Abre-te, Sésamo!
Lino Vitti
- 172 -
Ficou gravada em cheio no meu íntimo.
Tão profundamente
Que o não esqueci jamais.
Nunca mais!
Disseram-me que ainda vive.
Coitado, deve estar tão branquinho!
Também para ser pai
deste Brasil-Homem de hoje
Não é brincadeira!
Foi ele, o João Baiano, que deu rijeza
Às carnes brasileiras.
Ele, que lhe injecionou em sangue africano
A seiva musculosa
Que todos os anos faz exibição escandalosa
No festival das flores e dos frutos dos cafezais.
O suor
dos cativos africanos
Foi chuva diluviana que empapou,
Por extenso, o território nacional;
Que escorreu de cada monte e todo o vale
E fez brotar, em cada, um cafezal.
E é por isso que ao passar
por qualquer
Talhão verde negro de café,
Suponho ainda ver escravizado,
Em filas obedientes enquadrado,
Como tropas infinitas de soldados,
Um africano velho acorrentado,
Solene, eternamente, acocorado,
M artirizado,
Em cada pé.
Abre-te, Sésamo!
Lino Vitti
- 173 -
O João Baiano era bom.
E passou a morar no rancho acaboclado
De minha alma.
Talvez seja ele mesmo que agora salma,
Com aquele seu jeitão de feiticeiro,
Estes versos desconjuntados,
Estas linhas sem a mínima instrução;
Livres como era livre a idéia dele,
Pois que ele tinha o pensamento libertado
Embora o
corpo
Estivesse sujeito ao chicote do patrão.
O João Baiano era bom.
Fazia gaiolas e bodoques
Pra criançada da fazenda.
E muitas vezes dizia à mocidade
No barbarismo feliz de sua linguagem,
Semi-selvagem;
“M oços, eu não tenho a liberdade
Que a nhá Isabelinha concedeu
Aos negros da escravidão,
Porque nesta terrinha brasileira
Eu tenho a minha alma prisioneira
E argamassado meu coração”. . .
O João Baiano era bom.