Abre-te, Sésamo!
Lino Vitti
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É preciso que eu vá, preciso vê-la.
Coitada, ela foi sempre tão boazinha.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A palidez da matutina estrela
Cobria as faces da amiguinha minha.
Um nó de pranto veio-me à garganta,
Bailou-me sobre os olhos indeciso.
Ela estava, porém, tão linda e santa
Que tinha inda nos lábios um sorriso!
E quase a minha dor não se conforma
Por
toda essa crueldade do destino,
Lançando assim a sua infausta norma
Contra um ente tão puro e pequenino.
Entre os buquês e a vaporosa veste
Toda de branco como um casto lírio
M ais parecia uma visão celeste
Prestes a erguer o vôo para o empírio.
As lágrimas maternas são diamantes
A estrelejar-lhe o pequenino esquife.
Entre todos os prantos circunstantes,
Talvez, o único pranto não patife.
O enterro foi à tarde. Longas filas
De crianças em bonita procissão.
Via-se o luto nas joviais pupilas
E a dor pulsava em cada coração.
Abre-te, Sésamo!
Lino Vitti
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O caixãozinho,
branco como a neve,
Atrás de todos, carregado a passo,
Ia seguindo tão macio e leve
Qual se plumas levasse no regaço.
Curiosa e triste toda a vizinhança
Afluiu à janela – o rosto sério -
Para ver essa pálida esperança
A caminho feral do cemitério.
Os sinos das igrejas nos seus dobres
Puseram notas de delicadezas.
Sempre assim dobram quando é para os pobres
Pois não lhes querem aguçar tristezas.
“Papai! M amãe Oh! nunca mais. Oh! Nunca!
Adeus”‘ – dizem os bronzes compassivos.
“Ela se foi, ceifou-a a morte adunca,
Jamais haveis de vê-la dentre os vivos”.
E eu jamais hei de ouvir
as vozes dela
No meio de outras crianças, na calçada;
De certo há de, no céu, estar mais bela
Entre os anjinhos da eternal morada.
Abre-te, Sésamo!
Lino Vitti
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JUDAS
Pálido, a cabeleira em desalinho,
Olhar de desespero,
frio e agudo,
Aproxima-se Judas, de mansinho,
E oscula o M estre:- “M estre, eu te saúdo”.
E a pedra, e o inseto, e a planta, e a flor, e o espinho;
Jerusalém, a terra, o espaço. . . tudo
Horrorizou-se estupefato e mudo
Ante a hediondez de beijo tão mesquinho.
M as Jesus, o “Agnus Dei”
humilde e quieto,
A transbordar de compaixão e afeto
Pondo na face um resplendor celeste,
Deixa pousar o seu olhar sagrado
Sobre o olhar do traidor envergonhado
E. diz-lhe ainda:- “Amigo, a que vieste?!”.
Abre-te, Sésamo!
Lino Vitti
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