om o lançamento do filme Lincoln, de Steven Spielberg alguns
escritores aproveitaram a oportunidade para revalorizar um aspecto
comumente negligenciado pela historiografia: o apoio do movimento
operário europeu e, particularmente de Karl Marx à União e à presidência de
Abraham Lincoln. Essa revalorização produziu alguns argumentos claramente
exagerados a respeito da relação de Marx com Lincoln. No Brasil Augusto
Buonicore, por exemplo, afirmou que para “o autor do Manifesto do Partido
Comunista, Lincoln havia sido um grande estadista e um homem sensível às
aspirações de seu povo.” (B
UONICORE
, 2013).
Vicenç Navarro foi além e, a partir de algumas ideias de John Nichols
(2012) e Robin Blackburn (2011), chegou a afirmar que “não há dúvidas de que
[Lincoln] foi altamente influenciado por Marx e outros pensadores socialistas,
com os quais partilhou seus desejos imediatos, claramente simpatizando com
eles e levando sua postura a altos níveis de radicalismo em seu compromisso
democrático.” (N
AVARRO
, 2013.) Paradoxalmente essa afirmação não está muito
distante daquela dos revisionistas neoconfederados, os quais acusaram Lincoln
de estar sob a influência do comunismo (K
ENNEDY
;
B
ENSON
, 2007) e de ter
aplainado o caminho para o intervencionismo estatal na economia e a
intromissão legislativa na vida privada que teriam solapado as bases da
liberdade nos Estados Unidos (cf.
P
. ex. D
ILORENZO
, 2003).
Uma análise menos ligeira do conjunto de escritos de Marx e Engels sobre a
guerra civil pode permitir uma visão menos mistificadora e mais acurada das
ideias destes. É isso o que se pretende neste artigo. Em uma primeira parte será
apresentada a visão geral que ambos tinham sobre a guerra civil e em uma
segunda parte a opinião destes com relação a Lincoln e seu governo.
C
Revista Outubro, n. 22, 2º semestre de 2014
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Marx, Engels e a guerra civil nos Estados Unidos
Os artigos escritos por Karl Marx sobre a guerra civil nos Estados Unidos
eram destinados a dois órgãos de imprensa diferentes. O New York Daily
Tribune, dos Estados Unidos, e Die Presse, de Viena, Áustria. O primeiro era
dirigido por Charles A. Dana (1819-1897), o qual foi correspondente de
imprensa durante as revoluções de 1848 na Europa, ocasião na qual conheceu
Marx em Colonia. Retornando aos Estados Unidos, o jornalista assumiu o
controle do New York Daily Tribune ao lado de Horace Greeley (1811-1872) e
mais tarde convidou Marx a escrever para seu jornal. Os autores do Manifesto
comunista também contribuíram para a
New American Cyclopedia (1857-1866),
um ambicioso projeto de Dana, escrevendo vários artigos. Nos anos anteriores à
guerra civil Dana desenvolveu uma intensa campanha antiescravista na
imprensa, mas durante conflito rompeu com Greeley e abandonou o jornalismo
para assumir posições de destaque ao lado do general Ulysses S. Grant (1822-
1885), ocupando entre 1963 e 1965 o posto de Assistant Secretary of War.
Embora Dana simpatizasse com as ideias de Charles Fourier (1772-1837), o
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