shopping, o que vocês acham?
– Combinado – diz Pedro.
– Combinado – confirma Solange.
Após a consulta médica, Solange e Débora se dirigem ao centro espírita
para tratar do assunto da adoção. O parto está muito perto.
Vera recebe Débora com carinho e ternura. Solange se sente acolhida,
tudo é confortante no centro espírita.
– Olá, Débora!
– Oi, Vera, como vai?
– Estou muito bem e você?
– Estamos todos bem.
– Entrem – diz Vera indicando uma sala confortável onde Jeane, sentada,
espera por ambas.
– Essa é a doutora Jeane, nossa psicóloga voluntária de hoje.
– Bom dia, Jeane! – diz Débora.
– Sentem-se, meninas.
Após sentarem, Jeane oferece um copo com água a ambas, o que é de
pronto aceito.
– Então a menina quer doar a criança que vai nascer. É isso?
– Sim, Jeane, minha família é um pouco complicada e minha mãe não
quer essa criança na família.
– Compreendo. Qual o sexo da criança?
– Não sabemos, fizemos questão de não saber para não criarmos laços
sentimentais – diz Solange.
– Compreendo.
– Vera, explique-lhes a visão espírita da adoção, por favor.
– Vocês querem saber?
– Sim, Vera, queremos saber. Porque aquela palestra a que assisti na
última vez em que estive aqui me ajudou muito a compreender as coisas que
aconteceram comigo. Embora eu tenha me desesperado e tentado resolver de
outra forma, agora compreendo melhor tudo o que aquele palestrante
maravilhoso falou.
– Então prestem muita atenção: pela visão espírita, todos nós somos
adotados. Porque o único Pai legítimo é Deus. Os pais da Terra não SÃO
nossos pais, eles ESTÃO nossos pais. Porque a cada encarnação, em cada
existência, nós mudamos de pais consanguíneos, mas em todas elas Deus é
sempre o mesmo Pai. Mas, para entendermos melhor a existência desta
experiência na vida de muitos pais, é necessário analisá-la sob a óptica
espírita, sob a luz da reencarnação. Vocês estão entendendo?
– Sim, Vera, pode continuar – diz Débora.
– Prosseguindo: a formação de um lar é um planejamento que se
desenvolve no mundo espiritual. Sabemos que nada ocorre por acaso. Assim
como filhos biológicos, filhos adotivos também são companheiros de vidas
passadas. E nossa vida de hoje é resultado do que angariamos para nós
mesmos, no passado. Surge, então, a indagação: “se são velhos conhecidos e
deverão se encontrar no mesmo lar, por que já não nasceram como filhos
naturais”? Não é mesmo?
– Sim, fica essa dúvida – diz Débora.
– Na literatura espírita, Débora, encontramos vários casos de filhos que,
em função do orgulho, do egoísmo e da vaidade, se tornaram tiranos de seus
pais, escravizando-os aos seus caprichos e pagando com ingratidão e dor a
ternura e zelo paternos. De retorno à Pátria Espiritual (ao desencarnarem),
ao despertarem-lhes a consciência e entenderem a gravidade de suas faltas,
passam a trabalhar para recuperarem o tempo perdido e se reconciliarem
com aqueles a quem lesaram afetivamente.
– Isso explica muitas maldades, não é? – diz Solange.
– Sim, Solange. Por favor, prossiga Vera.
– Assim, reencontram aqueles mesmos pais a quem não valorizaram,
para devolver-lhes a afeição machucada, resgatando o carinho, o amor e a
ternura de ontem. Porque a lei é a de Causa e Efeito. Não aproveitada à
convivência com pais amorosos e desvelada, é da Lei Divina que retomem o
contato com eles como filhos de outros pais chegando-lhes aos braços pelas
vias da adoção. Vocês estão compreendendo?
– Sim.
– Então aos pais cabe o trabalho de orientar estes filhos e conduzi-los ao
caminho do bem, independentemente de serem filhos consanguíneos ou não.
A responsabilidade de pais permanece a mesma. Recebendo eles no lar a
abençoada experiência da adoção, Deus sinaliza aos cônjuges estar
confiando em sua capacidade de amar e ensinar, perdoar e auxiliar aos
companheiros que retornam para hoje valorizarem o desvelo e atenção que
ontem não souberam fazer. Trazem no coração desequilíbrios de outros
tempos ou arrependimento doloroso para a solução dos quais pedem, ao
reencarnarem, a ajuda daqueles que os acolhem, não como filhos do corpo,
mas sim filhos do coração. Allan Kardec elucida: “Não são os da
consanguinidade os verdadeiros laços de família e sim os da simpatia e da
comunhão de ideias”.
– Então, quero aproveitar esse ensinamento que você está nos passando e
lhe perguntar uma coisa.
– Pergunte, Débora.
– Posso?
– Claro que sim.
– Devemos esconder de filhos adotivos que eles são adotivos?
– Olha, Débora, um dos maiores erros que alguns pais adotivos cometem
é esconder a verdade aos seus filhos. É importante, desde cedo, não
esconder a verdade. Às vezes, o fazem por amor, já que os consideram
totalmente como filhos; outras, o fazem por medo de perder a afeição e o
carinho deles. Quando os filhos adotivos crescem, aprendendo no lar valores
morais elevados, sentem-se mais amados por entenderem que o são, não por
terem nascido de seus pais, mas sim frutos de afeição sincera e real, e
passam a entender que são filhos queridos do coração.
– Eu acho que temos que falar sempre a verdade – diz Jeane.
– Revelar-lhes a verdade somente na idade adulta é destruir-lhes todas
as alegrias vividas, é alterar-lhes a condição de filhos queridos em órfãos
asilados à guisa de pena e compaixão. Nós não devemos traumatizá-los,
livrando-os do risco de perderem a oportunidade de aprendi zado hoje.
Chico Xavier, quando psicografou com André Luiz, nos traz o se guinte
ensinamento:
“Filhos adotivos, quando crescem ignorando a verdade, costumam trazer
enormes complicações, principalmente quando ouvem esclarecimentos de
outras pessoas”, identicamente ao que ocorre em relação aos nossos filhos
biológicos, buscar o diálogo franco e sincero, com base no respeito mútuo,
sob a luz da orientação cristã de conduta. Pais que conversam com os filhos
fortalecem os laços afetivos, tornando a questão da adoção coisa secundária.
Recebendo em nossa jornada terrena a oportunidade de ter em nosso lar um
filho adotivo, guardemos no coração a certeza de que Jesus está nos
confiando à responsabilidade sagrada de superar o próprio orgulho e
vaidade, amando verdadeira e desinteressadamente a criatura de Deus
confiada em trabalho de educação e amparo. E, ajudando-o a superar suas
próprias mazelas, amanhã poderá retornar ao seio daqueles que o amam na
posição de filho legítimo.
– Por que a senhora está nos explicando tudo isso? – pergunta Solange.
– Porque você quer dar seu bebê. E não é justo que eu deixe de lhe
explicar as consequências deste ato. Esse bebê pode ser um espírito que está
vindo para resgatar algum débito com você, Solange. A forma como ele foi
gerado não importa, o que importa é que esse espírito está tendo agora a
oportunidade de estar ao seu lado. Como expliquei acima, tudo na vida dessa
criança será diferente do que o mundo espiritual possa ter planejado para
ela. É justo que você fique sabendo que esse bebê pode ter sido gerado em
seu ventre para cumprir algum resgate com você ou simplesmente você tenha
sido usada para oportunizar alguém a receber essa criança.
– Em suma, o que queremos deixar bem claro é que você pode ter sido
um instrumento ou você é o instrumento.
– Como assim? – pergunta Solange?
– Os espíritos estão todos interligados na evolução. Uns são algozes;
outros, heróis. Assim toda a humanidade evolui. Esse bebê pode ser seu ou
simplesmente você foi usada para dar esse bebê a alguém.
– O que nós queremos é lhe instruir dentro do espiritismo para, se algum
dia você se arrepender, não se sentir enganada. Por isso estamos lhe
explicando um pouquinho sobre adotados e adoção – diz Jeane.
– Sinceramente agradeço sua preocupação, mas não me sinto mãe desta
criança; alguma coisa dentro de mim me diz que esse bebê não é meu.
Alguma coisa dentro de mim diz que eu tenho que dar essa criança para
alguém. Quando a minha família decidiu doar essa criança para alguém,
confesso, me senti muito aliviada. Essa criança não é minha – diz Solange.
– Isso já foi decidido em nossa família – diz Débora. – Embora eu me
sinta a pior pessoa do mundo.
– Não se sinta, Débora – diz Jeane.
– Me sinto sim, tanta gente querendo ter um filho e minha família me
obrigando a entregar essa criança para alguém que nem mesmo sei quem é.
Eu perdi meu filho e a dor ainda é latente dentro de mim.
– Débora, tudo na lei de Deus tem um motivo – diz Vera.
– Infelizmente essa decisão não é minha – diz Débora, triste.
– Bom, se está decidido, faremos assim: quando a criança nascer você
me liga, Débora, que vou até o hospital para buscá-la. Não há mais o que
dizer. Vou providenciar toda a papelada e arrumar alguém para a adoção.
– Agradeço muito o seu carinho e preocupação, Vera, mas essa é a
decisão da minha irmã e nós devemos respeitá-la, infelizmente.
– Sem problemas, minha amiga.
Solange assiste a tudo calada.
Débora se levanta, olha para o relógio e percebe que já está atrasada
para o encontro com Pedro.
– Vera, obrigada pelo carinho e atenção, mas tenho que ir, temos um
encontro com meu marido. Vamos, Solange, estamos atrasadas. O Pedro já
deve estar no shopping nos esperando. Obrigada, Jeane.
– Vamos – diz Solange se levantando da cadeira com muita dificuldade.
Após se despedirem e deixarem tudo combinado, Débora e Solange se
dirigem ao encontro com Pedro.
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