos. Porque havia toda uma literatura sendo publicada que via Lincoln como
o grande pragmatista, o grande realista, o político, em contraposição aos abo-
licionistas, que são apenas fanáticos, irresponsáveis e causadores de todo tipo
de ruptura. É Lincoln quem conquistou tudo. E eu achava que essa era uma
leitura completamente equivocada da dinâmica da mudança social. Lincoln
não era abolicionista. Mas a relação entre ele e os abolicionistas era muito mais
simbiótica do que antagonística. É um conceito diferente de política. Os abo-
licionistas estão trabalhando na sociedade, tentando mudar a opinião pública.
Isso é política. Não é apenas política eleitoral. Lincoln é um homem que está
no sistema político. Mas sem eles não há Lincoln. Sem uma opinião pública
hostil à escravidão, um homem como Lincoln não pode se dar bem. Eu queria
me contrapor a essa concepção de que Lincoln é a essência do pragmatismo e,
por isso, qualquer outra pessoa que exigisse algo diferente era apenas um ma-
luco. Eles não eram práticos. Como vamos saber que eles não eram práticos?
Porque Lincoln não o fez. E ele é prático. Trata-se de um argumento circular.
Assim, eu realmente queria [combater isso], mas então fiquei cada vez mais
interessado nas concepções do próprio Lincoln. Fiquei muito impressionado
com a maneira como suas concepções mudaram ao longo do tempo. Porque
muitas vezes [em narrativas históricas] Lincoln já nasce pronto para assinar a
Proclamação da Emancipação. E muitos aspectos das concepções dele são ig-
norados ou negligenciados na literatura – como algumas de suas concepções
raciais, que não são muito avançadas. Boa parte da literatura simplesmente
ignora isso, ou simplesmente diz: “É, de fato, ele disse essas coisas racistas, mas
não era isso que ele realmente queria dizer; isso era só para ganhar a eleição”.
Ele acreditava que as pessoas negras deveriam ser incentivadas a ir para algum
outro país, após o fim da escravidão. Bem, ninguém fala sobre isso, mas fiquei
muito impressionado com o fato de que Lincoln passou 10 anos insistindo
nesse ponto de vista. Assim, por um lado, eu queria tentar explicar Lincoln.
Mas também estava tentando mudar a forma como as pessoas pensavam sobre
Revista Brasileira de História, vol. 35, n
o
69
•
p.343-363