UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
BACHARELADO INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIA HUMANAS
Thaís Melo de Souza
PERSPECTIVAS SOBRE A MENSTRUAÇÃO: ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES NA
PUBLICIDADE E NA MILITÂNCIA FEMINISTA ONLINE
Artigo
apresentado
ao
Bacharelado
Interdisciplinar em Ciências Humanas, da
Universidade Federal de Juiz de Fora, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel (Trabalho de Conclusão de Curso).
Orientador: Prof. Dr. Raphael Bispo dos
Santos.
Juiz de Fora
2018
DECLARAÇÃO DE AUTORIA PRÓPRIA E
AUTORIZAÇÃO DE PUBLICAÇÃO
Eu, Thaís Melo de Souza, acadêmica do Curso de Graduação Bacharelado Interdisciplinar em
Ciências Humanas, da Universidade Federal de Juiz de Fora, regularmente matriculada sob o número
201672092A, declaro que sou autora do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado PERSPECTIVAS SOBRE A
MENSTRUAÇÃO: ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES NA PUBLICIDADE E NA MILITÂNCIA FEMINISTA
ONLINE, desenvolvido durante o período de Novembro de 2017 a Abril de 2017 sob a orientação do Prof. Dr.
Raphael Bispo dos Santos, ora entregue à UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA (UFJF) como
requisito parcial a obtenção do grau de Bacharel, e que o mesmo foi por mim elaborado e integralmente redigido,
não tendo sido copiado ou extraído, seja parcial ou integralmente, de forma ilícita de nenhuma fonte além
daquelas públicas consultadas e corretamente referenciadas ao longo do trabalho ou daquelas cujos dados
resultaram de investigações empíricas por mim realizadas para fins de produção deste trabalho.
Assim, firmo a presente declaração, demonstrando minha plena consciência dos seus efeitos civis,
penais e administrativos, e assumindo total responsabilidade caso se configure o crime de plágio ou violação aos
direitos autorais.
Desta forma, na qualidade de titular dos direitos de autora, autorizo a Universidade Federal de Juiz de
Fora a publicar, durante tempo indeterminado, o texto integral da obra acima citada, para fins de leitura,
impressão e/ou download, a título de divulgação do curso de Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas
e ou da produção científica brasileira, a partir desta data.
Por ser verdade, firmo a presente.
Juiz de Fora, ____ de ____________ de ________.
_________________________________________
Thaís Melo de Souza
Marcar abaixo, caso se aplique:
Solicito aguardar o período de ( ) 1 ano, ou ( ) 6 meses, a partir da data da entrega deste TCC, antes de publicar
este TCC.
OBSERVAÇÃO: esta declaração deve ser preenchida, impressa e assinada pelo aluno autor do TCC e inserido após a capa da versão final impressa do
TCC a ser entregue na Coordenação do Bacharelado Interdisciplinar de Ciências Humanas
.
PERSPECTIVAS SOBRE A MENSTRUAÇÃO: ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES NA PUBLICIDADE E NA
MILITÂNCIA FEMINISTA ONLINE
Thaís Melo de Souza
RESUMO
Nesta pesquisa, tenho como objetivo construir uma base teórico-metodológica para analisar a representação da
menstruação na publicidade veiculada no Brasil, entre 2015 e 2017, bem como o debate fomentado pela produção
audiovisual online realizado por militantes feministas nesse mesmo período. Venho, neste trabalho, explorar referências
antropológicas e sociológicas que abordem a representação do corpo feminino em geral e as imposições sociais sobre eles,
especialmente através da mídia e que foquem na menstruação e nas suas implicações sociais. Busco compreender a
constituição dos estigmas em torno da menstruação e me indago sobre o potencial patologizante que podem exercer. As
conclusões desenvolvidas ao longo da pesquisa indicam o quanto os tabus acerca dos corpos femininos ainda exercem
grande influência na modelagem de nossos comportamentos: da mulher com o seu próprio corpo e da sociedade em geral
com a organicidade do corpo da mulher. Há, de um lado, a militância feminista que problematiza a “patologização” da
naturalidade feminina e vem ganhando força cada vez maior, e de outro, a publicidade hegemônica que, em geral, fortalece
a rejeição das mulheres de suas “naturalidades”, intensificando o desconhecimento de seus próprios corpos.
Palavras-chave: menstruação, feminismo, publicidade, antropologia do corpo.
ABSTRACT
My objective in this research project is to construct a theoretical and methodological basis to analyze the
representation of menstrual blood in advertising campaigns presented in Brazil, between 2015 and 2017, as well as the
debate promoted by audiovisual production online made by feminist activists during the same period. I examine
anthropological and sociological references on the representation of the female body in general, and the social impositions
over them, specially through mass media and focusing menstrual blood in its social implications. I look for understanding
stigma constitution about menstrual blood, questioning the pathologizing potential it can exert. The conclusions developed
through out this research can indicate in what extent the taboo around female bodies remains its deep influence over the
modeling of our behaviors: the relationship of women and their own bodies, and between society and the naturalness of
women bodies. There is, on one hand, the feminist activists who calls into question the pathologization of female naturalness
and which has had more and more impact on social media, on the other hand, the hegemonical producers of advertising that,
generally, reinforce the rejection of this “nature” from women themselves, intensifying the ignorance on their own bodies.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta reflexões acerca das imposições que se dirigem socialmente ao corpo feminino e
as relações que estas estabelecem com as manifestações político-comunicacionais que emergem ou se
adequam ao âmbito das redes sociais e de compartilhamento de vídeos. Analiso as formas sociais de censura
do sangue menstrual e como elas moldam o comportamento feminino e a relação das mulheres com os seus
próprios corpos, presentes desde a criação das meninas e potencializadas, também, através da mídia.
Com a análise e apresentação de campanhas publicitárias da mídia brasileira, procuro abordar como a
menstruação é representada e como, com a patologização do sangue menstrual, a mídia vende uma ideia de
“liberdade” feminina que pode ser adquirida com o consumo dos produtos feitos para lidar com todos os
“malefícios” do período menstrual. Busco analisar também como a dominação e o silenciamento dos corpos é
realizada e como algumas mulheres – na maioria das vezes, jovens, militantes e feministas – constroem suas
ações no sentido oposto dessa estigmatização. Correntes feministas que lutam pelo entendimento e aceitação
de uma outra concepção de natureza do corpo feminino e questionam os padrões de representação dos fluidos
corporais de maneira constante e diversificada em termos de criticidade e perspectivas ideológica e teórica
adotadas, configurando-se em um meio de visibilidade, informação, debate e também como fonte para pesquisa.
Procuro evidenciar as formas de censura que moldam o comportamento feminino e afastam as
mulheres do reconhecimento do próprio corpo. Dessa forma, também busco aqui incentivar o questionamento e
a desconstrução desses valores, tendo em vista que a publicidade se apresenta, em geral, como ratificadora de
um ideal que não tem a ver com a “natureza” do corpo feminino. O conflito cotidiano da mulher com os fluidos
corporais chama atenção para uma dimensão da publicidade que é a falsificação e a desnaturalização da
experiência corpórea. Em contrapartida, entra em jogo também na plataforma digital YouTube a voz de militantes
feministas que passam a difundir o debate e dão visibilidade ao tema. Elas abordam suas experiências de vida e
as formas como lidam com seus corpos e com os julgamentos sociais, possibilitadas através de processos
complexos de percepção do corpo, mesmo estando inseridas em uma sociedade considerada machista e que
não incentiva a autonomia feminina. Discutir esse tema em âmbito acadêmico é trazer para o debate e dar
visibilidade a um assunto que permanece sendo constrangedor para muitas mulheres de diferentes gerações,
que ocupam distintos espaços na sociedade.
1 – De impureza a patologia
Uma mulher que tem um fluxo, seu fluxo é sangue de seu corpo. Ela estará sete dias em sua
incapacidade cúltica devido à sua menstruação, e quem a tocar, estará impuro(a) até o
anoitecer. Tudo sobre o que ela se deitar menstruada está impuro, e tudo sobre o que ela se
senta, está impuro. Cada um que tocar seu leito, lave suas vestimentas e banhe-se em água,
e ele estará impuro até o anoitecer. Cada pessoa que tocar qualquer objeto sobre o qual ela
senta, lave suas vestimentas e banhe-se em água, e estará impura até o anoitecer. (Levítico
15, 19-22)
Algumas passagens da Bíblia, como a reproduzida acima, refletem o quanto a mulher é considerada
pelo cristianismo como “impura” no período menstrual. Através desses escritos, a sociedade ocidental cristã é
influenciada pela concepção do corpo da mulher que estigmatiza o sangue menstrual. Essa postura diante da
naturalidade corpórea e de como deve ser o comportamento (de rejeição) durante esses dias, tem resquícios
fortes até a atualidade, uma vez que o assunto segue sendo um tema vergonhoso e constrangedor para muitas
pessoas, de diferentes gerações.
Ao fazer uma análise de como a menstruação é tratada em sociedades diferentes, como os aleutas, os
persas e os egípcios, Simone de Beauvoir (1949) afirma que desde a infância é imposto às meninas o
silenciamento diante da menstruação. O assunto é um dos mais difíceis de ser abordado no âmbito familiar, que
não ensina para as meninas o que vai acontecer com seu corpo e como lidar com o processo menstrual. Ao
contrário, é ensinado que a menstruação será o pior período do mês, porque além das dores e alterações
constantes de humor, virá o sangue, retratado como algo sujo e vergonhoso (SARDENBERG, 1994), que logo se
torna motivo de desconforto e rejeição, como se a partir da primeira menstruação a mulher se tornasse impura
(BEAUVOIR, 1949).
Emily Martin (2006) analisa textos de autores do século XIX e livros didáticos de medicina, nos quais a
menstruação era relacionada a um processo patológico, tida como um distúrbio, no qual as mulheres ficam fora
de controle (MARTIN, 2006), assim como no período da menopausa. Além disso, o fato da mulher não ter
engravidado aparece nos livros de medicina sempre associados a termos negativos, ligados à perda, falta,
desintegração e privação: “considerar a menstruação como uma produção que deu errado também contribui
para vê-la de forma negativa” (MARTIN, 2006, p.92).
Devido ao constrangimento e à falta de informação decorrentes do incômodo existente ao abordar o
assunto, a menstruação “passou a ser vivida solitariamente por cada jovem” (CAMPAGNA & SOUZA, 2006, p.
11). Muitas meninas não contam nem para suas mães quando menstruam pela primeira vez por causa de
vergonha e, como não são comuns as conversas sobre o assunto, estas ficam sem respostas para diversas
dúvidas e aprendem a lidar sozinhas com algo que, até então, era desconhecido, ou procuram em outras fontes,
que não a família, para sanarem a falta de informação: “um processo vivido isoladamente, não compartilhado
com a família, nem com amigos” (CAMPAGNA & SOUZA, 2006, p.26). Portanto, a ausência de discussão sobre
a menstruação a invisibiliza, prejudica a relação das mulheres com o próprio corpo em nossa sociedade e
fortalece a marginalização existente acerca do tema (RATTI; AZZELLINI; BARRENSE & GROHMANN, 2015).
É possível observar que a reprodução ainda é considerada a principal finalidade do corpo feminino: “a
mulher esboça o trabalho da gestação” (BEAUVOIR, 1949, p.48), o que atribui à menstruação um símbolo de
fracasso, já que representa que a sua finalidade não foi atingida. Em suas análises sobre menstruação,
menopausa e parto, Emily Martin (2006) explicita essa ideia:
a menstruação não apenas traz consigo a conotação de um sistema produtivo que fracassou
na produção, como também transmite a noção de uma produção desvirtuada, fabricando
produtos sem uso, fora das especificações, invendáveis, desperdícios, sucatas. Por mais
repugnante que possa ser, o sangue menstrual irá sair. Uma produção desvirtuada é também
uma imagem que nos enche de horror e consternação. (MARTIN, 2006, p. 93)
2 – “Liberdade feminina” como mercadoria
Os mercados biotecnológicos lucram com as possibilidades de correção para os “defeitos” dos corpos
femininos (LE BRETON, 2003), o que faz com que os anticoncepcionais contínuos, que suspendem a
menstruação, sejam cada vez mais comercializados. Através de campanhas e propagandas, os discursos que
patologizam a menstruação são potencializados, como na propaganda da marca de absorvente Intimus, com o
seguinte slogan: “Crie suas próprias regras com Intimus Evolution Center Sec” (2014), analisada por Ratti,
Azzellini, Barrense & Grohmann (2015). A propaganda aborda o medo que as mulheres têm do vazamento do
sangue menstrual e algumas atitudes decorrentes disso, como a escolha das roupas (como se, no período
menstrual, a mulher só pudesse usar roupas escuras, para que não corra o “risco” do sangue ficar visível se
vazar do absorvente), a preocupação presente em todos os momentos com a roupa deixar transparecer de
alguma forma o absorvente ou o sangue e o medo de manchar algum assento. Ao expor os “incômodos”
advindos da menstruação, a propaganda traz a ideia de liberdade associada ao uso do absorvente de sua marca
ao garantir que o produto “prende o fluxo longe da pele e previne vazamentos” (Intimus, 2014).
Após três anos dessa propaganda, a mesma marca de absorvente lançou o comercial “Siga em Frente”
(2017), mostrando conquistas profissionais de algumas mulheres, que realizaram suas atividades sem que a
menstruação as “atrapalhasse”, trazendo a frase: “Vamos tratar a menstruação como ela é. Algo natural,
saudável, não um problema”. Contrapondo as duas propagandas, é possível perceber que com o passar dos
anos, o discurso foi sendo transformado, o foco principal mudou e a forma como o assunto é abordado antes de
fazer a propaganda do produto também. Passasse de uma abordagem que evidencia os incômodos, propondo o
uso do absorvente como uma saída para uma desmistificação de que as mulheres são menos capazes no
período menstrual, tratando o sangue com mais naturalidade e evidenciando o poder feminino de lidar com
essas situações. A partir dessa análise, me questiono sobre a intenção presente na mudança de foco dos
comerciais, se é para a desconstrução e para dar visibilidade ao assunto, sem estigmatizá-lo com a ideia de
rejeição e de perda de liberdade, ou se com o fortalecimento cada vez maior da luta feminista, as marcas veem a
necessidade de mudar suas propagandas para não ser alvo de críticas e se adequarem ao que o público
consumidor vem discutindo e assistindo nas redes sociais.
O blog “Viva sem menstruar”, analisado por Ramalho (2013), aborda o direito que a mulher tem de
mandar em sua própria vida e fazer suas escolhas, o que significa poder optar pela supressão da menstruação.
Os discursos presentes no blog enfatizam sempre a ideia de “liberdade”, “escolha” e “direito”, evidenciando as
dores da cólica e nos seios, a inconstância de humor no período pré-menstrual, o inchaço do corpo e o aumento
da acne, trazendo o fim desses sintomas através do uso contínuo de remédios, que passa a ser considerado
como um direito importante das mulheres:
Você decide, não o seu ciclo menstrual. Isso vale para tudo: viajar, namorar, trabalhar e o que
mais o seu estilo de vida decidir. A menstruação odeia solidão. Está sempre em má
companhia: dor de cabeça, inchaço, dor mamária, alterações de apetite, mudanças de humor
etc. […] Nenhuma mulher quer viver sofrendo. E nem precisa. Deixamos o mais importante
para o final. Viver sem menstruar não é apenas conveniente, confortável ou moderninho. Não
menstruar pode ajudar a prevenir e tratar doenças bem complicadas. Algumas muito graves,
como anemia, mioma e endometriose. (Viva sem menstruar, acesso em: 04/11/2016)
A campanha que potencializa a tendência de suspender por completo a menstruação é divulgada em
páginas nas redes sociais e possui um site próprio que conta com um canal de comunicação via web para
esclarecer dúvidas. Trazendo a ideia de que a menstruação é um sofrimento que impede a mulher de exercer
diversas atividades, apoiada na idealização de felicidade ao suspender a menstruação, dando a ideia do direito e
da liberdade que a mulher possui para fazer isso.
É possível observar diversos outros tabus acerca do sangue menstrual que são disseminados nos
discursos dessas propagandas, como o líquido presente no absorvente representando o sangue menstrual, que
é azul, fluído e transparente, não é vermelho, viscoso, grosso, com coágulos e opaco como o da menstruação.
Além de trazer um cenário que ajuda a corroborar com a ideia de limpeza, com as mulheres das propagandas
sempre com roupas claras, felizes e dispostas. Ao analisar estas propagandas é evidente a dicotomia entre “as
ideias de pureza/impureza e limpeza/sujeira” (NATASOHN, 2005), o que aumenta o silenciamento sobre a
naturalidade do corpo das mulheres, distanciando-as do conhecimento sobre si mesmas, porque faz com que
acreditem que o sangue é sujo, tem cheiro ruim e deve ser escondido, e consequentemente rejeitado.
Ao associar a menstruação aos sintomas corporais, como dores, doenças, cólica e estresse, a
biopolítica ajusta os corpos aos padrões que geram lucros aos mercados biotecnológicos e biomédicos. É
importante questionar se há, por trás da crescente comercialização destes produtos, a preocupação com a
liberdade e a autonomia das mulheres; se os remédios anticoncepcionais são realmente benéficos e a quem
seus benefícios favorecem, tendo em vista que se de um lado, evitam cólicas, dores, sintomas da TPM,
possíveis doenças, gravidez indesejada e permitem que as mulheres tenham maior controle sobre a data que
ocorrerá seu período; por outro lado, o uso apresenta efeitos colaterais, aumenta a probabilidade do
desenvolvimento de doenças, como câncer de mama e trombose, pode diminuir a libido e alteram o
funcionamento natural do corpo, uma vez que os hormônios presentes nos anticoncepcionais e ingeridos
diariamente fazem com que os hormônios naturais parem de ser produzidos em sua forma e quantidade normais.
Também é válido discutir sobre as “regras de higiene” vendidas para as mulheres, se estas revelam cuidado com
o bem-estar de seus corpos ou apenas um aumento na insegurança para criar a necessidade em consumir
produtos que geram lucro através da garantia de esconder as naturalidades de seus corpos de várias maneiras,
aumentando a venda de produtos, como desodorantes íntimos e clareadores vaginal e anal.
As imposições sociais operam nos corpos moldando a forma como as mulheres entendem seus corpos,
sua vagina e seu ânus, e, consequentemente, interferindo no autoconhecimento e no hábito de lidar consigo
mesmas,
O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou
pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no corporal que, antes
de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica. A medicina é
uma estratégia de biopolítica. (FOUCAULT, 2011 [1979], p. 80)
Dessa forma, se torna evidente que o silenciamento acerca do sangue menstrual não está em falar ou
não sobre, pois existem muitos discursos que abordam a menstruação, não é um tema silenciado na sociedade.
Mas o que procuro evidenciar nesta pesquisa é a forma como são constituídos os discursos existentes, como
eles abordam a menstruação, quais discursos estão vinculados a ela e quais ideias são atribuídas, como a
menstruação aparece nesses discursos e por quem eles são feitos:
Como se, para dominá-lo no plano real, tivesse sido necessário, primeiro, reduzi-lo
ao nível da linguagem, controlar sua livre circulação no discurso, bani-lo das coisas ditas e
extinguir as palavras que o tornam presente de maneira demasiado sensível. Dir-se-ia
mesmo que essas interdições temiam chamá-lo pelo nome. Sem mesmo ter que dizê-lo, o
pudor moderno obteria que não se falasse dele, exclusivamente por intermédio de proibições
que se completam mutuamente: mutismos que, de tanto calar-se, impõe o silêncio. Censura.
[…] Talvez tenha havido uma depuração – e bastante rigorosa – do vocabulário autorizado.
Pode ser que se tenha codificado toda uma retórica da alusão e da metáfora. Novas regras
de decência, sem dúvida alguma, filtraram as palavras: polícia dos enunciados. Controle
também das enunciações: definiu-se de maneira muitos mais estrita onde e quando não era
possível falar dele; em que situações, entre quais locutores, e em que relações sociais;
estabeleceram-se, assim, regiões, senão de silêncio absoluto, pelo menos de tato e discrição:
entre pais e filhos, por exemplo, ou educadores e alunos, patrões e serviçais. É quase certo
ter havido aí toda uma economia restritiva. Ela se integra nessa política da língua e da
palavra – espontânea por um lado e deliberada por outro – que acompanhou as
redistribuições sociais da época clássica. […] A discrição é recomendada cada vez com mais
insistência. Quanto aos pecados contra a pureza é necessária a maior reserva: “Essa
matéria assemelha-se ao breu que, qualquer que seja a maneira de manuseá-lo, mesmo que
para jogá-lo longe, ainda assim mancha e suja, sempre.” (FOUCAULT, 1984, p.22)
E importante também é pensar como esses discursos determinam até que ponto falamos e quais
termos usamos para retratar o sangue menstrual, como se constitui a “discrição exigida” (FOUCAULT, 1984)
acerca do assunto, moldando nossa forma de olhar para a menstruação e determinando como falamos dela,
como a enxergamos e, consequentemente, como a rejeitamos:
É preciso tentar determinar as diferentes maneiras de não dizer, como são distribuídos os
que podem e os que não podem falar, que tipo de discurso é autorizado ou que forma de
discrição é exigida a uns e outros. Não existe um só, mas muitos silêncios e são parte
integrante das estratégias que apoiam e atravessam os discursos. (FOUCAULT, 1984, p.30)
3 – Compartilhar, questionar e desconstruir
Nesta pesquisa, realizo análises em rede de manifestações político-comunicacionais que emergem ou
se adequam ao âmbito das redes sociais, como o YouTube, sendo esta uma plataforma de compartilhamento de
vídeos muito difundida entre os usuários da internet, em que é possível ter maior acesso a construções de
narrativas autônomas e com diferentes abordagens sobre um mesmo tema.
Na barra de pesquisa do YouTube, foram pesquisados os termos “feminista menstruação”, “tabu
menstruação” e “tabus femininos”, resultando em um conjunto de 32 vídeos, nos quais apenas 7 foram
selecionados para um estudo mais atento. Foram incluídos apenas os vídeos em português, com a publicação
datada de 2015 a maio de 2017, feitos por mulheres que se apresentam como feministas, tendo como foco a
abordagem sobre o tabu acerca do sangue menstrual, do desconhecimento e vergonha presentes antes mesmo
da primeira menstruação. Na primeira seleção, muitos vídeos abordavam outros assuntos da corporeidade
feminina e dos estigmas que a cercam, ou focavam em fornecer informações gerais sobre a menstruação, como
acontece o período menstrual e quais são os sintomas da tensão pré-menstrual, sem entrar no assunto da
estigmatização propriamente dito e, por isso, não foram selecionados para esta pesquisa.
Os relatos e conversas dessas mulheres – na maioria jovens, militantes e feministas que lutam contra a
dominação e o silenciamento dos corpos femininos e pelo fim do tabu acerca da naturalidade dos fluídos
corporais – abrem espaço para conversas sobre a menstruação que ainda não são comuns entre muitas
pessoas. Ao expor suas experiências e incômodos, falando abertamente sobre o que é visto como tabu acerca
do assunto, estas youtubers rompem com o silêncio que envolve a temática. Os vídeos constituem-se como uma
forma de debate, seus canais também funcionam como meios de tirar dúvidas, de se informar sobre o assunto
de maneiras diferentes e problematizar os tabus enraizados na sociedade. A divulgação no Youtube amplia a
visibilidade do assunto, pois o acesso é facilitado e pode conectar em rede várias mulheres que recorrem às
buscas online sobre o fenômeno da menstruação que as afeta diretamente.
Na análise dos vídeos selecionados, é possível notar que os assuntos abordados pelas youtubers não
são muito diferentes dos mencionados anteriormente neste artigo. Apesar do recorte e da abordagem se
diferenciarem um pouco, considerando que algumas youtubers fazem uma contextualização histórica ou contam
suas próprias experiências, as abordagens principais e os questionamentos são muito semelhantes aos
realizados ao longo da minha pesquisa.
O primeiro vídeo analisado foi intitulado como “#PorQueMulher MENSTRUA AZUL? | Episódio 8”,
divulgado pelo canal “Nunca te pedi nada”, de Maira Medeiros, contando com a sua participação e de mais duas
mulheres: Mariana Torquato do canal “Vai uma mãozinha?” e Gabi Oliveira do canal “DePretas”. Este vídeo foi
divulgado no YouTube em 30 de março de 2017, tendo duração de cinco minutos e doze segundos.
Na primeira cena do vídeo é apresentada uma dramatização de tom irônico: uma das personagens é
atingida por uma bola e começa a escorrer um líquido azul de sua narina. Com isso evocam o líquido utilizado na
publicidade de forma corriqueira para representar o sangue menstrual. As três personagens trajam roupas
características da Idade Média e da Grécia Antiga. Saindo da cena dramática, se posicionam em tomada frontal
para desenvolver uma contextualização histórica, explicando como o sangue menstrual era visto na Antiguidade,
como as mulheres eram tratadas, como tinham que se portar durante o período menstrual e como a abordagem
médica, realizada por homens, era feita.
As youtubers questionam a forma silenciosa e patologizante como o sangue menstrual é tratado pela
sociedade:
É um processo absolutamente natural e normal. Então por que um pouquinho de sangue
uma vez por mês causa tanto desconforto em homens e mulheres?! Por que não se fala
abertamente sobre esse assunto? E, principalmente, o que é esse negócio azul nos
comerciais de absorventes?!!! (Maira Medeiros)
Nesta pesquisa, ressaltei uma passagem da Bíblia que caracteriza como impuros tanto a menstruação
quanto a mulher em seu período menstrual, o que pode ser entendido como uma influência muito forte para um
comportamento de rejeição à menstruação na sociedade ocidental cristã. No vídeo, também é abordado de
forma sucinta como a religião cristã impôs alguns comportamentos a respeito do sangue menstrual e como as
mulheres foram excluídas da medicina, sendo esta desenvolvida apenas por homens, ou seja, a forma como a
menstruação era estudada e entendida foi desenvolvida por pessoas que não viviam a menstruação: “O
sentimento de culpa imposto pela religião e a exclusão da mulher da medicina deixaram suas marcas, a
menstruação ainda é tratada como um tabu”, diz Maíra Medeiros.
Ao mesmo tempo em que é ressaltado no vídeo que a sociedade pode estar tratando o assunto de
forma mais madura, é enfatizado o quanto as mulheres ainda são culpabilizadas e se sentem envergonhadas
por estarem menstruadas e como ainda relacionam ser uma mulher eficiente com saber “controlar” sua
menstruação, sabendo como não torná-la pública: “Apesar de ser um processo natural, a nossa cultura ainda
carrega muita vergonha em relação a esse assunto”, diz Mariana Torquato.
Existem comportamentos cotidianos que mostram o quanto essa vergonha está enraizada no
comportamento das mulheres desde a primeira vez que menstruam: “Muitas meninas menstruam e se sentem
constrangidas em falar com os pais sobre isso […] E mulheres escondem dos seus parceiros que estão
menstruadas […] E um vazamento em público é visto como o pior que pode acontecer na vida da mulher”,
apontam Mariana Torquato e Gabi Oliveira.
Alguns questionamentos são feitos sobre a postura da sociedade que faz a mulher se sentir mal por
estar menstruada, dessa forma é abordada a “vilanização” da tensão pré-menstrual (TPM). É possível observar
que muitas pessoas relacionam o comportamento de mulheres como se qualquer sinal de tristeza ou raiva
estivesse associado aos sintomas pré-menstruais e, assim, não devessem ser levados tão a sério, por ser algo
passageiro:
Outro resquício medieval é o costume de vilanizar a “tpm”, por trás de cada piadinha há uma
tentativa de estereotipar a mulher como fraca, problemática, descontrolada, inferior. Por outro
lado, os eufemismos da publicidade pouco contribuem para discussão ao associar a
menstruação a passear de bicicleta, andar a cavalo, pular de bungee jumping, sempre
usando roupas brancas. E senhores, pelo amor de Deus! O nosso sangue é vermelho! Igual
ao seu, querido… (Maira Medeiros)
Também é problematizada a postura machista da sociedade, uma vez que a menstruação é um
processo biológico do corpo das mulheres e talvez seja esse o motivo que o faz ser tão patologizado e silenciado,
cabendo a reflexão de como a menstruação seria vista se fizesse parte do corpo masculino. “Menstruar é um
processo biológico que nunca vai mudar […] Já o machismo é um processo social que precisa mudar e é muito
mais perigoso que uma simples TPM […] TPM é só às vezes, machismo é sempre!”, afirmam Gabi Oliveira e
Mariana Torquato.
O segundo vídeo analisado tem como título: “MENSTRUAÇÃO? QUE NOJO!”, do canal “Dobruskii”,
publicado em 27 de novembro de 2015, com duração de oito minutos e doze segundos. O vídeo conta com a
participação de uma única youtuber, a dona do canal, que relata como, a partir de experiências pessoais e
algumas observações, ela começou a questionar sobre os tabus acerca do sangue menstrual e o porquê dos
comportamentos sociais serem de tanta rejeição e até mesmo tratarem o assunto como piada e brincadeira.
É relembrado pela youtuber um dia em que ela precisou de absorvente e teve que pedir um em silêncio
para sua sogra, recebendo o absorvente que foi escondido no bolso enquanto a outra mulher passava perto das
pessoas que estavam no local. A partir daí, a youtuber conta que notou que a vergonha por estar menstruada
sempre fez parte de sua vida:
A sociedade, desde quando uma menina nasce, ela já coloca tão evidentemente na nossa
cara de que menstruar é repulsivo, é nojento e é sujo. Gente, enfim, em muitos lugares
dizem isso e, principalmente, na Bíblia, eu acredito que vem daí o maior nojo que as pessoas
sentem por menstruação. Porque tem certas coisas que eu estava lendo na Bíblia, eu vi
antes desse vídeo que são coisas assim, sabe, tão profundas, são coisas tão repulsivas,
mostra como se a menstruação fosse uma coisa extremamente nojenta e pecaminosa.
(Drobuskii)
São diversos os acontecimentos na vida da mulher, principalmente durante o período menstrual que
revelam esse silenciamento sobre a menstruação. Como se lidar com isso de forma natural fosse agressivo e
uma atitude que não é adequada para as mulheres. A youtuber conta sobre um outro momento marcante do
início de sua adolescência, quando o sangue vazou e transpareceu na calça em que ela vestia, sendo motivo
para brincadeira de alguns meninos da escola. Ao aprofundar mais nesses questionamentos, a youtuber nota
que não achava errado a atitude dos meninos que debochavam dela, mas se via como culpada e repugnante.
Dessa forma, é possível observar que esses comportamentos estão tão enraizados na sociedade que fazem as
meninas acreditarem que a natureza de seus corpos é suja e tem algo errado acontecendo com ela enquanto
menstrua:
Menstruação não é repulsivo, não é motivo de vergonha, é extremamente normal. […] nós
mulheres devemos nos amar, nos respeitar e gostar do jeito que a gente é, sem ligar pras
opiniões de terceiros. Eu espero muito que a sociedade em que a gente vive mude esse
pensamento, que é debochar de certos seres humanos de algo que nasceu com eles, de
algo que é deles. (Dobruskii)
O canal “Conexão Feminista” publicou o vídeo “Precisamos falar sobre menstruação”, no dia 31 de
março de 2017, com duração de trinta e oito minutos e dez segundos. O vídeo consiste em uma conversa online
entre as duas mulheres que compõem o canal, Renata e Heloisa. É abordado, inicialmente, sobre coletor
menstrual, que além de ser sustentável por não poluir tanto quanto o absorvente, permite que a mulher saiba
melhor qual é a quantidade de sangue liberado no seu período menstrual. É questionado no vídeo o cheiro forte
que não é intrínseco à menstruação, e sim, é exacerbado devido ao uso do absorvente, o que não acontece
quando o coletor menstrual é utilizado, no qual é sentido apenas o cheiro próprio do sangue. Porém, é
ressaltado que para as empresas que fabricam e vendem absorventes, a divulgação e consumo do coletor
menstrual não é tão favorável, porque o lucro gerado pela venda dos absorventes é muito maior, tendo em vista
que são descartáveis, sendo utilizados cerca de doze absorventes por mulher em um ciclo.
No vídeo, é apontada a necessidade de discutir e questionar o discurso religioso e tradicional, que ao
mesmo tempo que caracteriza as mulheres como impuras quando estão menstruadas e silenciam esse assunto,
vangloriam a gravidez, como se não fosse possibilitada pelo sangue menstrual.
As youtubers apontam neste vídeo como ato político uma atleta que não usou absorvente e durante a
maratona o sangue vazou e marcou sua roupa, sendo motivo de susto para os telespectadores, gerando
polêmica sobre o assunto nos dias seguintes ao ocorrido. É questionado porque quando atletas urinam ou
defecam durante uma maratona as pessoas reagem de forma mais pacífica, sem se assustar e gerar notícia
sobre isso:
[…] me lembrou que meu maior medo quando ficava menstruada quando era adolescente,
era passar, vazar! […] E eu lembro que até mais velha, quando eu ia sair de casa […] eu
perguntava meu marido ‘Tá aparecendo? Tá aparecendo que eu to com absorvente?’ É um
desespero, um desespero! (Heloisa)
É notável que para muitas mulheres conhecer o próprio corpo, o seu sangue menstrual e seu ciclo não
é algo tão comum e natural, porque ainda é um assunto muito abafado na sociedade, apesar de ser tão
importante. Esse comportamento que invisibiliza o período menstrual é muito influenciado pelo machismo e pela
ideia de que a mulher tem que estar sempre impecável, escondendo toda naturalidade que não é vista como
sensual ou agradável aos olhos dos homens, e não só com a menstruação isso acontece, mas também com o
uso de maquiagens, cirurgias para padronizar diversas partes do corpo feminino. Nesse vídeo isso também é
abordado:
O reconhecimento do seu próprio ciclo, eu acho muito benéfico pro mundo! É isso, de você
entender que nada funciona de um determinado jeito 24 horas por dia, que é o que cabe na
nossa sociedade, que é o que exigem da gente o tempo inteiro, que a gente esteja sempre
nessa nossa melhor versão, que nossa melhor versão?! Então, isso eu acho muito
importante, porque quebra um paradigma. Não vou funcionar o tempo inteiro, porque eu não
sou uma máquina pra funcionar, eu sou uma pessoa! (Renata)
As youtubers também conversam sobre sexo enquanto a mulher está menstruada, que em vários casos
reflete a misoginia da sociedade, porque muitas pessoas sentem nojo e acreditam que a mulher não pode ter
relações sexuais durante esse período. Existem sociedades (não são apontados nomes no vídeo) que fazem a
mulher ficar reclusa durante o período menstrual, baseando-se na impureza da mulher e da menstruação:
Do ponto de vista da nossa sociedade que parabeniza as mulheres porque elas podem ser
mães, parabeniza e estimula, e julga quem não quer ser mãe, faz muito sentido a
menstruação ser uma vergonha. Porque cada vez que você menstrua, você falha como uma
pessoa que não reproduziu. […] O nosso corpo não funcionou como a sociedade pede.
(Renata)
O quarto vídeo analisado “Papo de amigas: menstruação, coletor menstrual e tpm”, do canal “Clube do
Bordado”, foi divulgado no YouTube dia 3 de agosto de 2016, tendo dezesseis minutos e cinco minutos de
duração. Quatro youtubers conversam sobre o coletor menstrual e contam suas experiências, como fazem para
colocar ou tirar e quais são suas impressões, vendo a mudança de cor do sangue ao longo dos dias, tendo
contato com a quantidade de sangue, além de estar relacionado ao conhecimento do próprio corpo, apesar de
não ser utilizado por muita gente. “Gente, no final das contas o copinho é igual à liberdade. E autoconhecimento.
É você se descobrir de uma forma que você não tinha se descoberto antes”.
Também é questionado a sensação ruim que as mulheres sentem sobre o próprio sangue e como isso
foi mudando para elas em decorrência do uso do coletor menstrual. “Eu perdi o nojo. Essa história do cheiro é
muito maravilhosa! Até porque quando a pessoa usa absorvente, principalmente o externo, fica um fedor do
caralho. E aquilo ali fica em contato com o seu corpo, por fora, eu não acho legal”.
As youtubers citam que há uma relação entre o ciclo menstrual e as fases da lua, por exemplo, na lua
cheia o fluxo fica mais intenso e mulher sente mais dores. Contam como mudaram a relação com o próprio
sangue e com a tensão pré-menstrual também: “A partir daí, eu parei de me importar com a minha TPM. Eu sei
que eu vou ficar mais sensível ou mais irritada, mas eu abraço ela. Dar lugar pra ela se manifestar, né?! Vamos
abraçar a nossa TPM!”.
Por fim, é abordado sobre descobrir e entender mais sobre o funcionamento do próprio corpo,
compreender a naturalidade do sangue e a necessidade de falar sobre isso com as outras pessoas:
Nós esperamos com esse vídeo que nós incentivemos o autoconhecimento […] Vamos
deixar umas coisas claras: mulheres menstruam, o sangue existe… E falar abertamente com
as amigas, porque tem coisas que você acha que só está acontecendo com você, mas
também está acontecendo com sua amiga. Sororidade também, né, gente!
O quinto vídeo analisado neste artigo é do canal “Victoria Ferreira”, divulgado no dia 3 de abril de 2017,
com duração de dez minutos e cinquenta segundos e intitulado como “PRECISAMOS FALAR SOBRE
MENSTRUAÇÃO #VEDA3”. Neste vídeo, a dona do canal traz como assunto principal as informações mais
importantes sobre o uso do coletor menstrual e quais são as experiências com o uso. Apontando que o coletor
menstrual é mais econômico ao longo do tempo, decorrente da durabilidade do coletor, e menos poluente,
favorável à higiene e saúde da mulher, uma vez que o absorvente retém não só o sangue menstrual, mas todo
líquido e fluidos que estão na vagina, além de fazer com que o sangue entre em contato com o ar, produzindo
cheiro ruim.
A youtuber faz alguns questionamentos sobre o tabu que está presente até mesmo na hora de falar
sobre a palavra “menstruação”, como se fosse algo inapropriado que deve ser substituído por algumas palavras
que terão menos impacto, como se estar menstruada não fosse natural e comum:
Vim falar sobre menstruação, aliás nesse vídeo, gostaria de compartilhar o meu incômodo
com as pessoas que não falam “menstruação”. Qual é o problema com a palavra
menstruação?! As pessoas ficam tipo “Ai, tava naqueles dias…”. Gente, “menstruação” não é
uma palavra feia, você fala que vai fazer xixi, então porque você não fala que tá
menstruada?! (Victoria Ferreira)
Ao finalizar o vídeo, a youtuber relaciona o uso do coletor menstrual com o empoderamento feminino,
que possibilita a descoberta do próprio corpo e a maior compreensão do que realmente é o sangue menstrual,
sem todos os tabus e censuras que existem para invisibilizá-lo:
Eu me sinto tão confortável, eu não sinto o peso que a menstruação me trazia antes. E
transformou a relação com a própria menstruação. Antes eu tinha um nojo que a maior parte
das pessoas tem e aí eu percebi que é só sangue, porque cê tira o coletor menstrual e vê o
sangue coletado ali. Você percebe que é simplesmente sangue, ele não tem cheiro ruim, ele
não tem uma textura grotesca, ele é simplesmente sangue, como se você tivesse se cortado
em qualquer lugar do corpo, entende?! Então… É só sangue. E isso foi muito incrível,
assim… Foi muito empoderamento, sabe?! […] Criei uma outra relação comigo mesma,
principalmente nesse período de menstruação. (Victoria Ferreira)
O vídeo “MENSTRUAÇÃO: QUEBRANDO OS TABUS SEM NOJINHO” do canal “DRelacionamentos”,
foi divulgado dia 2 de maio de 2017, com cinco minutos de duração. Quatro youtubers que compõem o canal
conversam sobre menstruação, problematizam os tabus, a vergonha e o nojo acerca desse assunto: “Apesar de
parecer algo muito natural, ainda existem muitos tabus sobre o tema […] E estamos em pleno 2017 e as
pessoas têm vergonha de falar sobre menstruação e ao mesmo tempo de dizerem que estão menstruadas”.
O uso de outros termos para mascarar o período menstrual também é enfatizado no vídeo: “Pensa
quantas mulheres você já ouviu falar: ‘Não… É porque eu to menstruada’. A maioria fala: ‘Não… É porque eu tô
naqueles dias’”.
Como foi analisado ao longo da pesquisa, também é abordado nesse vídeo a representação da
menstruação nas propagandas de marcas de absorventes, que ilustram o sangue como um líquido azul,
“Menstruar é tão feio, tão feio, que até nos comerciais de absorvente (que é um negócio feito pra isso) o
liquidozinho é azul. […] Já viu alguém menstruar azul?!”.
Ao expor os comportamentos que demonstram o quanto as pessoas têm nojo da menstruação, as
meninas tentam desconstruir esse tabu: “Não precisa ser motivo de vergonha. Não é pra ser motivo de vergonha.
É algo natural do nosso corpo e a gente tem que lidar com isso e se desprender um pouco […] Eu acho que o
melhor jeito da gente quebrar isso aí é a gente conhecer nosso próprio corpo”.
O último vídeo analisado nessa pesquisa foi divulgado no 26 de agosto de 2016, pelo canal “Neggata” e
intitulado como “TABUS FEMININOS”, tendo sete minutos e cinquenta e um segundos, no qual duas youtubers
(Moniquue e Gleici) questionam os tabus impostos às mulheres acerca da menstruação e da depilação.
Tratam a menstruação com naturalidade, desmistificando a ideia de que é um sangue sujo ou com
cheiro ruim, e o fato dele ser eliminado do corpo a cada mês em que a mulher não engravida é um processo
biológico natural:
As pessoas associam muito menstruação com uma coisa horrível, ruim. Porque desde
pequena a gente escuta que é a pior época da vida, a época do mês que cê mais vai sofrer
[…] E na real é tudo uma construção social, né… O que é a menstruação?! A menstruação
não é a sujeira do seu corpo saindo. É a camada mais limpa e mais rica que seu corpo nutriu
pra servir o embrião. Ai o que aconteceu?! O embrião não chegou, ai ela sai... Então, não
tem nada, não é sujo. Não é sujeira. […] A menstruação em si não tem cheiro, o que deixa
cheiro são os absorventes. […] (Gleici)
Nesse vídeo também é abordado sobre o coletor menstrual que possibilita que a mulher conheça mais
o seu fluxo e a quantidade de sangue que sai na menstruação, fazendo com que vários tabus naturalizados na
sociedade sejam questionados:
Eu senti uma grande mudança, de quebra de tabu com o coletor menstrual. Por quê?!
Porque com o absorvente eu achava que eu menstruava horrores, porque quando vem
assim o fluxo ele desce, espalha, vaza e no coletor não, tu vê que tu menstrua isso aqui
sabe?! Dois dedinhos por dia […] Quando tu bota o OB lá dentro, ele acaba absorvendo as
bactérias que te protegem, porque a gente tem bactéria e fungo que protege a gente dentro
da nossa vagina. Então, tu bota o absorvente lá e ele absorve tudo, absorve o muco, absorve
suas células, absorve umas coisas que não são necessariamente legais de tirar de lá,
entendeu?! E aí o coletor vem com essa proposta, tu pensa “Caralho… Eu não sou fedida,
era aquele produto que me deixava com um cheiro estranho”, “Puts, eu não menstruo tanto
assim…”, aí tu tem uma ressignificação do que é a menstruação na sua vida. (Gleici)
A partir das análises dos vídeos, é possível notar alguns questionamentos e tabus que são citados em
quase todos eles, como o desconhecimento do próprio corpo, porque a mulher cresce aprendendo que não pode
se tocar, tem que estar comportada, de pernas fechadas, sempre tomando cuidado para esconder sua vagina.
Isso gera a falta de autonomia feminina para se descobrir, falar abertamente sobre o assunto, tirar as dúvidas
quando começam os primeiros ciclos menstruais e entender as mudanças no corpo. As youtubers desmistificam
a crença no odor fétido da menstruação, explicando que o cheiro ruim decorre do uso do absorvente. O modo
como as mulheres lidam com o corpo e entendem o ciclo menstrual é construída por diversos fatores sociais. O
que é muito apontado nos vídeos, principalmente na publicidade, onde a falta de representação da realidade que
as mulheres vivem, principalmente pelo sangue que é o líquido azul, mas também pelo padrão das mulheres que
participam da propaganda, que não representa grande parte da população e impõe um ideal de beleza e
liberdade, impõe essa ideia de rejeição do sangue menstrual. A partir das abordagens feitas nos vídeos, as
youtubers trazem uma resignificação da forma como a menstruação é tratada e problematizam os diversos tabus.
4 – Considerações finais: “Nosso sangue não é azul!”
É possível notar que os discursos da mídia hegemônica sobre a menstruação como algo ruim e que
deve ser rejeitado são reproduzidos por muitas meninas. Não questiono nesta pesquisa a veracidade do
incômodo e das dores consequentes do período pré-menstrual e da descamação do útero e liberação do sangue,
mas faço uma reflexão sobre como esses incômodos são tratados diferentemente de outros. De acordo com as
análises feitas, é notável a forma que é tratada a menstruação, como rejeição, necessidade de suprimi-la, sendo
muito comum a invisibilização do sangue menstrual que faz parte da naturalidade corpórea de grande parte das
mulheres. É possível ver essa vergonha ao comparar a maneira como se lida com o sangue menstrual e o
sangue de outras partes do corpo, por exemplo, quando uma pessoa se machuca e sangra, esse sangue é
tratado de outra forma, não há necessidade de rejeitá-lo, escondê-lo e lidar com ele da maneira mais silenciosa
possível. Existem outras dores que as pessoas sentem recorrentemente que advém da natureza do corpo
humano, como a eliminação de fezes, que também pode causar dores e, em casos específicos, trazer
incômodos.
Ao analisar a rejeição e o silenciamento da menstruação, busco refletir até que ponto essas reações
não são construídas como frutos de uma sociedade misógina que censura o corpo feminino em todas as
instâncias em que ele não serve para o prazer sexual dos homens, e como a menstruação seria tratada se
fizesse parte da fisiologia dos corpos masculinos também:
Para que possam ver a raiva como uma bênção, e não como doença, talvez seja necessário
que as mulheres sintam que sua raiva é legítima. Para que possam sentir que sua raiva é
legítima, talvez seja necessário que compreendam sua posição estrutural na sociedade e
isso, por sua vez, talvez envolva uma consciência de si mesmas como membros de um
grupo ao qual é negada a plena participação na sociedade simplesmente com base no
gênero sexual. (MARTIN, 2006, p. 215)
Dessa forma, é importante ressaltar como a “contracorrente” vem ganhando força, através das
exposições de arte com sangue menstrual, a venda dos copinhos coletores, as pesquisas, os vídeos e debates
realizados por mulheres que falam abertamente sobre o assunto e fazem uma oposição constante: de um lado,
os absorventes que são associados ao mercado, opressão, falta de autonomia, falta de conhecimento e
distanciamento da mulher de seu próprio corpo e, de outro lado, o coletor menstrual que é associado a melhor
qualidade de vida, maior contato com o corpo, tendo um papel emancipatório na perspectiva das mulheres que
relatam sobre o uso. Reconhecer o próprio corpo e o seu ciclo torna-se signo de autenticidade do eu, é tido
como uma forma de “libertação” de estigmas e imposições sociais, mas também exige compromissos, como
aprender a aderir outros valores, discursos e técnicas corporais.
Contudo, a estigmatização acerca da menstruação ainda existe e continua sendo potencializada pela
mídia. É possível observar que esse assunto permanece sendo um tema constrangedor e vergonhoso, o
desconhecimento do próprio corpo e a rejeição de sua naturalidade permanecem vigentes no discurso e no
comportamento de muitas mulheres, de diferentes gerações.
REFERÊNCIAS
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FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
LE BRETON, David. Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Trad. Marina Appenzeller. 5ª ed. Campinas:
Papirus, 2003.
MARTIN, Emily. A mulher no corpo: uma análise cultural da reprodução. Rio de Janeiro, Editora Garamond, 2006.
CAMPAGNA, Viviane Namur; SOUZA, Audrey Setton Lopes de. Corpo e imagem corporal no início da
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MANICA, Daniela. A desnaturalização da menstruação: hormônios contraceptivos e tecnociência. Horizontes
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Menstruação Reforçado pelas Propagandas de Absorvente. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos
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RJ – 4 a 7/9/2015.
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. Acesso em: 30 de abril de 2017.
NEGGATA.
Tabus
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YouTube.
29
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2016.
Disponível
em:
. Acesso em: 30 de abril de 2017.
NUNCA TE PEDI NADA. #PorQueMulher Menstrua Azul? | Episódio 8. YouTube. 30 mar. 2017. Disponível em:
. Acesso em: 22 de abril de 2017.
VICTORIA FERREIRA. Precisamos falar sobre menstruação #VEDA 3. YouTube. 3 abr 2017. Disponível em:
. Acesso em: 28 de abril de 2017.
VIVA SEM MENSTRUAR. Disponível em: . Acesso em: 2 de dezembro de
2016.
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