As diferentes versões do conto A Bela Adormecida
Assim como afirma BetinaHillesheim (2002), contar história é relatar
acontecimentos diversos reais ou imaginários. Não é contado de uma única forma é
adaptado de acordo com as necessidades de quem o conta. Uma história sempre
deriva de outra.
E com os contos de fadas não foi diferente. Sabe-se que no século XIV, os
contos eram histórias com enredos que falavam de sexo, violência, canibalismo,
insinuações sexuais e fome e, por este motivo, não eram apropriadas para as
crianças. Essas histórias refletiam aquilo que os camponeses vivenciavam. Robert
Darnton (1986) explica: “os camponeses franceses, no início da França moderna,
habitavam um mundo de madrastas e órfãos, de labuta inexorável e interminável, e de
emoções brutais, tanto aparentes como reprimidas".
A primeira versão da história A Bela Adormecida, foi escrita no século XVII, na
Itália por GiambattistaBasile intitulada como Sol, Lua e Talia. Esta história faz parte de
uma coleção de contos folclóricos publicados no livro LoCunti de li Cunto, publicado
postumamente em 1634.
Conta à história que, após o nascimento da filha, o rei, convocou os sábios do
reino para que eles verificassem como seria o futuro da menina. O rei, ao saber que a
filha morreria após espetar o dedo em uma farpa de linho, fez todos os esforços
possíveis para manter a menina longe desse material. Porém, um dia, a menina
encontra um fuso e espeta a farpa de linho embaixo da unha, caindo desacordada. O
rei, acreditando que a filha está morta, colocao corpo da menina sentado em uma
poltrona em uma casa no meio do bosque.
Um rei de um reino vizinho estava caçando e encontra a casa, entrae vêa
menina sentada na poltrona. Ele tenta acordá-la, sem sucesso.Como a jovem era
muito bela, o rei, tomado pelo desejo, leva a jovem para o quarto e a estupra. Após
saciar seus desejos, vai embora e deixa a donzela ali abandonada.Nove meses
depois, Talia dá a luz a duas crianças que recebem cuidados das fadas que as
batizam de Sol e Lua. Com fome, uma das crianças tenta encontrar o seio da mãe e
ao encontrar seu dedo, achando que é seu seio começa a sugá-lo tirando a farpa do
dedo da mãe que desperta no mesmo instante, sem entender o que está acontecendo.
Um dia, o rei relembra sua aventura e resolve ir até o bosque. Ao entrar na
casa se depara com a princesa e as duas crianças. Ele explica o que aconteceu a
Talia e prometemandar buscá-la.
O rei era casado e sua mulher, a rainha, descobre a existência de Talia e seus
filhos. A rainha, manda buscar os filhos do rei e manda que o cozinheiro mate-os e os
sirva no jantar. Posteriormente, manda buscar Taliaordena que ela seja queimada
viva. Quando Talia está preste a ser jogada na fogueira, o rei chega e questiona sua
esposa sobre o que está acontecendo. Ela explica ao rei que descobriu sua traição e
que havia servido seus próprios filhos no jantar para ele.
O rei desesperado ao ouvir a história manda chamar o cozinheiro que explica
que não teve coragem de matar as crianças e que as mesmas estavam seguras com
sua mulher. Quando a mulher chegou com os filhos do rei, ele ordenou que sua
esposa, a rainha, fosse jogada na fogueira por tanta maldade. O rei, Talia e os filhos
viveram uma longa vida no reino.
Na história de GiambattistaBasile (1634) percebe-se a proximidade de fatos
com as histórias que provavelmente foram contadas pelos camponeses.
As histórias adaptadas do contexto social dos camponeses eram contadas em
diferentes situações e dessa forma chegaram a corte francesa, primeiro oralmente e
depois pela publicação do livro de Charles Perrault (1697).
Ao coletar historias populares, Perrault inicia um processo de resgate de uma literatura
que vinha sobrevivendo, durante séculos, de boca em boca, sendo desprezada pela
cultura erudita, Perrault não criou as narrativas de seus contos, mas as adaptou para
que estas se adequassem à corte francesa do rei Luiz XIV. Foram as narrativas
folclóricas contadas pelos camponeses, governantas e servetes que inicialmente
forneceram matéria-prima para esses contos. (ALBERTI, 2006, p. 24)
Em seu livro, Contesmamèrel’ove também conhecido com Histórias da Mamãe
Ganso, publicado em 1697, é possível encontrar o conto de Perrault, baseado na
história de Sol, Lua e Talia. Foi intitulado de The SleepingBeauty in the Wood e, pode-
se dizer que esta versão, apesar das diferenças, assemelha-se muito ao conto de
Basile (1634).
A história de Perrault (1697) conta que um jovem príncipe que adorava caçar,
avistou por cima dos arvoredos as torres de um castelo. Curioso, buscou saber a
história que cercava aquele castelo. Descobriu que o rei e a rainha desejavam muito
ter um filho. A rainha teve uma filha e o rei resolveu então fazer a festa de batizado
convidando as fadas do reino. Como eram oito fadas e o rei só tinha sete pratos de
ouro optou em não convidar a fada mais velha que ficou muito zangada. No dia do
batizando, quando as fadas estavam dando os dons à menina, a fada mais velha
apareceu e lançou lhe uma maldição, dizendo que a menina iria crescer e aos quinze
anos espetaria o dedo em uma roca e morreria. A fada mais jovem, ainda não havia
concedido o seu dom a princesa, apesar de não poder desmanchar amenizou a
maldição dizendo que a princesa não morreria e sim dormiria em um sono profundo
por cem anos, e que despertaria ao receber um beijo de amor.
Ao ouvir aquela historia, o príncipe resolveu ir até o castelo para averiguar se a
história era verdadeira. Chegando lá, encontrou todas as pessoas do reino dormindo.
Foi até um quarto e encontrou uma moça muito bonita dormindo aproximou-se dela e
a beijou, despertando-a. O príncipe ficou muitos dias com a princesa, mas precisava
voltar para seu reino e sempre que podia, retornava ao castelo para ver sua amada.
Destes encontros nasceram dois filhos chamados de Cravo e Rosa. Com a morte do
rei, o príncipe foi coroado e mandou buscar a princesa e os dois filhos recebendo-a
como rainha soberana. Essa atitudedeixou a rainha, esposa de seu pai, furiosa e logo
teve a ideia de matar a princesa e os dois filhos assim que pudesse. Quando o rei foi
para a guerra, a rainha mandou chamar um criado ordenou que ele matasse os filhos
da princesa e servisse no jantar. O criado não teve coragem de fazer isso e no lugar
das crianças serviu um cabrito. Também ordenou que a princesa fosse queimada viva.
Quando iam colocar fogo na princesa o rei chega e a salva. A rainha ao ver o filho,
saltou pela janela e quebrou o pescoço. O criado mandou buscar Cravo e a Rosa e os
devolveu ao rei e a rainha. O rei recompensou o criado e todos viveram felizes para
sempre.
Percebe-se na história de Perrault (1967) uma mistura entre elementos da vida
real com elementos imaginários. Esses elementos eram utilizados pelo autor porque
pretendia retratar as lendas e os contos coletados de forma irônica e moralizante.
Outra versão muito conhecida deste conto é a história escrita pelos Irmãos
Grimm (1812) também se assemelha muito a história de Perrault (1697). Ana Claudia
Theodoro (2012) justifica essas semelhanças explicando que, as histórias de Perrault
(1687) tornaram-se tão conhecidas em toda a Europa e, para se adequarem à cultura
e pensamentos da época precisaram passar por adaptações. Com a popularização
desses contos, possibilitou que os Irmãos Grimm (1812)conhecessem as histórias de
Perrault (1687) e a partir daí criaram suas versões.
Os Grimm (1812) ao contar suas histórias, preocuparam-se em estabelecer
uma identidade nacional à Alemanha, com isso relacionaram as tradições populares
alemãs a suas histórias.
[...] os Irmãos Grimm não só adaptaram, como também adequaram os contos, a fim de
inseri-los numa realidade burguesa e de religião protestante, diferente dos conceitos
aristocráticos trazidos por Perrault. Preceitos como os diferentes modelos de
comportamento para o homem e para a mulher foram mantidos e enfatizados pelos
Grimm, mas tanto o erotismo como as expressões cristã foram exorcizadas, acordando
com o ideal patriarcalista da burguesia. (THEODORO, 2012, p. 21)
A versão do conto A Bela Adormecida dos Irmãos Grimm (1812) contam o rei e
uma rainha desejavam ter um filho. Um dia, enquanto a rainha se banhava, um sapo
apareceu e lhe deu a notícia de que ela daria a luz a uma menina.
Quando a menina nasceu, o rei organizou uma grande festa convidando a
todos do reino e as fadas que dariam graças a menina. Acontece que no reino havia
treze fadas e o rei só possui doze pratos de ouro e, por este motivo, uma das fadas
não foi convidada. No final da festa, as fadas presentearam a menina com dotes
mágicos. Quando onze das fadas da havia dado as virtudes entrou a fada que não
havia sido convidada e lançou uma maldição sobre a princesa, quando a menina
completasse quinze anos, espetaria o dedo num fuso e morreria. A fada que ainda não
havia presenteado a princesa com sua virtude disse que não poderia quebrar a
maldição, mas que ao invés da morte, a princesa dormiria um sono profundo de cem
anos. O rei a fim de evitar a maldição mandou que todos os fusos do reino fossem
queimados. Porém, no dia em que ia completar quinze anos, a menina encontrou um
fuso em uma velha torre e a maldição se concretizou.Ao redor do reino, cresceu uma
cerca de espinhos e este cobriu todo o castelo surgindo a lenda sobre a Bela
Adormecida. Muitos príncipes tentaram penetrar a cerca de espinhos, mas não
obtiveram sucesso.Depois de muitos anos, um jovem príncipe ouviu a história da Bela
Adormecida, e sem pensar, decidiu ir até lá. Como os cem anos já haviam se passado,
os espinhos haviam se transformados em flores e por si só se abriam para o príncipe
passar.Ao entrar no castelo, o príncipe observou que todos do reino dormiam, ele
passou em diversos cômodos até que chegou à torre do castelo onde encontrou a
princesa dormindo. Ele ficou maravilhado com sua beleza, inclinou-se e beijou-a
quebrando assim a maldição. O príncipe casou com a princesa e viveram felizes para
sempre.
Observa-se que a história dos Irmãos Grimm (1812) é uma versão mais
romântica. Também foi a mais aceita e divulgada sendo adaptada para o balé
Tchaikovsky (1890) e servindo como texto base para o filme da Disney e também de
outros livros e filmes de outras empresas.
A versão fílmica do conto A Bela Adormecida, foi lançado em 1959, pelos
estúdios da Disney. Apesar de estar baseada nos contos orais, esta versão foi
adaptada a uma estética romântica e infantilizada.
No conto da Disney, o rei e a rainha têm uma filha que nasce linda, cheia de
graça e beleza. O rei organiza a festa de batizado da menina e convida todas as
pessoas do reino e as fadas, porém esqueceu-se de convidar uma delas que fica
furiosa e no dia da festa lança uma maldição sobre a menina, que ela espetaria seu
dedo em um fuso e morreria. Como apenas duas fadas havia dados os dons a
princesa, a terceira fada, mesmo sem poder quebrar a maldição disse que a princesa
não dormiria e desertaria quando um beijo de amor lhe fosse dado. Os anos se
passaram e a maldição se concretizou. A princesa espetou o dedo em um fuso e caiu
num sono profundo. Muitos anos se passaram e um dia um príncipe andando pelo
bosque onde Aurora dormia, avistou a princesa e apaixonou-se por sua beleza. Foi até
ela e tomou-as nos braços dando-lhe um beijo de amor e despertando-a do sono
profundo. O príncipe casou com a princesa e os dois viveram felizes para sempre.
A versão Disney (1959) do conto, mostra uma realidade diferente, apesar de
preservar alguns acontecimentos das demais versões. Porém, Souza (2014) afirma
que “no filme a narrativa caminha em outro sentido.Virtudes como a bondade, a
caridade e o amor ao próximo são ressaltados mais de uma vez como quesitos
necessários para a felicidade e realização pessoal”.
A última versão analisada é a do filme Malévola (2014), que traz mudanças
significativas na história. Essas variações representam as mudanças sofridas na
cultura das sociedades contemporâneas e no arquétipo clássico da mulher.O filme
conta outro lado da história, humanizando a personagem da “fada má” mostrando o
lado mal das fadas boas. Contradiz as versões anteriores, uma vez que Malévola não
lançou a maldição apenas por não ter sidoconvidada para o batizado e sim por que foi
vítima de uma dura traição.
Malévola é órfã e na infância conhece Stefan, um garoto também órfão.
Malévola se apaixona porStefan,uma pessoa gananciosa e que por ambição (ser
rei,herdar o trono), aceita o desafio do rei em acabar com Malévola arrancando-lhe as
asas e fingindo tê-la matado. Fato este que faz com que ela deixe de ser fada e se
transforme em bruxa decidindo se vingar de Aurora, a filha de Stefan.Nobatizado de
Aurora, Malévola lança uma maldição na menina. O que ela não contava é que iria se
apaixonar pela princesa a ponto de protegê-la em diferentes situações de sua vida
demonstrando sua real essência. Quando a maldição está prestes a se concretizar
Malévola se arrepende, porém, não consegue desfazer a maldição e a princesa cai em
um sono profundo. Arrependida, Malévola vai atrás do príncipe e pede que ele beije
Aurora na tentativa de acordá-la. Infelizmente, o beijo do príncipe não desperta a
princesa e Malévola arrependida do que fez beija a menina morta. Tal é a surpresa
quando a princesa acorda após o beijo dado por Malévola, demonstrando que o amor
maternal de Malévola éverdadeiro.O rei inconformado com a situação humilha a bruxa
e quase a mata. Aurora que também ama Malévola, ao vê-la quase morta devolve
suas asas. Com isso, a bruxa se recupera derrota o rei que morre.O amor entre
Malévola e Aurora consegue unir os dois reinos: o dos humanos e o das fadas. Ao
final aparece a história sendo narrada por Aurora já idosa.
Esta história confirma as mudanças na sociedade e na forma como as
mulheres eram vistas.
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