Abre-te, Sésamo!
Lino Vitti
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Perto da cerca, sombreando
O fundo ali do quintal,
Eternamente ciciando
- M arulho longínquo e brando -
Frondeja o verde bambual.
E fica, do
lado oposto,
Repleto de par em par,
Cheirando a espigas e a mosto
O velho paiol. . . Que gosto!
Tão cheio, quase a estourar!
Sob o pomar, como é belo,
Que delicioso frescor!
Nas frondes, que olor singelo,
Onde irisado cuitelo
Volita de flor em flor!
No outono, que gostosura
[)e frutas em profusão!
Que gulodice e doçura!
M ais doce que rapadura
(Perdoando a comparação)
O poço de sob o rancho,
O galinheiro, o curral.
E além, num mourão,
muito ancho,
Um carniceiro carancho
Espreita os bois. . . e o pombal.
Abre-te, Sésamo!
Lino Vitti
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Troncos imóveis, em fila,
Pelo declive do val,
Semeando sombra tranqüila
Se o sol na altura cintila,
Despenca-se o eucaliptal!
Por entre as frondes, à sesta,
Zunem insetos sutis.
E, às vezes, rompem
em festa,
Depois de chuva funesta,
Sanhaços e bem-te-vis.
Abaixo, beirando o rumo
Do sítio de “seu” Natal,
Perto da roça de fumo,
Com folhas novas a prumo
Alastra-se o bananal.
Dá ganas que não aturo,
Junta águas no paladar,
Lembrando um cacho maduro
Oculto no verde-escuro,
Difícil de se encontrar.
E
a velha estrada que corta
O sítio, em curvas, à toa,
Parece, vermelha e torta,
Enorme, esquisita aorta
Do seio da terra boa.
Abre-te, Sésamo!
Lino Vitti
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Outrora sim, veia estranha,
Com carros descomunais,
Levava, em golfões, na entranha,
Toda a riqueza da apanha -
O sangue dos cafezais .
Hoje por ela, carroças
Transitam, raras, e só.
Bordejam-na extensas roças,
De quando
em quanto, palhoças,
E ruivas nuvens de pó.
Não pensem se disse outrora
Que foi há muito, talvez,
Tinha doze anos, e, agora,
Não pondo nenhum de fora
Eu devo ter trinta e três. (N.B – o livro foi escrito em
l959)
Reparem: toda essa terra
De barrocais e espigões
Até pertinho
da serra
(Se a minha mente não erra)
Floriu em ricos talhões.
Adiante, na encruzilhada,
A capelinha traduz
Assim de novo caiada
Recordações da passada
Festança de Santa Cruz.
Abre-te, Sésamo!
Lino Vitti
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Quem nunca a apreciou ainda
Vá lá, vá ver o que é.
A festa mais rara e linda
Que
sempre inicia e finda
Num tremendo racha-pé.
Gemem sanfonas e violas -
Alma de todo o sarau.
E no tropel que rebola
Não faltam as “Nha Carolas”
Ao lado do “Seu Nhô Lau”.
M as, minha pena, descanse,
Por ora, deste labor,
Pois que a matéria é do alcance
De um volumoso
romance
Que não sabemos compor.
Depois, talvez, se a memória
Não nos faltar na ocasião,
Contaremos toda a história
Dessa fazenda que é glória
Dos tempos da escravidão.