2.
REVISÃO DE LITERATURA
2.1.
A RAÇA MANGALARGA MARCHADOR
Segundo Casiuch (1997), os primeiros cavalos introduzidos no Brasil, provenientes
da Península Ibérica e das colônias portuguesas no Atlântico, descendiam dos cavalos
Bérberes, Sorraias e Garranos, os quais se adaptaram as condições edafoclimáticas do
Brasil. De acordo com Cabrera (1945), Chieffi (1950) e ABCCMM (1991), a raça
Mangalarga Marchador tem ascendência ibérica, com descendência direta da raça Alter
(Puro Sangue Lusitano), vinda de Portugal com a família real em 1808. Os garanhões
portugueses eram provenientes da Coudelaria de Alter do Chão.
Em 1738, dom João V fundou em terras de sua propriedade, em Alter do Chão, no
Alentejo, uma coudelaria destinada à seleção de cavalos belos e finos para apresentações
de arte equestre na Picaria Real de Lisboa. Para formar a real manada, dom José utilizou
cavalos e éguas Andaluzes das melhores procedências. Com muito trabalho e dedicação, a
coudelaria de Alter passou a enviar os seus cavalos Alter-Real para reprises de arte
equestre no Picadeiro Real dos Coches, em Lisboa. Com perfeição no rigor da técnica, na
beleza dos movimentos e na elegância das atitudes, o cavalo Alter-Real atingiu o apogeu
entre 1771 e 1800 (Rocha, 1999).
Porém, no final do século 18, começou a formação de uma tempestade que iria
abalar profundamente a situação política da Europa. O distante roncar de trovões e as
faíscas que podiam ser observadas no horizonte de Portugal logo se transformariam nos
estrondos dos canhões e no fogo de artilharia dos exércitos vitoriosos de Napoleão
Bonaparte, que avançavam pela Península Ibérica em direção a Lisboa (Rocha, 1999).
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Em 1801, a invasão do Alentejo pelas tropas espanholas, a serviço da megalomania
napoleônica, significou para a Coudelaria de Alter o final da sua época de ouro. E depois,
com a precipitada mudança do príncipe regente e de toda a corte portuguesa para o Brasil,
a Coudelaria de Alter se tornou refém dos acontecimentos históricos (Rocha, 1999).
Muito embora as tropas francesas não tivessem entrado na Coudelaria de Alter, no
Alentejo, elas saquearam, em 1808, as cavalariças reais em Belém, levando os melhores
reprodutores. O apressado deslocamento das éguas de reprodução, para fugir da ladroeira
francesa, também provocou perdas e danos. O vandalismo das tropas inglesas nas
instalações do Alentejo empobreceu ainda mais o Alter (Rocha, 1999).
Na última década do século 19, dona Maria Pia, sem uma orientação zootécnica
adequada, fez uma tentativa desastrosa de ressuscitar a raça com sangue Hanoveriano,
Normando, Inglês e Árabe. Depois de dois séculos de aventuras e tragédias compartilhadas
o Alter-Real tinha virtualmente desaparecido da História política e do cenário equestre de
Portugal.
Mas, com a transferência da capital da monarquia portuguesa para o Rio de Janeiro,
em 1808, o sangue Alter-Real teve grande influência na formação da principal raça de
cavalos do Brasil – o Mangalarga Marchador (Rocha, 1999).
No início do século XIX, o Sul de Minas Gerais foi intensamente explorado pela
mineração, com grande fluxo de imigrantes para seus arredores. Esse fato levou ao
estabelecimento de várias famílias na região, com desenvolvimento de muitas fazendas de
criação de gado (leite e corte) e cavalos, com a finalidade de suprir as necessidades
referentes à alimentação, tração e transporte (Casiuch, 1997).
Gabriel Francisco Junqueira, o Barão de Alfenas, abastado fazendeiro da região do
Sul de Minas Gerais, com grande tradição na criação de bovinos e equinos, recebeu de
presente do então príncipe regente D. João VI, um garanhão da raça Alter, chamado
“Sublime”. Esse garanhão foi acasalado com éguas nativas da região, denominadas
“crioulas”, formando a base da raça Mangalarga Marchador. As éguas nativas,
provavelmente, eram descendentes dos primeiros equinos trazidos, também da Península
Ibérica, no início da colonização brasileira, em 1534. Elas contribuíram para a formação da
raça Mangalarga Marchador com sua rusticidade e capacidade de adaptação a condições
adversas, coragem para enfrentar desafios, lealdade, grande resistência as longas
cavalgadas e andamento com ótimo rendimento e grande comodidade (ABCCMM, 1991 e
Casiuch, 1997).
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Os criadores mineiros, principalmente os Junqueira, descendentes do Barão de
Alfenas, continuaram a selecionar o Mangalarga Marchador. Além da fazenda Campo
Alegre, outras constituíram a base inicial da formação da raça, tais como: Fazenda Campo
Lindo, Fazenda Traituba, Fazenda Favacho, Engenho de Serra e Fazenda Angahy
(Andrade, 1984). Segundo Costa et al. (2005b), a atual população da raça Mangalarga
Marchador é constituída, em ordem de importância, por cinco grupos genéticos
descendentes dos animais Herdade Alteza e Seta Caxias, Providência Itu e Tabatinga
Predileto, Abaíba Marengo, Tabatinga Cossaco e Angaí Miron.
Em 16 de julho de 1949, em reunião realizada em Caxambu - MG, foi fundada a
Associação Brasileira dos Criadores do Cavalo Mangalarga Marchador (ABCCMM), hoje
com sede em Belo Horizonte - MG. A ABCCMM iniciou os trabalhos de registro
genealógico dos animais em 1950. Até 2012 foram cadastrados 7000 associados, sendo
250 no exterior; 28000 criadores no Brasil, Estados Unidos, Alemanha, Holanda, Bélgica,
Portugal, Itália, Canadá, Israel, Peru, Uruguai, Argentina, Congo, França e Dinamarca,
518000 animais registrados; 300 veterinários cadastrados para realizarem transferência de
embriões; 56 técnicos de registro; 24 árbitros e 16 instrutores. Além da sede da ABCCMM
na cidade de Belo Horizonte, existem 58 núcleos de criadores no Brasil e quatro
associações de criadores da raça no exterior (ABCCMM, 2013).
Em 2012 foram realizados 230 eventos nos diversos Estados do País, com
participação de 9125 expositores e julgamento de 21072 animais. No mesmo ano, 4510
animais foram comercializados em 50 leilões da raça, além da realização de 25 eventos no
exterior, comprovando a grandeza do Mangalarga Marchador, que gera cerca de 43000
empregos diretos e mobiliza 200000 pessoas indiretamente. A Exposição Nacional do
Mangalarga Marchador, principal evento da raça, é realizada desde 1982 pela ABCCMM,
reunindo representantes de todos os Estados. Cerca de 500 expositores levam à pista mais
de 1500 animais, todos credenciados anualmente com os títulos de Campeão ou Reservado
Campeão nas exposições regionais oficializadas pela entidade em todo o País (Vieira,
2011).
Costa et al. (2005a) avaliaram a evolução temporal do tamanho efetivo da
população e do coeficiente de endogamia da raça, desde a fundação da associação da raça
até 1999. Estes autores observaram que o coeficiente médio de endogamia para toda a
população encontra-se dentro dos níveis aceitáveis e que, os níveis de endogamia
individual apresentam tendência de decréscimo, pois, os criadores estão evitando
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acasalamentos entre parentes muito próximos. Ainda segundo o estudo, o tamanho efetivo
da população Mangalarga Marchador apresenta flutuações periódicas decorrentes de
alterações do tamanho das famílias, e nos últimos anos a ocorrência de afunilamento
genético parece estar associada ao maior uso de inseminação artificial.
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